Representantes de famílias despejadas e militantes do movimento social participaram, ao lado dos deputados, da audiência pública
Segundo Ericson, ao ocuparem a área, o terreno funcionava como lixão

Advogada aponta irregularidades em ação de despejo

Denúncias foram feitas em audiência pública da Comissão de Direitos Humanos, em Montes Claros, região Norte de Minas.

10/06/2014 - 22:53

Documentos rasurados, assinaturas falsas, dívidas de IPTU que chegariam a quase 300 mil reais, desconsideração de itens básicos da legislação sobre reintegração de posse e prisões ilegais foram algumas das denúncias de irregularidades apontadas pela advogada Adília Nogueira Sozzi, do Movimento dos Trabalhadores Desempregados, na ação de despejo movida contra 500 famílias do bairro Santa Cruz, em Montes Claros (Norte do Estado), realizada no último dia 5 de junho. As denúncias foram apresentadas durante audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) na tarde desta terça-feira (10/6/14), na Câmara Municipal de Montes Claros.

A reunião foi realizada a requerimento dos deputados Rogério Correia e Paulo Guedes, ambos do PT, com o objetivo de debater a liminar de despejo emitida pela juíza Cibele Maria Lopes Macedo, da 1ª. Vara Cível de Montes Claros, e de buscar uma solução para as 500 famílias despejadas. Na ocasião, a advogada Adília Sozzi falou, também, sobre a suspeita de que a reclamante dos terrenos, Yonne Pimenta Ribeiro dos Santos, em nome de quem foi movida a ação, teria falecido em novembro do ano passado, o que, se comprovado, poderia até resultar num pedido de anulação do processo.

“Só pode haver reintegração de posse quando a ocupação é de menos de um ano e um dia e todas as famílias residiam no local há mais tempo, algumas há mais de 15 anos”, disse Adília. Segundo a advogada, “o Poder Judiciário de Montes Claros não está fazendo valer a lei”. “Vi diversos documentos rasurados com corretivos e declarações rabiscadas à mão; qualquer um que tenha acesso aos autos verá irregularidades”, disse ela, que pediu que a comissão intervenha para que a Justiça remeta os autos completos a fim de que a Câmara Recursal possa examinar.

Adília apontou ainda outra ilegalidade: segundo disse, o juiz tem 24 horas para homologar prisão em flagrante e, no caso dos três militantes que defendem a causa da moradia popular, decorreram oito dias até a homologação. Por isso, pede que seja declarada a ilegalidade dessas prisões. Ela também criticou a Prefeitura local, afirmando que a instituição se omitiu no episódio do despejo. Quanto ao acordo firmado com a PM para que a ação fosse feita de forma pacífica, disse que foi cumprido pelos oficiais, mas não pelos militares de baixa patente. "Há denúncias de coação e abuso de autoridade", disse.

Requerimentos - Em face das denúncias, os dois parlamentares apresentaram quatro requerimentos, a serem apreciados na próxima reunião da comissão, marcada para a manhã desta quarta-feira (11/6), na ALMG. O primeiro propõe encaminhar ao Conselho Nacional de Justiça, à Corregedoria do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, à Defensoria Pública do Estado e ao desembargador Márcio Idalmo, do Tribunal de Justiça, as notas taquigráficas da reunião, dando ciência das denúncias.

O segundo requerimento propõe enviar ofício ao Chefe de Polícia Civil de Minas Gerais, com as notas taquigráficas, visando rever, com base nos debates e no cumprimento da liminar, a prisão de três militantes detidos na Penitenciária de Jaraguá, em Montes Claros, devido à manifestação feita no fórum local contra a reintegração de posse. Os militantes são: Carlos Araújo Fonseca, José Antônio Ribeiro e Marcos Vinicius Pereira Rodrigues.

O terceiro requerimento tem o objetivo de encaminhar ofício à Secretaria Municipal de Fazenda de Montes Claros e ao prefeito da cidade, com o envio das notas taquigráficas, solicitando informações sobre a regularidade da área em questão (terreno localizado na Avenida João XXIII, atrás do Posto São Geraldo, bairro Santa Cruz/Jardim Brasil) no que toca à quitação do IPTU. E exclusivamente ao prefeito sobre se haveria interesse da administração municipal na área e se há intenção de desapropriá-la para fins de incorporação ao patrimônio público ou para sua transformação em Zona Especial para Habitação Social.

Finalmente, um último requerimento propõe que a comissão envie ofício ao Ministério das Cidades e à Caixa Econômica Federal solicitando que as 500 famílias despejadas sejam incluídas, com prioridade, entre os beneficiários do programa “Minha Casa, Minha Vida”, do Governo Federal. 

Depoimentos – Durante a audiência, um dos moradores despejados, Ericson Vicente Dias de Souza, narrou que, ao ocuparem a área, o terreno estava completamente abandonado e transformado em lixão. Segundo ele, algumas famílias já residiam no local há mais ou menos 15 anos. Ele queixou-se também “da pressão da PM”, no ato do despejo, o que teria impedido que muitos moradores recolhessem todos os seus pertences antes de deixarem as casas. Além disso, denunciou que tratores passaram por cima de móveis e objetos pessoais dos moradores, muitos dos quais até hoje não conseguiram recuperar seus pertences.

Outra moradora, Rosilda de Jesus Santos, em depoimento emocionado, disse que morava no local há mais de sete anos, num terreno onde cultivava bananas e outros produtos e agora não tem para onde ir. “Ocupamos o terreno porque precisamos de moradia”, disse, garantindo ter ouvido a própria juíza que concedeu a liminar de reintegração de posse dizer para o advogado da parte reclamante que “infelizmente os ocupantes tinham direito”. “Agora estamos na rua, quero saber para onde vou.”

Cleusa Lopes, advogada das famílias, disse acreditar na possibilidade de reversão do despejo. “Espero que a justiça seja feita”, disse, acrescentando que, se necessário, recorrerá “até a última instância”. Segundo ela, “a maioria dos despejados, agora, está morando de favor e outros estão morando na rua mesmo”. Em defesa das 500 famílias, a advogada alegou, ainda, que mais importante do que a propriedade da terra é a posse da terra e “o terreno não tinha posseiros nem documentos”.

O vereador Rodrigues Madureira observou que o município de Montes Claros não tem nenhuma política clara de habitação, embora a cidade já conte com cerca de 400 mil habitantes.

O comandante do 50º. Batalhão da Polícia Militar, tenente-coronel Nivaldo Ferreira Neto, admitiu que algumas pessoas tiveram seus bens danificados, em razão do cumprimento do mandado. Entretanto, ressalvou que não foi registrado nenhum incidente grave com o movimento e suas lideranças. Ele defendeu o diálogo, mesmo em face das divergências, para construir uma saída. E destacou o papel difícil da PM na mediação de conflitos.

Rogério Silva Evangelista, delegado de polícia, explicou o papel da Polícia Civil, de apurar as infrações penais e encaminhar para a Justiça. E afirmou que no caso dos três militantes, a prisão foi mantida porque não cabe fiança para os crimes em que foram enquadrados – lesão corporal, resistência e dano ao patrimônio público.

O deputado Paulo Guedes, contudo, questionou a explicação, alegando que nas manifestações de junho do ano passado muitas pessoas eram detidas por atos de vandalismo e liberadas no dia seguinte. O deputado Rogério Correia, então, acrescentou que a prisão dos três militantes em Montes Claros pode ser considerada como prisão política. O deputado acrescentou também que apresentará solicitará que seja feita uma pesquisa nos cartórios de registro civil de Belo Horizonte e Montes Claros para saber se é verídica a informação de que a suposta proprietária dos terrenos já teria morrido.

Consulte resultado da reunião.