Comissão busca solução para viabilizar ensino noturno
Impasse marca audiência sobre estudantes do ensino médio que não conseguem se matricular sem comprovar que trabalham.
12/03/2014 - 19:53 - Atualizado em 13/03/2014 - 11:28Pais e alunos da Escola Estadual Tito Lívio de Souza, de Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), estiveram na reunião da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta quarta-feira (12/3/14), para reclamar que os alunos do 1º ano do ensino médio noturno estavam sem aula porque não comprovaram que trabalham. Os autores do requerimento para a audiência pública, os deputados Duarte Bechir (PSD) e Bosco (PTdoB) e a deputada Maria Tereza Lara (PT), comprometeram-se a agendar uma reunião com a secretária de Estado de Educação, Ana Lúcia Gazzola, e visitar a escola em busca de solução para o problema.
A reunião, marcada por impasse entre representantes do governo e de sindicatos, teve a finalidade de discutir a situação dos alunos do ensino médio que não conseguem se matricular no turno da noite devido à ausência de comprovação de que são trabalhadores, conforme exigido pela Resolução da Secretaria de Estado de Educação (SEE) 2486, de 20 de dezembro de 2013, que dispõe sobre o programa Reinventando o Ensino Médio.
Um dos alunos que estão sem aula na escola de Betim é Cleonice Almeida, de 17 anos, sem poder estudar desde o último dia 6, segundo sua irmã, Cristiana Aparecida Soares de Almeida. “A Cleonice fica com meu filho de 5 anos para eu trabalhar fora, é trabalho informal. Para ela estudar de manhã, eu teria de parar de trabalhar. A escola mais próxima dela é a Tito Lívio de Souza, não tem vaga nas escolas próximas. Como fica essa situação?”, questionou Cristiana.
Segundo o assessor de Relações Institucionais da SEE, Felipe Estábile Moraes, a política da Secretaria é de oferecer o ensino médio durante o dia, mas a secretária Ana Lúcia Gazolla entende que o aluno trabalhador tem que ter oferta de educação no horário noturno. “A expectativa em 2014 é de que 80% dos estudantes estejam matriculados no período diurno”, afirmou Estábile. Ele ressaltou ainda que, de acordo com o Censo Escolar de 2012, 5,7% dos alunos matriculados no ensino médio no período diurno abandonam a escola, enquanto no noturno o índice de evasão chega a 19%.
“Já tivemos casos de jovens de 16 anos trabalhando com radiologia, o que é proibido. O Ministério do Trabalho vai investigar casos em que alunos estão sendo contratados ilegalmente”, disse o assessor da SEE. Para ele, a Secretaria de Educação não tem interesse de impedir o aluno de trabalhar. Ao contrário, quer oferta do ensino médio regular. “Para isso temos ampliado a carga horária na escola, com o sexto horário, o que protege o aluno”, completou.
A coordenadora especial da Política Pró-Criança e Adolescente da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese), Eliane Quaresma Caldeira de Araújo, que também preside o Conselho Estadual da Criança e do Adolescente, defendeu que as políticas públicas devem priorizar crianças e adolescentes, que precisam de proteção e acompanhamento. Eliane também defendeu o cumprimento da lei, citando Constituição Federal, Estatuto da Criança e do Adolescente e Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). “A legislação trabalhista, por exemplo, permite que jovens a partir de 16 anos trabalhem com carteira assinada, desde que não seja trabalho noturno”, observou.
Sindicato critica decisão do Estado
A diretora do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação (Sind-UTE) em Betim, Denise de Paula Romano, afirmou que há 90 alunos devidamente matriculados que não se encaixam na regra estabelecida pela Secretaria de Educação, que estão sem estudar. “Ficamos espantados quando o Governo do Estado impõe essa regra para excluir o aluno. Ele não pode estudar porque não tem vinculo de trabalho? Essa justificativa é vergonhosa”, criticou.
A sindicalista afirmou também que a evasão de 19% de alunos do turno noturno (citada pelo representante da SEE) não pode ser justificativa para fechar as turmas. “O que acontece nessa escola (Tito Lívio de Souza) é uma amostra do que acontece em todo o Estado”, disse.
O diretor da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes-MG), Francisco Faria, destacou a falta de diálogo da SEE com os movimentos sociais. "Acabar com a educação noturna é um crime”, defendeu. Faria disse ainda que quem estuda à noite também tem sonhos. ''Eu, que tenho 17 anos e estudava à noite, não posso estudar mais”, frisou.
“A exploração do trabalho adolescente é proibida. Trabalhador doméstico tem direito a carteira assinada. Vamos regularizar a ilegalidade aqui? Queremos educação em tempo integral. Temos anualmente 30 mil adolescentes regularizados no Estado, todos com carteira assinada”, comentou a coordenadora do Fórum de Erradicação e Combate ao Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente, Elvira Melo Cosendey.
Parlamentares propõem ação conjunta
O deputado Rogério Correia (PT) comentou que o ensino médio noturno beneficia especialmente alunos da periferia. O parlamentar lamentou a ausência do Ministério Público e do Ministério do Trabalho na reunião, e criticou os dados apresentados pela SEE. “Claro que a evasão diminuiu. Não houve nem matrícula!”, afirmou.
Ele propôs que o Estado faça uma discussão sobre o ensino profissionalizante noturno em conjunto com o ensino médio. “Essa discussão é que deve ser feita. Qualificar o ensino técnico é uma boa motivação para o ensino noturno”, avaliou.
Para o deputado Pompílio Canavez (PT), quando se consegue que um jovem volte para a escola é uma vitória, e é preciso criar condições para que isso seja possível. “Vejo aqui os cartazes dos alunos de Betim. Eles só querem estudar”, afirmou.
A deputada Maria Tereza Lara disse que é preciso cumprir a lei, mas isso não implica ações generalizadas. “O grande desafio é criar condições para o jovem ficar na escola", afirmou. Ela sugeriu a união de esforços dos três Poderes. “Vamos ampliar as vagas e garantir que eles fiquem na escola. Se conseguirmos isso, esta Casa estará contribuindo para resolver a situação, que é grave", completou.
Concordando com a deputada Maria Tereza Lara, o deputado Bosco lembrou que há muitos trabalhadores no mercado informal que precisam trabalhar à noite. “Mas será que é através dessa medida que vamos resolver essa ilegalidade? Acho que não. Temos que ter ação conjunta do Estado, do Ministério Público. Buscar ação propositiva e responsável para resolver esse impasse”, afirmou.
O presidente da Comissão de Educação, deputado Duarte Bechir, destacou que a situação dos alunos do ensino médio é uma preocupação da comissão. Ele pediu que fossem entregues, pelos convidados, na próxima audiência pública da comissão, sugestões e formas de encaminhamento para o problema.