Moradores de ocupação na Capital exigem direito à moradia
Eles denunciam abuso da polícia e reivindicam abertura de negociações para evitar ordem de despejo.
13/08/2014 - 15:12Moradores das comunidades Rosa Leão, Vitória e Esperança, na região conhecida como Isidoro, em Belo Horizonte, denunciam privação dos direitos humanos, violência física e psicológica e erros jurídicos no processo de reintegração de posse da área. Eles participaram de reunião da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizada nesta quarta-feira (13/8/14), a pedido do deputado Celinho do Sinttrocel (PCdoB).
As 24.000 pessoas que vivem nessas ocupações estão ameaçadas de despejo devido a um processo de reintegração de posse. Nesta terça-feira (12), uma decisão do juiz Marcos Padula, da Vara Cível da Infância e da Juventude, suspendeu essa ação de despejo, inicialmente programada para esta quarta (13), mas os moradores temem que a liminar seja derrubada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e a retirada das famílias seja efetivada.
O assessor da Comissão Pastoral da Terra, Frei Gilvander Luís Moreira, fez um apelo às autoridades do Tribunal de Justiça e dos governos Estadual e Federal em favor das famílias que vivem nas ocupações. Ele afirmou que os moradores estão dispostos à negociação, e como prova disso, apresentaram quatro propostas para resolver o problema.
Segundo ele, as famílias pedem a suspensão da ordem de despejo por 30 dias e a realização de um cadastro socioeconômico; se comprometem a diminuir o território ocupado e entregar as áreas menos adensadas, bem como reduzir o tamanho dos lotes, de forma que neles sejam alocadas mais famílias; e solicitam que seja apresentado pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) um projeto de moradia em parceria com o programa Minha Casa, Minha Vida, de forma que as famílias saiam de suas casas já construídas no local. Eles temem que as unidades habitacionais a serem construídas no âmbito do Minha Casa, Minha Vida sejam destinadas somente aos cadastrados no programa.
Como desdobramento dessas reivindicações, foi apresentado requerimento para que o Tribunal de Justiça reabra as negociações com os moradores das ocupações. Esse requerimento deve ser votado na próxima reunião da comissão.
Famílias reclamam de pressão da polícia
A coordenadora da ocupação Vitória, Elielma Carvalho do Nascimento, relatou a forma como as 8 mil famílias das comunidades Vitória, Esperança e Rosa Leão têm sido pressionadas pela ação da polícia. Segundo ela, na noite desta terça-feira (12) cinco helicópteros rondaram a comunidade Rosa Leão, “aterrorizando a ocupação”. Ela também acusou a polícia de usar armas de fogo contra a população e alertou que, se a liminar for derrubada e a ordem de despejo for cumprida, vai haver um “bombardeio” nessas comunidades. “A polícia tem as armas, mas nós temos o poder”, afirmou.
A coordenadora da ocupação Esperança, Edna Gonçalves Dias, afirmou que as lideranças comunitárias apresentaram opções de negociação com o governo e a prefeitura, mas que, até o momento, nenhuma resposta foi dada. Ela também disse que os moradores das comunidades têm sofrido com a situação de incerteza e insegurança, e muitos já perderam seus empregos por precisarem ficar em casa para vigiar seus pertences, com medo de uma ação de despejo.
Para o presidente do Instituto Pauline Reichstul, Pedro de Freitas Moreira, das propostas de negociação apresentadas pela comunidade, com exceção daquela que trata da redução do tamanho dos terrenos ocupados, as demais nem deveriam estar na pauta de discussão, uma vez que já são garantias fundamentais de todo cidadão. Além disso, na sua avaliação, qualquer ação implementada agora vai implicar violação dos direitos humanos das famílias das ocupações.
Promotora aponta erros em processo judicial
Além da violação dos direitos humanos no que tange à moradia, a promotora de justiça Cláudia Spranger disse que há muito tempo não presenciava a quantidade de equívocos jurídicos e processuais como os que vêm ocorrendo nas comunidades Rosa Leão, Vitória e Esperança.
Segundo ela, em uma ação de reintegração de posse é necessária uma definição clara da área requerida. De acordo com ela, uma pequena área da comunidade Rosa Leão fica no município de Santa Luzia, e essa informação não constava no processo judicial. Da mesma forma, uma parte da ocupação Rosa Leão está em uma Zona Especial de Interesse Social, que é uma área de atenção especial, e, segundo ela, em nenhum momento a PBH esclareceu essa situação.
A promotora também esclareceu que em julho deste ano, o Ministério Público apresentou uma ação civil pública em defesa das ocupações, com o objetivo de garantir a transparência das informações, o cadastro das famílias e a garantia do direito à moradia.
Ouvidor ressalta violência psicológica
O ouvidor nacional de Direitos Humanos, Bruno Renato Teixeira, defendeu que as crianças, adolescentes, gestantes e idosos das ocupações precisam saber o que será feito de suas vidas depois do fim desse processo. “As pessoas não têm conhecimento de para onde vão ou como vão, de qual política habitacional será destinada a elas, e isso gera violência psicológica e física”, explicou.
Ele também classificou como um contrassenso o fato de a polícia responsabilizar os movimentos sociais e a própria comunidade pela violação dos direitos humanos no processo de reintegração de posse. Por fim, disse que, em visita realizada nesta terça-feira (12), constatou que nas comunidades existem muito mais de 2.500 pessoas, que é o número informado pela prefeitura. Para ele, se não houver um cadastro fiel à realidade, não será possível orientar nenhum tipo de política pública para encaminhar essa população.
A defensora pública Júnia Roman Carvalho concordou que as pessoas que vivem sob o risco de despejo são vítimas de terror psicológico. Para ela, as violações dos direitos humanos já aconteceram, mas é preciso que se evite uma tragédia maior. “As pessoas precisam sair de lá dialogando, com tempo e prazo”, ponderou.
Crise habitacional - Na avaliação do deputado Durval Ângelo (PT), Belo Horizonte vive uma crise habitacional, associada à intransigência do Governo do Estado, da prefeitura e do Tribunal de Justiça. “A moradia é um direito constitucional, e as pessoas estão cobrando esse direito”, afirmou.
O deputado Rogério Correia (PT) disse que sua esperança é que o Tribunal de Justiça mantenha a liminar que suspendeu o despejo no Isidoro. Ele também contou que recebeu uma denúncia anônima de que os moradores poderiam se suicidar ou entrar em confronto com a polícia caso os despejos ocorram.
Para o deputado Adelmo Carneiro Leão (PT), de todos os direitos existentes, o direito à vida é insuperável e deve ser preservado.