Moradores de Nova Lima denunciam despejos arbitrários
Eles alegam que a AngloGold não tem documentos que comprovem a propriedade dos terrenos.
23/04/2014 - 16:23Moradores dos bairros Bela Fama, Nova Suíça, Galo, Honório Bicalho e Nossa Senhora de Fátima, em Nova Lima, denunciaram a especulação imobiliária ilegal que estaria sendo feita pela mineradora AngloGold, que alega ser proprietária de terrenos no município. Segundo denúncias dos moradores, a empresa não teria documentação comprobatória da propriedade das terras, mas solicita sua reintegração de posse após decisão judicial favorável, usando da violência para promover os despejos das famílias, inclusive com a conivência do Poder Judiciário de Nova Lima. O assunto foi debatido em audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) nesta quarta-feira (23/4/14).
Diante das suspeitas de irregularidades, o deputado Rogério Correia (PT), que solicitou a reunião, apresentou um requerimento à Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional e Política Urbana (Sedru), para que seja feito um estudo da situação fundiária de Nova Lima, em especial sobre a propriedade das terras, considerando-se os conflitos em questão. Outro requerimento apresentado por ele foi para a realização de uma visita à prefeitura de Nova Lima, a fim de solucionar o direito à moradia dessas pessoas. Esses requerimentos devem ser votados na próxima reunião da comissão.
Despejos arbitrários - O morador de Nova Lima Jobert Fernando de Paula contou a história de Lídia Márcia de Souza, despejada em fevereiro deste ano. Segundo ele, a moradora teria recebido uma notificação do Departamento de Estradas de Rodagem (DER-MG) de que estava invadindo uma faixa de domínio de rodovia, e não da AngloGold. No entanto, no dia do despejo, um oficial de justiça teria chegado dentro de um carro da mineradora. “Isso mostra uma relação, no mínimo, promíscua entre o Judiciário de Nova Lima e a empresa”, relatou Jobert.
Ainda de acordo com ele, a casa de uma vizinha de Lídia também teria sido arrombada e seus móveis colocados na rua. Segundo Jobert, a casa da vizinha só não foi demolida porque os moradores impediram, e, na ocasião, o policial teria se negado a fazer o boletim no momento da ocorrência. “Viemos pedir para que toda ordem de despejo da comarca de Nova Lima seja suspensa porque o Poder Judiciário não tem moral para julgar essas ordens”, disse.
Jobert ainda questionou a forma como a AngloGold adquiriu os terrenos que vem ocupando e fez um apelo para que a empresa suspenda os despejos que vem realizando. Por fim, ele defendeu a legitimidade das ocupações e pediu para que a polícia mantenha um outro nível de relação com os moradores.
O morador Mário Luís Boaventura também disse que a empresa realiza os despejos de forma irregular, causando revolta nas pessoas, e que as ocupações são feitas por necessidade. Na opinião da moradora Poliana de Souza, enquanto não houver uma política habitacional que atenda a quem precisa, as ocupações vão continuar acontecendo. Ela também disse que nunca viu um despejo em que a polícia não tratasse o povo com truculência.
Para a defensora pública Ana Cláudia da Silva Alexandre, o Poder Judiciário ainda tem uma visão patrimonialista, garantindo direitos para quem já os tem, e é insensível à questão social. Na sua opinião, essa perspectiva precisa ser superada. “É preciso garantir a permanência das pessoas no lugar onde elas vivem”, comentou. Quanto à questão dos despejos, a defensora acredita que as pessoas não podem ser removidas de maneira forçada, sem que lhes seja oferecida uma alternativa. Ela também lembrou que a irregularidade de registros em cartórios é uma realidade que precisa ser enfrentada.
PM cumpre ordem - O tenente-coronel Marcos da Costa Negraes disse que cabe à Polícia Militar atuar de acordo com a ética, as leis e os direitos humanos. Alem disso, segundo ele, cabe à instituição cumprir as ordens judiciais, e não questioná-las. Ele recomendou que todo cidadão que sentir que teve seus direitos violados deve fazer uma queixa formal ao órgão competente.
Prefeitura diz que tem política habitacional
O chefe de gabinete da Secretaria Municipal de Habitação de Nova Lima, Marcos Landa, ponderou que a prefeitura tem se empenhado na construção de uma política de habitação. Ele citou a assinatura, neste ano, de um contrato com a Caixa Econômica Federal para a construção de 624 moradias populares. Outras ações são o pagamento de bolsa aluguel, destinada à população que mora em áreas de risco, e a política de regularização fundiária implementada em seis bairros da cidade.
No que se refere à AngloGold, Landa disse que duas áreas da empresa já foram desapropriadas e uma está em processo de desapropriação judicial. Quanto ao processo de reintegração de posse solicitado pela empresa, ele afirmou que, como as terras são privadas, a prefeitura não pode intervir.
Contraponto - “Parece que já está tudo resolvido pelo discurso do representante da prefeitura”, questionou o morador Carlos Alberto de Almeida. “Mas não tem nada resolvido, não. As pessoas recebem R$ 700 e pagam aluguel, enfrentam a polícia, pagam para morar embaixo da lona”, desabafou. Ele também criticou a ideia de uma negociação com a AngloGold, na medida em que, segundo ele, a empresa não possui documentos que comprovem a propriedade das terras.
Sindicalista denuncia trabalho escravo
Ao final da reunião, Jobert Fernando de Paula, que é diretor do Sindicato dos Eletricitários (Sindieletro-MG), denunciou o trabalho escravo em uma empresa prestadora de serviço da Cemig. Segundo ele, o relatório que atestou o crime, apurado pelo Ministério Público e pela Polícia Federal, foi encaminhado a vários órgãos, inclusive à ALMG, mas nenhuma providência foi tomada.
O deputado Rogério Correia esclareceu que já teve aprovado um requerimento para que o assunto fosse debatido pela Comissão de Direitos Humanos. No entanto, segundo ele, o deputado Duarte Bechir (PSD) teria sugerido que o debate fosse realizado em conjunto com a Comissão de Trabalho, da Previdência e da Ação Social, onde o requerimento aguarda para ser votado.
Requerimentos – Foram aprovados três requerimentos: do deputado Durval Ângelo (PT), para realização de audiência pública para apresentar a Rede Estadual de Enfrentamento à Violência Estatal; e do deputado Rogério Correia, para debater o tema “Movimentos Sociais e Direitos Humanos" e para realizar visita para averiguar proposta de instalação de aterro sanitário que pode representar risco de contaminação em Montes Claros.