Decisão do STF sobre terceirização é considerada negativa
Medida permite a terceirização feita pela Cenibra e considera legal esse tipo de contratação.
05/06/2014 - 14:08 - Atualizado em 05/06/2014 - 14:35Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) favorável à empresa Cenibra, fabricante de celulose de eucalipto em Minas Gerais, motivou audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). A decisão considera legal as terceirizações de mão de obra utilizadas pela Cenibra e foi duramente criticada em reunião realizada na manhã desta quinta-feira (5/6/14). Desde 2006, uma ação civil pública pedia a contratação dos trabalhadores e instâncias anteriores mandaram a empresa acatar o pedido, mas a Cenibra recorreu ao STF, que decidiu favoravelmente à empresa.
Os convidados salientaram que a terceirização tem significado, não apenas na Cenibra, uma precarização do trabalho e levado a inúmeros acidentes, alguns fatais. De acordo com a coordenadora do Fórum Sindical e Popular de Saúde e Segurança do Trabalhador, Marta de Freitas, cerca de 80% dos acidentes de trabalho no Brasil se dão em casos de terceirização. “Estamos montando um exército de mutilados com milhares trabalhadores ao ano. Em 2013, cerca de 2.700 trabalhadores morreram. A barbárie já está aí”, disse.
A preocupação dos participantes da reunião é de que a decisão leve a uma manutenção e a um aumento da prática da terceirização no País, já que o STF anunciou a repercussão geral da decisão, o que significaria a estensão do entendimento a outros casos.
A presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT-MG), Beatriz da Silva Cerqueira, salientou que não se trata de um problema que diz respeito apenas aos trabalhadores da Cenibra. “Os jovens que ingressam hoje no mercado de trabalho, entram pela via da terceirização, com salários e condições de trabalho muito piores”, disse.
Ela citou o exemplo da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), que estaria contratando, de forma terceirizada, jovens do interior do Estado, oferecendo apenas 15 dias de treinamento, enquanto os funcionários contratados receberiam cerca de 6 meses de capacitação. Além disso, segundo ela, os salários seriam mais baixos e o alojamento seria feito em casas precárias sem camas.
Congresso também pode discutir o tema
O auditor fiscal do trabalho da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Minas Gerais, Fernando Cezar, chamou a atenção para outros grupos prejudicados com a terceirização. Ele explicou, por exemplo, que quando uma empresa tem parte dos trabalhadores terceirizados, o número de profissionais utilizados para calcular quantos jovens aprendizes ou quantas pessoas com deficiências precisam ser contratadas é menor do que o número real.
Essa fraude também prejudicaria os cálculos dos salários, que, muitas vezes, são feitos de forma escalonada em função do número de pessoas contratadas. “Quando parte dos trabalhadores são terceirizados, perdem todos, até aqueles que são contratados ou nem fazem parte do quadro da empresa”, disse. Fernando falou ainda sobre a dificuldade de fiscalização, já que, no Brasil, são 3 mil fiscais, o que representa menos de um por município.
O histórico da decisão foi feito pelo representante do Ministério Público do Trabalho, Helder Santos Amorim. Segundo ele, durante décadas, a terceirização era totalmente proibida, até que, na década de 1990, foi editada pelo STF a Súmula 331, que passou a permitir em casos de atividades de apoio. A argumentação era a de que as empresas precisam focar suas energias nas suas atividades principais.
“Passamos 21 anos aplicando essa súmula e a nova decisão nos pegou de surpresa ao dizer que as empresas têm direito à livre contratação”, disse Amorim. Para ele, a discussão contrapõe dois princípios constitucionais, o da livre iniciativa e o do valor social do trabalho. “Temos argumentos de natureza constitucional de sobra para proteger o trabalhador contra a exploração predatória da sua mão de obra, o que não poemos permitir é que haja retrocesso social”, disse.
“Não podemos permitir que decisão que atinge tantos trabalhadores seja tomada entre quatro paredes, sem nenhuma participação social”, disse o advogado Luciano Ricardo de Magalhães Pereira. O tema já foi discutido no Congresso Nacional, mas a matéria não foi aprovada e os presentes na reunião demonstraram também receio de que o Projeto de Lei Federal 4330/04 volte à pauta e acabe aprovado sem que as demandas dos trabalhadores sejam atendidas.
“Já temos a notícia de que o projeto está prestes a ser votado e, dessa vez, ele iria direto para o Plenário. E é importante saber que o projeto continua virgem, conforme colocado pelo empresariado, sem contemplar nenhum pleito dos trabalhadores”, afirmou Bruno Reis de Figueiredo, membro da Coordenação Nacional de Direito Sindical do Conselho Federal da OAB.
O deputado Durval Ângelo (PT) lembrou que a questão da Cenibra é antiga e já foi discutida na ALMG há anos. “Naquela reuião, fomos surpreendidos com filmes e fotos do trabalho terceirizado na empresa. Era trabalho análogo à escravidão”, disse. Nesse caso e na atuação contrária ao PL 4330, o parlamentar considera que foram conquistadas vitórias, inclusive com a contratação de parte dos terceirizados da Cenibra depois de decisões judiciais nas primeiras instâncias. Mas, para ele, a recente decisão do STF representa um grande retrocesso.
O deputado Rogério Correia (PT) elogiou o trabalho do Ministério do Trabalho na denúncia contra a mineradora AngloAmerica, que manteria, segundo ele, trabalhadores brasileiros e haitianos em situação análoga à escravidão.