Comissão pede providências contra retaliações a professor
Morador de Nova Lima, acadêmico crê que sua atuação contra a privatização de espaços públicos causou perseguições.
03/06/2014 - 15:30Encaminhar notas taquigráficas às corregedorias-gerais da Polícia Militar (PMMG) e de Justiça (CGJ-TJMG), assim como ao prefeito e ao presidente da Câmara Municipal de Nova Lima (Região Metropolitana de Belo Horizonte), solicitando providências em relação ao caso do cientista político e professor aposentado da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Fernando Massote. Esses são alguns dos pedidos de providência que a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) aprovou na audiência desta terça-feira (3/6/14), realizada a requerimento do deputado Durval Ângelo (PT).
A comissão ouviu diversos testemunhos sobre o caso. Segundo depoimentos do próprio Massote, de representantes de movimentos sociais e da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Minas Gerais, o intelectual foi vítima de arbitrariedades por parte do Poder Judiciário e de membros da PM, em razão de sua atuação contra a privatização de espaços públicos na cidade.
Declarando o apoio da comissão ao professor e a colocando-se à disposição do intelectual para outras intervenções, o presidente Durval Ângelo informou, ainda, que serão enviadas notas de repúdio ao Ministério Público (MP) e também à Corregedoria-Geral do órgão, em razão da postura equivocada assumida pelo MP neste assunto. “O que houve, neste caso, foi uma grave inversão de valores e uma omissão do MP quanto à apuração da denúncia de abuso de autoridade e de violação de direitos. O Judiciário também falhou, o juiz assumiu uma postura arbitrária e conivente com privatização do espaço público”, alertou o deputado.
O estopim - Ocorrido em 2011, o caso foi agravado depois que o professor acionou o Poder Judiciário contra agressões que teria sofrido, no bairro Ouro Velho, onde ele reside, em Nova Lima, por causa de sua atuação de combate ao cerceamento de espaços públicos. Ciente de que, constitucionalmente, as vias públicas não podem ser muradas para abrigar os chamados condomínios fechados, o estudioso iniciou ações para coibir cercas, cancelas, portarias e guaritas, instaladas nas imediações de sua casa, tomando o espaço público da cidade como se fosse privado.
De acordo com os depoimentos, essas atitudes do professor fizeram-no vítima de agressões por parte de moradores desses condomínios. Isso, então, o levou a acionar a Justiça. Dentro do Poder Judiciário, porém, passou de vítima a réu, pois sem chegar a um acordo, não pôde assumir a sua defesa no Juizado de Pequenas Causas e, ao questionar o juiz, foi violentamente algemado e detido.
As retaliações continuaram e nem o MP, mesmo acionado, atuou na apuração das denúncias. Ao contrário, posicionou-se contra Massote, acatando a denúncia de desobediência imposta ao acadêmico, que foi condenado, em novembro de 2103, a pagar multa de dois salários mínimos. Ele recorreu da decisão e a ação está em tramitação.
O deputado Durval Ângelo, em artigo publicado no Jornal O Tempo de 11/5/14, questiona o posicionamento dos órgãos públicos. “Lamentavelmente, o Ministério Público, na contramão do princípio de sua criação na Constituição de 1988, foi insensível à luta pelo espaço público”, diz o texto. O parlamentar encerra o artigo afirmando que este caso “expõe a necessidade urgente de maior diálogo das nossas instituições com a sociedade e com aqueles que buscam a tutela do Estado para lutar contra a opressão do mercado. Somente assim poderemos nos orgulhar de ter construído, de fato, uma sociedade democrática de direitos”.
Testemunhas questionam privatização do espaço público
Chamando os loteamentos de “falsos condomínios” , uma vez que cerceiam espaços públicos, o advogado e professor Mario Lúcio Quintão Soares, de Nova Lima, considerou a iniciativa da comissão uma ação “em defesa dos direitos fundamentais garantidos na Constituição”. Para ele, o professor Massote é um exemplo de vida, um idealista em muitas lutas por direitos e, particularmente, nesta luta contra falsos condomínios. No entendimento dele, há uma tendência de se cercar os bairros e moradias dos ricos, criando guetos de pessoas privilegiadas. A solução, afirmou, seria a existência de uma real segurança pública. “A ênfase deve ser a valorização da segurança pública, suprir e preparar policiais, dar suporte as polícias. As forças de segurança pública querem se qualificar”, declarou.
Ele também criticou a postura do Poder Judiciário e o do MP. “Houve uma interpretação equivocada do juiz, que extrapolou limites constitucionais. Um juiz não pode se considerar acima da lei, desconhecer seus limites, isso é arbitrariedade. Foi um episódio que feriu direitos elementares da democracia, um ato que chegou às raias da brutalidade. O MP também falhou, pois não pode agir como algoz dos cidadãos”, concluiu o advogado.
A jornalista e advogada Renata Moreira Ferreira também saudou a postura e as lutas do professor Massote. “Esta briga contra a privatização do espaço público em Nova Lima não é individual, é de todos da cidade, que sempre sofreu com explorações sem qualquer retorno aos munícipes. Nova Lima, que tem uma história de sofrimento com a exploração de recursos minerais, hoje continua a sofrer com a especulação imobiliária espelhada nos falsos condomínios, a falta de regularização fundiária e de planejamento do espaço urbano, cerca de 80% dos habitantes não possuem saneamento básico, e ainda há a depredação ambiental, tudo com a conivência do Poder Público municipal”, lamentou.
Renata Moreira ainda abordou a incompatibilidade dos condomínios com a legislação. “A lei exige que, nos loteamentos, as áreas de circulação e lazer sejam abertas, e a Lei Orgânica proíbe condomínios fechados que bloqueiem vias públicas. Mas os falsos condomínios persistem, criando um viés segregacionista no município”, criticou.
Representando a Comissão de Direitos Humanos da OAB, o jornalista Luiz Carlos Bernardes disse que dar visibilidade a este caso é um ato em defesa da democracia. Ele também elogiou as ações do professor e lamentou a violência sofrida por ele. “Esta questão envolve não apenas Nova Lima, mas diversas regiões metropolitanas do Pais”, alertou.
O professor Carlos Alberto Piacenza e os militantes Nelson Pereira, da Associação Comunitária Galo Açafrão, e Fernando Santana da Silva, coordenador do Movimento das Associações de Bairro de Belo Horizonte (MABBH), que reúne mais de 40 entidades de classe da Região Metropolitana de BH, também manifestaram apoio à causa do professor e repúdio à violência que o vitimou. “ A população precisa despertar, aprender a ser política, o professor Massote tem essa postura”, ressaltou Fernando Santana.
Ele também abordou o trabalho do MABBH. “Há anos, lutamos na defesa dos espaços públicos das cidades. Em Belo Horizonte, já houve rua sendo vendida para construção de hotel e a sociedade nem toma conhecimento. É preciso transparência, tornar públicas todas as interferências no espaço urbano, levar ao conhecimento de todos. Hoje, por exemplo, há um projeto da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) chamado 'Nova BH' que deverá intervir em 27% do território da Capital, e não temos conhecimento, não há dados disponíveis, não se sabe nada sobre a remoção de cidadãos, se haverá amparo e como será. A população carece de representação efetiva, de planejamento adequado das cidades, de segurança pública, e de confiar nos policiais e demais agentes públicos”, ponderou Fernando Santana.
Professor critica poder público de Nova Lima
O professor Massote agradeceu os depoimentos favoráveis e também a intervenção da Comissão de Direitos Humanos. Ele criticou a postura do Executivo e do Legislativo de Nova lima, que autorizam o cerceamento dos espaços públicos, contrariando a Constituição Federal e a Lei Orgânica. “Há uma política de privatização do espaço público em Nova Lima, cidade que, ao lado de Cotia (SP), é um centro nacional dessa política de cerceamento, de falsos condomínios, que são um atentado ao direito de ir e vir dos cidadãos, uma afronta à democracia. E o poder constituído e seus representantes, como a PM, não defendem a Constituição, preocupam-se em defender os poderosos, os 'donos do bairro' que têm mentalidade de chacareiros”, criticou.
Ele ainda relatou as agressões e retaliações na tentativa de silenciá-lo porque é um “adversário da politica de privatização do espaço público”. Ele criticou o que chamou de “duas Novas Limas: a do 'casco velho' que é dos moradores nativos; e a do Jardim Canadá, dominada por condomínios que se consideram donos de todo o espaço onde estão inseridos, chacareiros”.
Para o professor, a violência que o vitimou decorre também de uma sensação de apoderamento de praças da PM, que agem com brutalidade movidos inclusive pela “maledicência”, o que teria ocorrido no caso dele, disse. Ele sugeriu mais preparo e psicologia dentro das unidades da PM e criticou a ausência do comandante-geral da PM de Nova Lima nesta e em outras audiências. Lembrou, ainda, que o debate de hoje foi a quarto realizado sobre o tema; sendo que os anteriores foram em outros espaços públicos, de Nova Lima e RMBH, destacando que a sua luta é “uma pauta política e não pessoal”.