O Teatro ficou lotado, com a presença de militantes da causa do parto humanizado. Uma das faixas deu o tom das discussões: “Nós parimos, nós decidimos”.
Parlamentares defenderam a necessidade de debate sobre o tema

Projeto para estimular o parto humanizado recebe apoio

Comissão de Saúde recebe convidados para discutir o PL 4.783/13, que pretende melhorar o atendimento a mães e bebês.

30/04/2014 - 15:07

Aprimorar e garantir a aprovação do Projeto de Lei (PL) 4.783/13, do deputado Adelmo Carneiro Leão (PT), que institui o Plano Estadual para a Humanização do Parto. Esse foi o objetivo da audiência pública da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizada na manhã desta quarta-feira (30/4/14). O debate, que atendeu a requerimento do próprio autor da proposição, foi coordenado pelo presidente da comissão, deputado Carlos Mosconi (PSDB).

O PL 4.783/13 dispõe, entre outras iniciativas, sobre a administração de analgésicos em partos naturais de gestantes em Minas Gerais. A proposição já recebeu parecer pela legalidade da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e agora será analisado justamente pela Comissão de Saúde. Nesse sentido, a audiência pública serviu para embasar o parecer que será emitido pela comissão de mérito.

Em sua justificativa, o autor da matéria diz que o objetivo é trazer para a esfera legal a obrigatoriedade de oferecer condições para o parto humanizado e obrigar as unidades de saúde a seguir as recomendações necessárias para garantir o exercício desse direito.

Os debates foram abertos com a exibição de um pequeno filme em que foram mostrados vários partos de cócoras, prática embasada por pesquisas envolvendo os partos realizados em tribos indígenas. O Teatro da Assembleia ficou lotado para a audiência, tendo inclusive a presença de estudantes do 8º ano do Colégio Sagrado Coração de Jesus e de militantes da causa do parto humanizado. Uma das faixas afixadas no local deu o tom das discussões: “Nós parimos, nós decidimos”.

Cesarianas - “Vida saudável diz respeito a todo o contexto da vida, inclusive no nascimento. A cesariana pode ser confortável para alguns, mas não necessariamente para as mães”, afirmou o deputado Adelmo Carneiro Leão, ao defender a necessidade da aprovação do PL 4.783/13. Já o deputado Carlos Mosconi, que é médico, reconheceu que existem muitas pendências em torno do tema, mas que o debate é necessário para que soluções sejam encaminhadas.

O deputado Pompílio Canavez (PT), que também participou da discussão, lembrou que, como prefeito de Alfenas (Sul de Minas), praticamente zerou a mortalidade neonatal no município com a ajuda de um programa que foi depois premiado pelo Governo Federal. “Os municípios têm o seu papel. Unimos várias secretarias com esse objetivo e não focamos apenas na gestante, mas na família como um todo, com ótimos resultados”, destacou.

Por sua vez, o deputado Arlen Santiago (PTB), também médico, lembrou as dificuldades de infraestrutura enfrentadas sobretudo pelos pequenos municípios. “Como médico radiooncologista, muitas vezes fui o único plantonista para toda uma região. Tinha que fazer de tudo, inclusive partos. Entendo a importância do parto humanizado, mas e se uma mãe morrer em uma dessas casas de parto? Quem será responsabilizado?”, indagou.

A audiência pública contou ainda com a participação do deputado Doutor Wilson Batista (PSD). "É preciso mesmo humanizar cada vez mais os procedimentos médicos", afirmou. Ao final da reunião, o parlamentar apresentou requerimento para que as autoridades de saúde do Estado façam campanha educativa sobre o tema.

Experiência trazida das aldeias indígenas

A primeira convidada a falar foi a presidente da organização não-governamental (ONG) Rede de Gênero e Geração (Regar) em Ouro Preto, a médica Silvia Almeida de Oliveira Costa Martinez. Ela destacou o papel do médico Moisés Paciornik, precursor na defesa do parto humanizado e um dos autores do filme lançado no final da década de 1960 e exibido no início da audiência pública.

Segundo a médica, o filme é histórico e significou o início de um processo de reflexão das mulheres sobre seu direito de escolha sobre como dar à luz. Silvia Martinez fez também a defesa do PL 4.783/13. “Minha expectativa é de que esse projeto se transforme em uma ferramenta para garantir concretamente o acesso dos profissionais e sobretudo das mulheres a informações e aos espaços de decisão em torno do parto”, definiu.

Uma das exposições mais esperadas foi a da coordenadora do Núcleo de Estudos Mulher e Saúde do Departamento de Medicina Preventiva e Social da UFMG, Anayanse Correa Brenes, que contou sua experiência ao dar à luz.

“Por minhas origens, encarava o parto natural, como o próprio nome diz, como uma coisa natural. Trabalhei até o último dia de gravidez e me assustei ao descobrir, 30 anos atrás, que Belo Horizonte só tinha três médicos que se arriscavam a fazer parto natural. Felizmente consegui isso, embora tenha sido obrigada a reduzir um pouco minhas expectativas em torno da hora do parto”, contou, arrancando risos da plateia.

Anayanse Brenes traçou ainda um panorama histórico sobre a luta pelo parto humanizado no Brasil e no mundo, concluindo que a ciência já conseguiu equacionar problemas como a disseminação de infecções, por exemplo, que não justificam mais a intervenção do Estado nessa perspectiva da reprodução humana. “Parto é doença? Se você está grávida, o seu filho vai sair, como um fruto caindo de uma árvore”, concluiu, momento em que foi bastante aplaudida pelo público.

Sofia Feldman é exemplo de sucesso

O diretor clínico do Hospital Sofia Feldman, João Batista Marinho Castro Lima, também fez uma defesa enfática do parto humanizado. Para defender essa prática, ele contou a experiência de implantação do Sofia Feldman, instituição filantrópica que atende somente pelo SUS, possui a maior UTI neonatal do País e é referência em humanização para o Ministério da Saúde.

“O hospital surgiu no final da década de 1970 já como uma reação ao modelo cheio de intervenções desnecessárias e nocivas no parto como temos hoje. Nosso modelo de assistência não é centrado na figura do médico”, alertou, criticando o índice nacional de 54% de todos os nascimentos por meio de cesarianas. Na Europa, esse índice é de 27%, sendo que na rede privada é de 80%. “Isso vai na contramão do que se está fazendo no mundo, e com certeza isso não indica uma assistência segura de saúde”, completou.

Na mesma linha, a coordenadora da Comissão Perinatal da Secretaria Municipal de Saúde, a pediatra Sônia Lansky, destacou que a humanização é o exercício do direito de ser humano. “A cidadania nada mais é do que a autonomia de fazer escolhas informadas. Vivemos uma epidemia de prematuridade. Nossas crianças estão sendo retiradas do útero antes da hora de nascer. Isso vai trazer consequências para as futuras gerações”, alertou.

A diretora jurídica e de negócios da Rede Artemis de São Paulo, Ana Lúcia Keunecke, elogiou o conteúdo do PL 4.783/13, mas disse que é preciso ir além. “Convoco esta Casa a ousar na defesa de um pacto pela humanização do nascimento. Minas Gerais tem a chance de ser a precursora de um movimento contra a violência obstétrica, que também é uma violação de direitos humanos”, avaliou. Ela citou como exemplo a prática corriqueira de episiotomias – incisão vaginal para facilitar a expulsão do bebê responsável por sequelas na mulher.

Ana Keunecke defendeu ainda a confecção do chamado plano de parto, que especifica previamente quais os procedimentos autorizados pela mulher. Também apontou a importância da presença de uma equipe multidisciplinar durante o parto, inclusive de uma doula, acompanhante treinada para aquelas mulheres que não têm a presença de um familiar neste momento importante.

Trauma - A coordenadora do Grupo Ishtar Espaço para Gestantes, Pollyana do Amaral Ferreira, chorou ao lembrar o trauma do seu primeiro parto, uma cesariana segundo ela “totalmente desnecessária”. Grávida do terceiro filho, ela resumiu o problema: “o parto atualmente é de todo mundo, menos da mulher”.

Por fim, a 1ª-secretária do Conselho Regional de Enfermagem, Ângela Vieira, afirmou que o parto humanizado é uma bandeira da entidade. “Por isso lutamos em defesa dos enfermeiros obstetras, que buscam essa especialização. Em Belo Horizonte, temos uma situação, mas quando saímos para longe, isso muda. Somos referência para tanta coisa no Brasil, como o carnaval e o futebol, e podemos ser também referência no parto humanizado”, concluiu.

Riscos não podem ser subestimados

Embora o tom dos debates tenha sido o da unanimidade quanto à importância do parto humanizado, coube a uma parcela dos convidados fazer o contraponto alertando para os riscos de não se ter as condições ideais para que ele possa acontecer.

Para o presidente do Conselho Regional de Medicina, Itagiba de Castro Filho, parto humanizado é, antes de tudo, um parto seguro. “Devem ser garantidas as condições mínimas de trabalho dos profissionais e a saúde da parturiente. O parto domiciliar, por exemplo, também está sujeito a intercorrências obstétricas”, alertou.

Já o presidente da Associação Médica de Minas Gerais, Lincoln Lopes Ferreira, lembrou que o o acesso à informação fez com que a saúde deixasse de ser responsabilidade de uma só classe profissional. “Mas a opção deve ser sempre pelo que for mais seguro para a mãe e para o bebê”, afirmou.

E a presidente da Associação dos Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais, Maria Inês de Miranda Lima, lembrou que já tramitam atualmente inúmeros processos na Justiça frutos da má assistência no parto. “Há cidades que têm o obstetra somente duas vezes por semana. Isso não é correto. Temos que trabalhar pelo parto seguro, e para isso é necessário uma equipe mínima para garantir o bom resultado. O preço pela demora na identificação do risco pode ser uma vida ou uma sequela. É lindo um parto normal, mas nem todos terminam sem a necessidade de uma intervenção. A cesariana é um avanço científico, ela salva vidas e às vezes é necessária”, destacou.

Vazios assistenciais - E Maria Albertina Santiago Rego, referência técnica do programa estadual Viva Vida, reconheceu que o grande desafio ao discutir a prioridade do parto humanizado é lidar com os pequenos municípios e os chamados vazios assistenciais, nos quais o poder público tem grandes dificuldades de manter os profissionais de saúde.

“Sabemos que os protagonistas do parto são a mãe e a criança. Trabalhamos para que esse protagonismo comece já no planejamento familiar, passando também pelo pré-natal”, disse, lembrando a atuação do programa Mães de Minas. “Temos que reconhecer que enfrentamos falhas nos três níveis: estrutura, qualificação e monitoramento. Mas isso não é uma exclusividade de Minas Gerais”, resumiu.

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