Deputados e convidados debateram alternativas de trabalho digno para os detentos e egressos do sistema prisional
O projeto foi idealizado pela promotora Nívia Mônica da Silva

Preconceito entrava reinserção de ex-detento no mercado

Em audiência na ALMG, estudiosos relataram dificuldades dos detentos e egressos do sistema prisional para trabalhar.

05/06/2014 - 20:05

O preconceito e a falta de conscientização da sociedade estão entre as maiores dificuldades para realocar no mercado de trabalho os detentos em regime aberto ou semiaberto e os egressos do sistema prisional. A denúncia foi feita na tarde desta quinta-feira (5/6/14) por representantes da Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social (Sedese) durante audiência pública da Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

De acordo com a coordenadora do Programa de Inclusão Social de Egressos do Sistema Prisional da Sedese, Daniela Tiffany Prado de Carvalho, dentre os três mil novos egressos por ano, o programa “mal consegue alocar 100”. Segundo ela, “a dificuldade é muito grande, principalmente no interior, e maior ainda com as mulheres”, que, muitas vezes, diz, acabam vítimas de assédio e abuso por parte dos próprios contratantes.

A audiência foi realizada a requerimento da deputada Maria Tereza Lara (PT) com o objetivo de debater projeto voltado para o trabalho dos detentos idealizado pela coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos, promotora Nívia Mônica da Silva. Iniciado em fevereiro deste ano, o projeto, segundo a promotora, partiu de uma demanda dos próprios profissionais da Justiça incumbidos de fiscalizar o cumprimento dos direitos e deveres dos apenados.

Concentrando-se basicamente nas comarcas de São Joaquim das Bicas e Ribeirão das Neves (região Central do Estado), onde estão situadas algumas das maiores unidades prisionais do Estado, o projeto foi fundamentado em três eixos: o monitoramento com mais eficiência dos locais de privação de liberdade, com visitas técnicas rotineiras de duas a três vezes por semana; o trabalho dos agentes penitenciários sobre a sua atividade profissional; e um diagnóstico sobre o trabalho realizado pelos detentos em unidades prisionais e a análise de suas possibilidades e limites no processo de reintegração social.

Superlotação - Após os quatro primeiros meses de trabalho, o Grupo de Apoio ao Ministério Público no Sistema Prisional concluiu a primeira etapa das visitas a três, das 146 unidades prisionais do Estado, e se deparou com “um número imenso de demandas, individuais e coletivas”, segundo Nívia.

Para ela, a superlotação é o maior problema da população carcerária, do qual decorrem diversas outras violações de direitos, como as precárias condições de trabalho dos agentes penitenciários e a precariedade das condições de saúde, higiene e do atendimento médico, entre outros. A promotora defende a manutenção de equipes médicas do SUS dentro das unidades prisionais, para atendimento aos detentos.

O programa, que conta com o apoio da equipe da pesquisadora Vanessa Andrade de Barros, da UFMG e do Observatório Nacional do Sistema Prisional, está acompanhando o trabalho dos detentos em três presídios: a Penitenciária José Maria Alkmim e os presídios Antônio Dutra Ladeira e José Martinho Drumond.

O primeiro, com capacidade para 1160 presos, abriga 1700. O segundo, com apenas 1166 vagas, abriga 2091 detentos. No Martinho Drumond, a situação é ainda mais grave: com capacidade para 820 internos, abriga 2095. Segundo a professora Vanessa Andrade de Barros, o número de agentes penitenciários ideal seria um para cada grupo de cinco detentos. Em Minas, disse, a relação é de um pra cem. Isso, somado às condições precárias de trabalho dos agentes, é “preocupante”, disse ela.

A pesquisadora manifestou sua preocupação, também, com o tipo e as condições de trabalho dos detentos. Segundo afirmou, as atividades ocupacionais, de modo geral, não contribuem para valorizar o preso, que, muitas vezes, trabalham em condições degradantes, sem nenhum direito. Por isso, defende que essas atividades não sejam meras ocupações, mas um trabalho de fato, que contribua para a formação profissional e assegure ao detento direitos trabalhistas básicos. “Inserir o preso na cadeia produtiva do trabalho é reconhecê-lo como trabalhador e colabora para recuperar a sua função psicossocial”, observou.

O juiz coordenador do programa Novos Rumos, do Tribunal de Justiça do Estado, José Ricardo dos Santos Freitas Veras, disse que o Brasil, hoje, conta com mais de 715 mil presos e ocupa o terceiro lugar em número de detentos no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos (1º lugar) e da China (2º). Entre os estados da Federação, Minas Gerais está em segundo lugar, com mais de 61 mil presos. O déficit de vagas no País é de 358 mil e ainda existem mais de 373 mil mandados de prisão em aberto.

Cultura de paz - “Se queremos uma cultura de paz, tem que haver uma interferência profunda no sistema prisional brasileiro”, disse a deputada Maria Tereza, acrescentando que a proposta de realizar a audiência pública para debater o tema surgiu pela necessidade “de contribuir para a construção de uma sociedade mais igualitária, fraterna, de respeito ao ser humano e à vida”.

O presidente da comissão, deputado João Leite (PSDB ), e o deputado Cabo Júlio (PMDB) elogiaram a iniciativa e o comprometimento da procuradora Nívia Mônica e da professora Vanessa Andrade de Barros com o tema.

Participantes tecem críticas às políticas públicas

Cirlene Lima Ferreira, presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos, teceu críticas à obrigatoriedade do sistema de parceria com empresas, desenvolvido pelo Estado para assegurar emprego aos detentos, alegando que, em muitos casos, configura-se como exploração da mão-de-obra dos presos. Ela defendeu outras alternativas de trabalho que assegurem ganhos reais para o detento e sua família e o valorizem como trabalhador. Criticando a situação dos presos no Estado e no País, afirmou que se trata de “uma pena de morte lenta”.

Fernando Tadeu Davi, coordenador do Projeto de Monitoramento de Unidades Prisionais, criticou a propaganda oficial do Estado, “que não retrata a realidade dos presídios”. E pediu a atenção dos deputados para o tema, quando da revisão do PPAG, o Plano Plurianual de Ação Governamental.

O Padre Amarildo José de Melo, coordenador da Pastoral Carcerária de São Joaquim de Bicas, disse que não adianta pedir o envolvimento da sociedade se o Estado não dá a sua contrapartida. Ele considerou “um absurdo e desproporcional” a construção de uma penitenciária para cinco mil presos em uma cidade de 30 mil habitantes, “sem nenhum diálogo com a população”. “Construíram lá o presídio, mas não construíram um único posto de saúde e, hoje, a população tem que dividir o atendimento no SUS com os cinco mil detentos, que não contam com atendimento médico no presídio. Como querem que a sociedade aceite isso?”, indagou.

Segundo ele, Bicas é, hoje, uma cidade violenta, mas a comunidade não nasceu violenta, “o Estado a tornou violenta, aproveitando-se de um município ainda em criação, com uma sociedade civil desorganizada”, disse. O padre disse ainda que entre os agentes penitenciários que atuam na unidade prisional de Bicas, é alto o número de depressivos e até de suicidas. “Os agentes penitenciários vivem em situação de depressão e sofrimento psicológico grave, devido a um ambiente que não favorece a vida”, lamentou.

Encerramento - Ao final da reunião, o coordenador do Projeto de Monitoramento de Unidades Prisionais, Fernando Tadeu Davi, apresentou uma síntese com as principais propostas formuladas durante a reunião: estudar mudanças nos procedimentos do Grupo de Intervenção Rápida (GIR) que atua em presídios, uma vez que há denúncias de violência contra presos à noite, em locais onde não há câmeras; verificar como se processam as transferências de detentos, pois há reclamações de muitos que dizem ter sido transferidos para unidades longe de suas famílias; incluir, nos conselhos disciplinares dos presídios, representantes de entidades externas ao conselho; ampliar a fiscalização do Ministério do Trabalho e da Vigilância Sanitária nas unidades prisionais; ampliar com urgência o quadro de servidores, principalmente de advogados, defensores e médicos; verificar a denúncia de que estariam sendo aplicados castigos coletivos em presos; melhorar a recepção aos visitantes de presos e fazer um estudo sobre a atual legislação prisional, com vistas a aprimorá-la.

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