Movimentos sociais querem energia mais barata no Estado
Resultado de plebiscito popular com mais de 600 mil assinaturas é favorável à redução do ICMS nas contas da Cemig.
19/05/2014 - 15:20Uma performance dos movimentos sociais com palavras de ordem marcou a audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizada nesta segunda-feira (19/5/14). A ação foi concluída com a entrega simbólica de parte dos votos coletados durante o plebiscito popular sobre redução do valor das tarifas de energia, votos que foram espalhados pelo Auditório do Parlamento mineiro.
Esta audiência foi um dos desdobramentos do 5º Encontro dos Movimentos Sociais, realizado na ALMG entre 30 de abril e 3 de maio deste ano, cujas pautas foram exatamente a redução dos valores da energia elétrica, além de outro plebiscito popular nacional, já programado para setembro deste ano, em prol de uma constituinte para a reforma do sistema político do País. O requerimento para a atividade foi do deputado Rogério Correia (PT).
Segundo os dados apresentados, o plebiscito sobre o custo da energia fornecida pela Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) foi realizado em mais de 300 municípios mineiros, localizados nas diversas regiões do Estado, e envolveu movimentos sociais, sindicais, pastorais, estudantis, de agricultores, sem-terra, mulheres, além de igrejas, ONGs e outras entidades similares. Ao final, foram coletados mais de 600 mil votos, com praticamente 100% da apuração favorável à redução do valor cobrado nas contas de luz no Estado.
Esse resultado já foi oficialmente apresentado à direção da Cemig, mas a empresa, embora convidada, não enviou representantes.
Críticas à ausência das entidades públicas
Os representantes da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), da Secretaria-Geral da Presidência da República e da Cemig não compareceram, justificando compromissos previamente assumidos. A ausência foi sentida e bastante criticada pelos componentes da mesa, sobretudo em relação à concessionária de energia, uma vez que o resultado do plebiscito foi entregue à companhia em abril, e as entidades tinham expectativas de obter um posicionamento da empresa durante esta audiência.
“Hoje, a Cemig deveria vir aqui nos dar uma resposta sobre o resultado do plebiscito. O povo pediu redução, em vez disso, a Cemig pediu à Aneel um aumento de quase 30%. Ainda bem que que a agência só permitiu 14%. A empresa não tem necessidade disso, tem recebido lucros estratosféricos (cerca de R$ 3 bilhões), que são repassados aos acionistas", criticou Jairo Nogueira Filho, coordenador-geral do Sindicato Intermunicipal dos Trabalhadores na Indústria Energética e dos Trabalhadores na Indústria de Gás Combustível do Estado (Sindieletro/MG).
Jairo afirmou ainda que, até a década de 1980, a prioridade da companhia era servir ao cliente. Mas, segundo ele, hoje a Cemig prioriza a geração de lucro para acionistas, "por isso não há investimento em tecnologia e em qualificação profissional. Sem falar na terceirização abusiva, nas demissões injustas e nas más condições de trabalho, que a cada 45 dias leva um trabalhador à morte”, concluiu.
Filipe Russo, da diretoria estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra (MST) questionou a ação da empresa em áreas de reforma agrária que, mesmo próximas a grandes centros ou que preencham os requisitos do programa Luz para Todos, permanecem sem energia elétrica. “Ainda existem milhares de famílias sem luz nas zonas rurais mineiras. Há assentamentos que subsistem há mais de nove anos sem luz. Como eles vão se desenvolver desse jeito?” indagou Russo. Ele também destacou como abusivo o índice do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) cobrado pela energética mineira, que, de acordo com dados apresentados, supera 45%.
A presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT/MG) e do Sindicato Único dos Trabalhadores da Educação (SindUte-MG), Beatriz da Silva Cerqueira, destacou que o plebiscito foi uma oportunidade de diálogo com a população, de mostrar à sociedade a realidade do custo da energia. Ela também criticou a ausência de representantes das entidades públicas convidadas.
“A Cemig atua para poucos e quem paga a conta é a população. Não entendo como uma empresa que lucra tanto, e divide o lucro com tão poucos, poderia justificar serviços com qualidade cada vez menor. O número de trabalhadores da companhia passou de mais de 17 mil em 1994 para apenas oito mil em 2011. Como explicar isso? O custo da nossa conta aumenta, o lucro da empresa aumenta (quase 500% desde 1994), mas a qualidade cai", desafiou a sindicalista.
Ainda de acordo com Beatriz, dados do Sindeletro mostram que 77% da população mineira fica sem luz mais do que o limite estabelecido, e que a Cemig está em 25º lugar em qualidade de serviço. "É por isso que não veio ninguém da empresa. Como vão justificar essa situação?,” indagou.
Joceli Andrioli, membro da coordenação Nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) teceu críticas à violações cometidas pela empresa. Para ele, a Cemig viola os direitos humanos ao manter trabalho análogo à escravidão, ao especular preços na venda energia, manter milhares de mineiros sem energia elétrica, não indenizar os atingidos por barragens, cobrar altos valores de ICMS, insistir em manter uma das maiores tarifas do País, quando poderia oferecer uma das menores devido aos lucros que tem acumulado. "Esse custo injusto, porém, é apenas para o setor residencial, as pequenas empresas e o comércio. A grande indústria e as mineradoras não pagam quase nada. Por isso, a campanha pela redução vai continuar até que se faça justiça”, afirmou.
Deputados criticam modelo de gestão e elogiam plebiscitos
Responsável pelo requerimento que originou a audiência, o deputado Rogério Correia criticou o modelo de gestão da companhia. Ele disse que a Cemig é livre para reduzir o ICMS, mas prefere aumentar o dividendo dos acionistas a oferecer esse benefício aos usuários. “Hoje, há uma visão privatista na Cemig, que prioriza os lucros dos acionistas, que são em sua maioria grandes investidores internacionais, e ignora a função social da empresa. O aumento na conta de luz da Cemig é sempre superior ao de outras companhias do País e o imposto é o mais alto do Brasil”, afirmou o parlamentar.
Rogério Correia lembrou sua ida à Cemig acompanhando os movimentos sociais, quando entregaram ao presidente da empresa os dados e mais de 600 mil votos favoráveis à redução da tarifa de energia em Minas Gerais. Ele ressaltou que esperavam obter um retorno nesta audiência. Por fim, o deputado convidou os presentes para o debate público da próxima sexta-feira (23), quando serão tratadas as políticas públicas voltadas aos pequenos pescadores.
O deputado Adelmo Carneiro Leão (PT) elogiou a iniciativa dos plebiscitos. Ele ressaltou que todos os avanços sociais e trabalhistas existentes hoje no Brasil são fruto da luta das classes trabalhadoras, e a unificação de tais luta amplia a força.
“Ainda não conseguimos fazer todas grandes transformações necessárias, como as reformas agrária, tributária e política, pois sempre que são pautadas, as reações dos conservadores são intensas. Mas sabemos que é necessário haver uma redistribuição da riqueza nacional, uma mais justa distribuição de renda, inclusive nas relações salariais, e quem tem poder de fazer essas e outras mudanças é o povo organizado”, ponderou o parlamentar.
O deputado federal Padre João (PT-MG) também elogiou as iniciativas dos dois plebiscitos. Ele lamentou as falhas no fornecimento de energia e a exploração abusiva dos recursos naturais. Padre João ainda criticou a ausência das entidades públicas, sobretudo a Aneel. “O não comparecimento da Aneel é uma falta de respeito. As agências reguladoras precisam aproveitar essas oportunidades para estar mais próximas da população, ouvir testemunhos. Se estivesse presente, a Aneel poderia conhecer lógica perversa da produção de energia em Minas Gerais e a realidade dos atingidos por barragens”, lamentou o parlamentar.