Holocausto é lembrado em audiência sobre relação com Holanda
Relato de sobrevivente emociona participantes da reunião, na qual se divulgou exposição sobre influência holandesa.
03/04/2014 - 16:21O relato emocionado de uma das poucas sobreviventes do holocausto, Nanette Blitz Konig, marcou a audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizada nesta quinta-feira (3/4/14). A reunião teve por finalidade divulgar a exposição "Brasil e Holanda: Paz e Justiça – Refletindo sobre o passado, construindo um futuro melhor", em exibição pela primeira vez no Estado. Alunos da Escola Municipal Anne Frank, do bairro Confisco, em Belo Horizonte, que acompanharam a audiência pública, fizeram apresentação teatral sobre a vítima do nazismo que dá nome à instituição educacional.
Nanette Konig, nascida em Amsterdã (Holanda) em 1929, chegou a conviver com Anne Frank, a adolescente holandesa vítima dos maus-tratos impostos pelos nazistas que ganhou notoriedade após a publicação póstuma do diário que escreveu durante o período em que esteve escondida das tropas assassinas com sua família. Seu drama também é retratado na exposição, que está aberta à visitação pública até 31 de maio, de segunda a sexta-feira, das 8 às 21 horas, e aos sábados, de 8 às 15 horas, no hall de entrada da Escola Superior Dom Helder Câmara (Rua Álvares Maciel, 628 - bairro Santa Efigênia, na Capital). A entrada é gratuita.
Quando a Segunda Guerra Mundial eclodiu, Nanette Konig levava uma vida tranquila na capital holandesa. Sua infância foi interrompida quando as tropas alemãs invadiram aquele país, em maio de 1940. A partir de então, uma série de restrições foram sendo impostas aos judeus que viviam ali. Eles foram proibidos de usar bicicletas, carros e transporte público. Eram impedidos de frequentar cinemas, parques e clubes de esporte e tinham acesso restrito a lojas específicas durante poucas horas ao dia. Também tinham que obedecer ao toque de recolher entre as 20 horas e as 6 horas, o que, segundo a sobrevivente, facilitava à polícia nazista capturar famílias inteiras.
Foi o que ocorreu com Nanette. Em setembro de 1943, sua família foi levada para o campo de transição de Westerbok, na Holanda, de onde eram transferidos para outros lugares. Em fevereiro de 1944, foram para o campo de Bergen-Belsen, na Alemanha, onde houve a desintegração familiar. Em função das condições deploráveis em que viviam, o pai de Nanette não resistiu e morreu em novembro daquele mesmo ano.
No mês seguinte, seu irmão foi deportado para o campo de Oranienburg, naquele mesmo país, onde morreu sem deixar notícias. Apenas um dia depois da partida do filho, a mãe de Nanette foi deportada para a cidade de Magdeburg, onde foi submetida a trabalhos forçados numa mina de sal localizada a 700 metros abaixo do solo. Quatro meses depois, em abril de 1945, ela foi levada com outras 2 mil mulheres para uma viagem de trem sem destino, que durou 12 dias. Sua mãe, no entanto, morreu durante o trajeto.
Sozinha em Bergen-Belsen com apenas 16 anos, Nanette resistiu até ser libertada pelas tropas britâncias em 15 de abril de 1945. Ela foi levada para Eindhoven, no sul da Holanda, onde ficou internada durante três anos para se recuperar da tuberculose que tinha contraído. A sobrevivente do holocausto foi criada pela família da mãe na Inglaterra até se casar em 1953 e vir morar em São Paulo, onde refez sua vida.
Participantes rechaçam práticas de violência
Os participantes da audiência pública advertiram para a necessidade de se manter posturas contra a violência, o preconceito e o desrespeito aos direitos humanos, que foram práticas comuns durante a Segunda Guerra Mundial. Nanette Konig afirmou que sua história demonstra que num regime totalitário não existe possibilidade de respeito à tolerância e aos direitos humanos. “O preço de liberdade é a eterna vigilância”, preconizou.
Para o presidente da Comissão de Direitos Humanos, deputado Durval Ângelo (PT), é preciso manter um alerta constante contra a intolerância, para se construir uma sociedade de paz. Ele lembrou o ciclo de debates que esta semana lembrou os 50 anos do golpe de 1964 no Brasil, que, em proporções menores, também promoveu 21 anos de profunda violência. Neste período de repressão, segundo o parlamentar, 10 mil pessoas foram torturadas, 5 mil professores e cientistas foram afastados de seus trabalhos e foram registradas 468 mortes ainda não esclarecidas.
Ele destacou que a própria Constituição Federal preconiza o repúdio ao terrorismo e ao racismo, a prevalência dos direitos humanos e a defesa da paz como princípios fundamentais para as relações internacionais. “Precisamos lutar sempre pela paz e nos mantermos intransigentes em relação à intolerância. A pessoa tem que ser valorizada não por sua cor, credo ou opção sexual, mas pelo que é, pelo que expressa e pelo que constroi”, defendeu.
Crime contra a humanidade - Para uma plateia formada por estudantes do ensino fundamental, o presidente da Federação Israelita de Minas Gerais, Marcos Brafman, rememorou os 6 milhões de judeus mortos pelo regime nazista, dentre os quais 1,5 milhão de crianças. Segundo ele, o holocausto é considerado um crime contra a humanidade porque ao desejar eliminar os judeus, atingiu também ciganos, negros, homossexuais e pessoas com deficiência.
A presidente do Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita de Minas Gerais, Deliane Lemos, completou que a justiça social é condição necessária para uma sociedade de paz. “Anne Frank é um exemplo de coragem e resistência na luta por um futuro melhor”, comparou.
Exposição é dividida em três partes
A mostra "Brasil e Holanda: Paz e Justiça – Refletindo sobre o passado, construindo um futuro melhor" é dividida em três partes. A primeira aborda a história de Maurício de Nassau e sua influência no Brasil no século 17. Os painéis destacam os laços históricos entre Brasil e Holanda.
A segunda parte dá destaque à história de Anne Frank, usando o relato da adolescente como fio condutor. Traça-se um paralelo entre a história da família Frank e o holocausto na Europa, com fotos, trechos do diário de Anne e dados históricos. Anne foi vítima do holocausto aos 15 anos de idade, morrendo de tifo no campo de concentração alemão Bergen-Belsen. Ela ficou mundialmente conhecida após a publicação póstuma de seu diário, no qual descrevia as experiências do período em que sua família se escondeu da perseguição aos judeus.
Na terceira etapa da exposição, há fotografias que apresentam a cidade holandesa de Haia, conhecida pela atuação na defesa dos direitos humanos promovida pela Corte Internacional de Justiça, que se localiza lá.
Cônsul destaca contribuição holandesa para o Brasil
Ao avaliar o relacionamento de Minas Gerais com a Holanda, motivo da exposição, o cônsul-geral do Reino dos Países Baixos, Arjen Uijterlinde, lembrou que a cidade de Haia é a capital mundial da Justiça.
O cônsul também destacou a importância do holandês Maurício de Nassau – que foi governador do Recife em 1637 – para o desenvolvimento cultural e científico do Brasil e a triste história de Anne Frank, que deve servir como reflexão sobre o passado. “Temos que avaliar o passado para nos orientar a construirmos um futuro melhor”, explicou.
O trabalho de Nassau também foi o destaque do pronunciamento da secretária municipal de Educação de Belo Horizonte, Sueli Maria Baliza Dias. Ela relatou que em sua passagem pelo Brasil, o holandês implantou um observatório astronômico, canais, pontes e museus, entre outras obras que estimularam os setores cultural e turístico do Recife.