Falta de estatísticas dificulta políticas para ciganos
Preconceito também é apontado como obstáculo para a garantia de direitos desse grupo.
09/07/2014 - 13:51 - Atualizado em 09/07/2014 - 15:18A falta de dados estatísticos e o preconceito foram apontados como as principais questões a serem superadas para que a população cigana saia da sua condição de invisibilidade e tenha garantidos todos os seus direitos. O assunto foi discutido nesta quarta-feira (9/7/14) em audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
De acordo com o procurador da República Edmundo Antonio Dias Neto Jr., estima-se que 291 municípios brasileiros tenham acampamentos ciganos. Desse total de municípios, 58 se localizam em Minas Gerais. Não existem, porém, estatísticas confiáveis sobre o número de indivíduos ou famílias, assim como não existem, segundo o procurador, políticas públicas para o grupo. “A única política pública aplicada aos ciganos no Brasil é a de mantê-los sempre em movimento, expulsando-os de todos os lugares onde se instalam”, disse. Para ele, esses povos são vistos como desordeiros e acabam não sendo bem-vindos em lugar nenhum.
Também para a secretária de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação (MEC), Macaé Maria Evaristo, a falta de estatísticas e o preconceito são os desafios a serem vencidos para que políticas educacionais alcancem essa população. Segundo ela, o MEC fez um levantamento das poucas estatísticas existentes e identificou que pelo menos 40% da população cigana acima de 15 anos é analfabeta.
Recentemente, o MEC editou uma resolução para garantir que a matrícula escolar de crianças em situação de itinerância seja realizada a qualquer momento do ano letivo. A secretária do MEC salientou, porém, que é preciso que as escolas informem essas matrículas aos conselhos tutelares, para que seja verificado se os demais direitos das crianças estão sendo garantidos, e à Secretaria de Estado de Educação, para que se comece a criar estatísticas sobre a situação dos ciganos.
A representante do MEC também disse que é importante formar professores ciganos e melhorar a formação de outros professores no que diz respeito à cultura cigana. Só assim, na opinião dela, o preconceito poderá ser combatido.
Claudia de Cássia Vieira Aguiar, que foi à reunião como representante da secretária de Estado de Educação, Ana Lúcia Gazzola, se comprometeu a enviar um documento às escolas solicitando que sigam as diretrizes do MEC diante da matrícula de crianças ciganas. Ela também apontou a possibilidade de adicionar um campo no formulário do Sistema de Controle Material Didático, no qual as escolas poderiam dizer se atendem alunos ciganos.
Policiais se capacitam para atender demandas
A representante da Polícia Civil, delegada Letícia Baptista Camboge Reis, disse que já existe, há alguns anos, uma preocupação para melhorar a atuação policial frente a grupos marginalizados. Ela destacou a criação, no ano passado, do Núcleo de Atendimento a Vítimas de Crimes Raciais e de Intolerância.
Também representando a Polícia Civil, a subinspetora Adriana Amado disse que já foram inseridos nos cursos de aperfeiçoamento dos policiais conteúdos que tratam de grupos que de alguma maneira são socialmente perseguidos. Ela disse que é preciso ainda inserir o assunto nos cursos de formação daqueles que estão ingressando na instituição e pediu a ajuda dos presentes para formatar um plano com a melhor maneira de se discutir essas questões com os novos policiais.
Uma disciplina de direitos humanos também faz parte, segundo o major Cleverson Natal de Oliveira, dos cursos de formação da Polícia Militar. Ele afirmou, ainda, que ao final desses cursos são realizados seminários nos quais representantes de grupos vulneráveis são convidados a apresentar suas formas de vida e suas demandas. Ele disse que convidará os ciganos para futuros seminários. O major também incentivou que todos denunciassem qualquer caso de abuso à corregedoria e ressaltou que, caso o policial não esteja identificado, é importante informar suas características físicas.
Outras demandas do povo cigano foram apresentadas pela presidente da Associação Internacional Maylê Sara Kalí, Elisa Maciel Costa. Além de melhorarias nas estatísticas em relação às comunidades ciganas e na formação dos policiais para lidar com esse grupo, ela pede a criação de políticas para a proteção das diversas línguas do povo cigano. Ela disse também que é preciso combater o preconceito. “É comum tirar a saia e disfarçar a blusa para ir ao supermercado e poder fazer compras sem ser seguida por ninguém. Disfarçar se tornou parte do cotidiano cigano”, afirmou.
Acampamento cigano reivindica terra e saneamento básico
Durante a audiência pública, foi citado o caso de uma comunidade cigana instalada no bairro São Gabriel, na Região Nordeste de Belo Horizonte. O grupo, hoje composto por 80 famílias, está em uma área pertencente à União e reivindica a posse do terreno. Segundo o procurador da República Edmundo Antonio Dias Neto, a negociação já está em andamento, mas, inicialmente, foi aventada a possibilidade de ceder uma área de 17.500 m² mas, de acordo com estudo realizado pela Faculdade de Arquitetura da UFMG, é necessária uma área maior, de 35.000 m².
“Por diversas peculiaridades do povo cigano, que, por exemplo, criam cavalos, eles precisam de uma área maior para cada habitante”, disse. O procurador destacou, ainda, que o acampamento está em situação precária, sem acesso, por exemplo, a água tratada e rede de esgoto.
O presidente da Associação Guiemos Kalons, Carlos Amaral, relatou também casos de abuso policial no acampamento do bairro São Gabriel. Em um dos episódios citados, policiais militares teriam invadido o local durante a madrugada, sem a identificação em suas fardas, e teriam tentado incriminar de várias formas um dos moradores, que teria sido extorquido em R$ 2 mil. “Há mais de 30 anos estamos naquele local. Crianças que nasceram ali já são pais hoje. Esse processo para garantir a nossa permanência é muito importante”, disse.
O superintendente do Patrimônio da União em Minas Gerais, Rogério Veiga Aranha, garantiu que uma nota técnica já está sendo produzida para corroborar a pesquisa da UFMG e ajudar a viabilizar o acordo com a Advocacia-Geral da União para que o grupo ganhe a posse do terreno. O representante da Copasa, Rogério de Abreu Milhorato, disse também que já está sendo negociada a instalação dos serviços de água e esgoto no acampamento do bairro São Gabriel.
A coordenadora de Promoção da Igualdade Racial da Prefeitura de Belo Horizonte, Rosângela da Silva, disse que o diálogo com o grupo só foi iniciado em 2012, quando se começou a fazer um diagnóstico da comunidade instalada no bairro São Gabriel e de outra no bairro Céu Azul. A partir desse diagnóstico, teria sido iniciado no ano passado um processo de reconhecimento da cultura cigana como patrimônio histórico de Belo Horizonte. “Pretendemos, assim, contribuir para o conhecimento e a valorização desses grupos, assim como para a elaboração de políticas públicas para eles”, disse.
O deputado Durval Ângelo (PT), autor do requerimento para a reunião, lembrou que já houve avanços e citou a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial (Lei Federal 21.152, de 2014), mas reconheceu que ainda falta muito para garantir na prática os direitos já estabelecidos na lei. O parlamentar lembrou, ainda, que as comunidades ciganas contribuíram para a evolução da sociedade e citou sua importância para difundir na Europa atividades metalúrgicas e de ourivesaria.
Deputados cobram providências para problemas em Salto da Divisa
A comissão também aprovou requerimentos do deputado Rogério Correia (PT) originados durante audiência pública realizada em Salto da Divisa (Vale do Jequitinhonha) na última quarta-feira (2). Um deles é para o envio de ofício à Procuradoria da República para que seja criado um grupo de trabalho que inclua os representantes dos movimentos sociais, da empresa Itapebi, do Ibama, da Secretaria-Geral da Presidência da República e do Ministério Público para discutir as questões envolvendo os impactos da hidrelétrica de Itapebi, instalada na região.
Outro ofício pedirá à Copasa que mude o ponto de captação de água para abastecer Salto da Divisa, já que a região de onde essa água sai seria ponto de despejo de resíduos hospitalares.
Requerimento - Também foi aprovado requerimento do deputado Celinho do Sinttrocel (PCdoB) para que seja realizada audiência pública com o objetivo de obter esclarecimentos sobre a morte de Frederico Alan de Souza Paiva, assassinado em Coronel Fabriciano (Vale do Aço).
Denúncias - Durante a reunião, foi exibido um vídeo produzido na ocupação de membros de movimentos populares na sede da Urbel (Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte) na última semana. O vídeo mostra um momento de confronto com a polícia e uma das manifestantes, Erica Coelho, esteve presente para denunciar agressões policiais. Ela teve um osso do cotovelo quebrado após um policial, como mostrou o vídeo, bater nela com um cassetete. “A agressão não foi só contra mim, mas contra todos os manifestantes, inclusive deixando alguns sem comida por muitas horas”, disse.
Outra denúncia foi a de agressões verbais e físicas a detentos do presídio de Barbacena. O deputado Durval Ângelo disse que enviará ofícios ao Ministério Público para que encaminhe à comissão detalhes da apuração das duas denúncias.