Especialistas defendem educação inclusiva para todos
Participantes também acham que escolas públicas estão mais adiantadas para receber os alunos com deficiência.
11/06/2014 - 19:25“Escola especial não pode existir. Escola é só uma, e é para todos”. A afirmação do psiquiatra e doutor em Ciências da Saúde, José Ferreira Belisário Filho, sintetiza boa parte da opinião dos participantes da audiência pública, nesta quarta-feira (11/6/14), promovida pela Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Outro consenso do encontro é que as escolas públicas estão mais adiantadas do que as particulares para receber os alunos com deficiência.
A reunião, que atendeu a requerimento do deputado Fred Costa (PEN), teve o objetivo de debater a educação e a aprendizagem inclusiva de alunos com necessidades educacionais especiais no Estado. O parlamentar destacou que é um entusiasta da educação inclusiva. “Essa é uma causa que precisa ser priorizada verdadeiramente. O intuito dessa reunião é provocar a discussão”, completou. Para o deputado, o poder público tem que resolver os problemas relacionados à educação inclusiva.
Representando o Conselho Regional de Psicologia (4ª Região), a psicóloga Denise Martins Ferreira observou que a educação inclusiva é irreversível. “É importante que, desde a tenra idade, exista o acesso ao diferente. Temos pessoas com 30 anos que, se tivessem oportunidade de convivência desde a escola infantil, teriam aprendido muito mais”, afirmou. Segundo ela, o mais importante é a mudança de paradigma na sociedade, para que as pessoas com deficiência tenham qualidade de vida e se sintam cidadãs.
“Nossa maior dificuldade é na formação, no preparo das instituições em receber essas pessoas”, observou a presidente da Comissão de Saúde do Conselho Regional de Fonoaudiologia (6ª Região), Joana Isabel de Camargo. Ela foi um dos participantes que disseram que as escolas públicas estão mais preparadas do que as particulares para receber os alunos com deficiência.
Segundo a superintendente de Modalidade e Temáticas Especiais de Ensino da Secretaria de Estado de Educação, Soraya Hissa Hojrom de Siqueira, o Executivo trabalha para garantir três princípios: o acesso, a permanência e a conclusão dos estudos a todos que passam pela educação básica. Soraya Hissa disse também que hoje acontece uma mudança estrutural e cultural, o que é um desafio.
Outro desafio é de escala, pois são 3.686 escolas com cerca de 100 mil profissionais. “Dos alunos com deficiência, 60% estão nas escolas comuns e 40% nas escolas privadas, associações e escolas estaduais de educação especial. E 14 mil professores foram capacitados para a educação inclusiva”, disse a superintendente.
“A influência do mercado é muito maior do que as intenções pedagógicas. Quem dita a regra é o resultado promissor do Enem. Escolas estão selecionando alunos prontos para o sucesso escolar. Além disso, o maior problema não é pedagógico, mas social. Enquanto insistirmos em criar padrões classificadores das pessoas, teremos dificuldade para promover educação inclusiva no País”, destacou a diretora pedagógica do Instituto Libertas de Educação e Cultura, Andrea Aparecida Araújo Zica.
Andrea Zica disse que a escola em que trabalha, que é particular, já rejeitou a matrícula de alunos cujos pais queriam selecionar a sala em que seus filhos estudariam (sem a presença de alunos com deficiência). “As pessoas estão egoístas, individualistas e hedonistas. Mas a escola tem que ir na contramão disso, tem de estar aberta para todas as pessoas”, completou.
“Proposta pedagógica que reconheça inclusão é direito”
O presidente da Comissão de Articulação e Acesso ao Conselho Nacional de Justiça da OAB-MG, Humberto Lucchesi de Carvalho, afirmou que é necessário colocar na agenda o conceito de altruísmo, ou seja, a satisfação do bem estar comum. Segundo Carvalho, alunos e familiares têm direito de exigir das escolas públicas e particulares uma proposta pedagógica que reconheça a educação inclusiva. “Todo educando tem característica, interesse e necessidades educacionais únicas. Queremos discutir inclusão como fenômeno político, cultural, social e, posteriormente, pedagógico”, frisou.
Ainda segundo o representante da OAB-MG, alunos com dificuldade de aprendizagem podem ter todo um sistema de proteção. “Queremos criar uma interlocução com o gestor da escola, mas, às vezes, em razão de um erro da proposta pedagógica você gera um sofrimento no aluno e na família”, opinou. Carvalho completou dizendo que alunos com deficiência podem sofrer uma espécie de “bullying corporativo”.
A promotora de Justiça da Promotoria de Justiça Especializada de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Idosos, Lais Maria Costa Silveira, ressaltou que a educação inclusiva não pode ficar restrita aos operadores do direito e aos profissionais da área. A promotora acrescentou que chegam a ela diversos casos, como o de escolas que recusam as matrículas de alunos com deficiência.
Nessa situação, o caminho escolhido é o de ação civil pública com antecipação de tutela para que caso seja resolvido o mais rápido possível. “Muitas vezes conseguimos dessa forma. O juiz determina que a escola matricule, é ordem judicial, então termina com sucesso”. Para completar, Lais Silveira afirmou que é preciso fazer valer o direito dos filhos estudarem em uma escola regular.
Inclusão é desafio permanente
Para o deputado Bosco (PTdoB), a inclusão da pessoa com deficiência é um desafio permanente. Ele ressaltou ainda a importância da Meta 4 do Plano Nacional de Educação, que dispõe sobre a educação de alunos com deficiência e regula a distribuição de recursos. “Conseguimos, ao lado das Apaes, convencer o Congresso da manutenção da Meta 4. Mas o desafio continua. Percorremos a maioria das regiões de Minas debatendo a situação de nossas Apaes, em dez audiências públicas. Verificamos trabalho de excelência e dedicação, mas com muitas dificuldades de recursos humanos e financeiros”, afirmou.
O psiquiatra José Ferreira Belisário Filho discordou do deputado. Ele disse que a Meta 4 foi um retrocesso e é inconstitucional. “O Governo Federal retrocedeu com a decisão de manter a Meta 4, cedendo aos interesses das Apaes. Elas não são escola”, criticou. Para o psiquiatra, essa é uma questão política e científica. “Com as escolas especiais, criamos mais pessoas deficientes. Escola especial não pode existir. Escola é só uma, e é para todos. Não podemos retroceder”, ponderou. Para ele, as escolas particulares são ilegais, porque não seguem a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).
“A pessoa com deficiência não quer favor nenhum, só quer ser respeitada”, comentou a deputada Liza Prado (Pros). De acordo com ela, o maior problema das instituições de ensino é a verba de manutenção. “Elas ocuparam um espaço que o Estado não ocupava, em todos os níveis. Lutamos para que tenhamos uma rubrica específica para essas instituições, uma política de Estado”, acrescentou.