Livro defende fraternidade como direito fundamental
Obra, resultado de tese de doutorado em Direito, foi lançada em reunião da Comissão de Direitos Humanos.
17/11/2014 - 21:47 - Atualizado em 18/11/2014 - 11:44O livro "A Fraternidade como direito fundamental entre o ser e o dever ser na dialética dos opostos de Hegel", de Maria Inês Chaves de Andrade, foi lançado na noite desta segunda-feira (17/11/14) em reunião da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). O presidente da comissão, deputado Durval Ângelo (PT), autor do requerimento para a reunião, destacou a importância de discutir um tema tão importante quanto a fraternidade, que tem íntima relação com a defesa dos direitos humanos.
“Li a tese da professora Maria Inês e, como professor de filosofia há 36 anos e militante dos direitos humanos, fiquei sensibilizado. Esta reunião é importante para que mais militantes de direitos humanos tenham acesso a esse livro”, destacou. O parlamentar lembrou que a obra dá, por exemplo, o amparo teórico ao método Apac de recuperação de condenados, tema de uma série de visitas e audiências públicas da comissão ao longo deste segundo semestre. Por meio da valorização da liberdade, trabalho e responsabilidade, o método se propõe a humanizar o ambiente prisional, obtendo assim um índice de recuperação de até 90%, contra 15% em média do sistema prisional comum.
Fraternidade - Maria Inês Andrade é formada em Direito pela UFMG, com mestrado pela Universidade de Lisboa. A obra que foi tema da reunião é resultado de uma tese de doutorado defendida na mesma instituição, agora publicada pela Editora Almedina. O livro estuda o conceito da fraternidade na perspectiva do Direito, traçando uma relação entre a fraternidade e a razão, construindo assim uma teoria da fraternidade como direito fundamental.
Em sua apresentação na ALMG, coube à autora traçar um panorama histórico das principais correntes filosóficas mundiais – transitando por ideias de ícones como Aristóteles, Santo Agostinho, Kant e Hegel – para explicar o conteúdo da obra. Vice-presidente da ONG Proação e diretora financeira da ONG Movimento Paz na Serra, Maria Inês diz que a obra tem a proposta de garantir a fraternidade como direito universal, apesar de todas as contradições da natureza humana. “Nós somos uma dicotomia viva animal/racional. Todo animal busca satisfação do seu apetite, que são vários: moral, econômico, sexual, entre muitos outros. Mas se deixarmos, um homem deglute o outro”, analisa.
Nesse contexto, segundo a autora, é necessário avaliar os conceitos da moral, da ética e do Direito. “Se todo mundo pudesse fazer tudo o que quer, ninguém seria livre. A opinião pública é absolutamente passional. Nós somos todos diferentes. Por isso, trabalhar a ideia de igualdade na diferença sempre causou muita angústia ao longo da história. É a filosofia que traz a ideia do outro. Afinal, meu umbigo não é a medida do mundo. E que me perdoem os pessimistas, mas o homem tende a um progresso moral e o mundo vem caminhando para melhor”, destacou a autora.
Maria Inês Andrade lembrou que Hegel apontou o domínio da natureza como a primeira experiência de liberdade do homem. “Não é preciso o reconhecimento do outro para que o homem seja livre. O escravo deve perceber que quem depende dele é o senhor para aí se libertar. A liberdade então é produto da razão. Nenhum animal é livre, só o homem. Aí chegamos à ideia de filosofia do direito e da fraternidade. Por isso, o momento agora é o da luta pela eficácia dos direitos humanos para todos os homens. É racional que, para que um indivíduo se realize, outros tenham que sofrer?”, criticou.
Convidados destacam caráter inovador da obra
O professor da Universidade de Lisboa, Fausto Quadros, apontou que a obra tem tudo para se transformar em referência sobre o tema da fraternidade, segundo ele um produto da razão humana. “Trata-se de um direito fundamental ligado à liberdade e à igualdade, mas, curiosamente, essas duas vertentes têm merecido, sobretudo no continente europeu, mais atenção neste contexto de globalização. Aliás, a globalização só faz sentido se as nações forem organizadas priorizando o ser humano, como diz o conceito da fraternidade, e não as agencias de rating (classificação de risco), que recentemente destruíram a Grécia, só para citar um exemplo”, afirmou.
Já o desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), Luís Carlos Balbino Gambogi, ressaltou que a obra tem o mérito de divagar pelo campo da utopia e, assim, trazer uma nova proposta de um mundo melhor. “O ser humano tem a necessidade de transcender, de buscar um sentido para a sua vida. Mas os valores atuais da nossa sociedade estão em crise, daí a necessidade de identificar e preservar aqueles que são mais perenes na existência humana. É o caso da fraternidade, que vem sendo apropriada pela religião, mas merece atenção também da filosofia e do direito”, destacou.
O professor de Direito da Universidade Federal do Ceará, Márcio Augusto de Vasconcelos Diniz, classificou a obra como “libertadora”. “É sempre bom termos uma obra importante para tentar entender um mundo no qual 10% da população concentra mais de 60% da riqueza mundial. Nesse sentido, questiona se o Estado pode obrigar o outro a ser solidário ou se isso deve ser uma postura de cada um, questionamento que ganhou inclusive o debate político. Mas o fato é que sem fraternidade não há paz nem justiça”, disse.
Por fim, a coordenadora especial de Políticas de Diversidade Sexual da Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social, Walkiria La Roche, reforçou a necessidade de se lutar permanentemente, em todas as trincheiras possíveis, pela defesa dos direitos humanos. E a presidente da ONG Proação, Ângela Maria Proença, apontou a necessidade de valorização do terceiro setor para se garantir a promoção da fraternidade e, consequentemente, a garantia dos direitos humanos.
Hegel - O filósofo Georg Wilhelm Friedrich Hegel, que viveu na virada do século XVIII para o século XIX, foi um dos criadores do idealismo alemão e inspirou o movimento conhecido como hegelianismo. Importante precursor do marxismo, Hegel desenvolveu uma estrutura filosófica sobre a relação entre mente e natureza, sujeito e objeto do conhecimento. Ele desenvolveu o conceito de que a mente (ou espírito), o "Geist", manifesta-se em um conjunto de contradições e oposições que, no final, se integram e se unem, sem eliminar qualquer dos polos ou reduzir um ao outro.
Entusiasta da Revolução Francesa, Hegel propõe um grande sistema filosófico em que o mundo, como Espírito, se encontraria em um processo histórico contínuo de racionalidade e perfeição cada vez maiores. As propostas de Hegel são explicitadas tanto na análise da totalidade do universo quanto nos diversos processos e desenvolvimentos que o constituem, através do método dialético, em que as tendências contrárias (tese e antítese) se entrechocam, resultando em uma síntese, por definição mais perfeita e completa que as anteriores.