SUS Fácil é alvo de críticas em reunião
Falta de carreira médica e má distribuição geográfica de hospitais também estão entre problemas apontados.
03/04/2014 - 14:33A Rede de Urgência e Emergência e o SUS Fácil foram debatidos na manhã desta quinta-feira (3/4/14) em reunião da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). As dificuldades enfrentadas nas transferências de pacientes em casos de maior urgência para hospitais especializados foi o assunto central. As principais dificuldades apontadas pelos convidados foram a concentração das unidades de atendimento em algumas regiões, as distâncias geográficas entre os municípios, a falta de estrutura para a atuação dos médicos e o teto orçamentário pago pelo SUS aos hospitais.
“Talvez o número de leitos por habitante em Minas Gerais seja até suficiente, talvez esteja de acordo com o que recomenda a Organização Mundial da Saúde, mas sua distribuição é inadequada”, disse o coordenador de regulação da Secretaria de Estado de Saúde, Nicodemus de Arimatheia e Silva Jr. Ele apontou normas editadas nos últimos anos que têm tentado melhorar essa questão. Uma delas foi a que criou, na década de 1990, o cargo de gestor de saúde, que possibilitou que cada regional tivesse uma pessoa responsável pelo setor a quem os envolvidos no sistema poderiam se reportar.
Arimatheia destacou, ainda, o Plano Diretor de Regionalização, que organiza os serviços de saúde em redes tendo por base para cálculo das necessidades e prioridades o território e a população. “A construção dessa rede baseou-se em estudos complexos, que trataram até da malha viária e do fluxo de urgências”, explicou.
O promotor de Justiça Gilmar de Assis afirmou que o Ministério Público tem realizado reuniões no interior do Estado, nas regionais de saúde, para discutir as perspectivas de aprimoramento e expansão do sistema de saúde. “Precisamos qualificar os prestadores de serviço, fortalecer as unidades de saúde e ajudar as regionais a assumirem os casos de alta complexidade”, disse.
Forma de contratação dos médicos é questionada
O promotor Gilmar de Assis também disse que atualmente há uma distorção na relação contratual dos hospitais com os médicos, que são remunerados de acordo com a produtividade. “É preciso que esse pagamento seja feito por disponibilidade, como é, por exemplo, no Corpo de Bombeiros”, afirmou.
O deputado Arlen Santiago (PTB) afirmou que também o sistema de contratualização, acordo firmado entre hospitais e governo, precisa ser revisto. O acordo determina um teto orçamentário para cada unidade e, de acordo com o parlamentar, muitas vezes a demanda supera a previsão e o hospital acaba não sendo remunerado pelo serviço prestado.
A vice-presidente da Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos de Minas Gerais (Federasantas), Kátia Rocha, confirmou a informação do deputado e disse que a área da saúde chegou ao “ponto final da deterioração". “Cansei de ouvir que um hospital recebeu R$ 3 milhões ou R$ 4 milhões, e não é desse número que precisamos. Não quero saber quanto é destinado aos hospitais, quero saber quanto custa a assistência médica que queremos dar à população”, disse. Rocha afirmou que os hospitais filantrópicos estão cada vez mais endividados e com mais dificuldades para cumprir seu papel.
A pressão para que os médicos sejam contratados com vínculos empregatícios baseados nas leis trabalhistas também foi abordada pela representante da Federasantas. Ela disse que os hospitais não teriam, hoje, condições de arcar com os aumentos de custos que essa mudança representaria e salientou que a proposta precisa ser estudada diante das peculiaridades da atividade médica. “Um profissional faz plantão hoje e amanhã precisa fazer uma cirurgia. Isso significaria horas extras, mas como as unidades pagariam essa conta?”, questionou. Ela defendeu, ainda, a valorização de outros profissionais essenciais para os bons cuidados com a saúde, como os enfermeiros.
Médicos pedem carreira semelhante à do Poder Judiciário
As dificuldades vividas pelos médicos foram salientadas pela representante do Conselho Regional de Medicina, Claúdia Navarro Lemos. “Não adianta resolver toda a questão da infraestrutura e do SUS Fácil se não tivermos médicos”, disse. Ela reclamou da falta de estabilidade e de segurança para os profissionais da saúde, que, segundo ela, ficam à mercê dos gestores municipais e sujeitos, por exemplo, à instabilidade gerada pela troca de prefeitos.
A principal reivindicação da categoria é a criação de uma carreira médica similar à do Poder Judiciário, onde os aprovados em concurso público recebem uma boa remuneração para trabalhar em cidades do interior, com possibilidade de mudar de comarca ao longo da carreira e com estabilidade.
Lemos ressaltou também a falta de infraestrutura, que dificulta os tratamentos mais complexos. “Recebemos o caso de um médico que fez um parto prematuro e a maternidade não tinha estrutura para tratar do recém-nascido. O médico pegou a criança, colocou em seu carro e tentou levar para um lugar com mais estrutura, a mais de 200 quilômetros. O bebê faleceu e o médico foi processado”, contou.
A diretora da Associação Médica de Minas Gerais, Ruth Borges Dias, falou sobre as dificuldades apresentadas pelo SUS Fácil, instrumento pelo qual são avaliadas e liberadas, por exemplo, as transferências de pacientes graves. “O apelido 'SUS Difícil' é, infelizmente, uma unanimidade”, disse. De acordo com ela, a associação recebeu depoimentos de pessoas que eram orientadas a não liberar vagas para municípios menores para não correr o risco de depois não ter leitos para atender demandas da própria cidade. “O SUS Fácil é uma ótima ideia, mas tem muitas influências negativas, como o pouco comprometimento com a proposta e o desconhecimento, por parte dos gestores, da sua potencialidade”, disse.
Convidados discutem eficiência do SUS Fácil
A superintendente regional de saúde de Varginha (Sul de Minas), Marbelle de Barros Nogueira, discordou e disse que os problemas são anteriores ao SUS Fácil. “A ferramenta só abriu a janela e mostrou os vazios, mostrou o que havia de errado, as falhas de fluxo, as negativas dos médicos, tudo”, disse. De acordo com ela, a partir do que o SUS Fácil mostrou, é preciso reavaliar todo o sistema para saber as especialidades e os locais que têm maior negativa e, portanto, precisariam de mais investimento.
O deputado Carlos Mosconi (PSDB) disse que o SUS Fácil precisa de melhorias. Ele afirmou que que viu casos em que um hospital se negou a atender uma pessoa porque sua equipe só tinha autorização para atender o número de pacientes que já estavam no hospital. Nos casos de urgência, ele afirmou que um hospital de referência, mesmo sem vagas na UTI, poderia atender melhor do que um hospital pequeno, sem profissionais capacitados ou infraestrutura. “Se o paciente não for transferido, ele não terá nenhuma chance”, disse. O deputado Carlos Pimenta (PDT) também criticou o SUS Fácil e disse que a ferramenta dificulta o acesso dos usuários ao tratamento.
O deputado Doutor Wilson Batista (PSD), por sua vez, disse que muitas vezes os hospitais conseguem tratar as doenças mais graves, já sem chances de cura, mas não há médicos disponíveis para cuidar dos pacientes antes de a doença chegar a esse estágio. O parlamentar atribuiu o problema aos valores mais altos pagos por tratamentos mais graves. “Isso gera muitas distorções. Temos vagas para hemodiálise, mas não para tratar a insuficiência renal antes de ela chegar a um estágio tão grave”, disse.
Tráfico de órgãos – Durante a reunião, o deputado Carlos Mosconi elogiou a posição do Conselho Regional de Medicina (CRM), que anunciou a absolvição, por unanimidade, de seis médicos acusados de matar um pedreiro no Sul de Minas para vender seus órgãos. Os seis médicos foram condenados a penas entre oito e 11 anos pelo Tribunal de Justiça, mas o CRM avaliou que as provas apresentadas não demonstraram negligência ou falta de ética dos profissionais. “Esses médicos são profissionais competentes, homens de bem. Parabéns ao Conselho por fazer justiça”, disse o parlamentar.