Feminicídio faz cerca de 5 mil vítimas por ano no País
Ipea aponta pouca efetividade da Lei Maria da Penha, mas pesquisadora do instituto reforça importância da norma.
02/12/2013 - 19:25 - Atualizado em 02/12/2013 - 19:51Feminicídio é a forma extrema de violência contra a mulher, em circunstâncias específicas, envolvendo relação íntima de afeto ou parentesco; violência sexual, mutilação ou desfiguração, antes ou após a morte. O tema do feminicídio foi amplamente discutido, na tarde desta segunda-feira (2/12/13), no Plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), durante o Debate Público Trabalhando em Rede no Enfrentamento à Violência contra a Mulher, que começou pela manhã. O evento foi promovido pelas comissões de Segurança Pública e de Direitos Humanos, atendendo a requerimento da bancada feminina da Casa.
A pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Gabriela Drummond Marques da Silva, divulgou dados da violência contra a mulher, no Brasil e em Minas Gerais, apresentados em pesquisa recente do instituto, comparando dados do Mapa da Violência. Gabriela da Silva explica que o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, cobre 93% das mortes no País. A pesquisadora explicita ainda que não existem dados específicos sobre o número de mulheres mortas por companheiros ou cônjuges.
O levantamento do Ipea registra que, no Mapa, os feminicídios são subestimados em 23% no Brasil, e em torno dos 35% em Minas Gerais. Os dados, que consideram o período de 2009 a 2011, apontam a morte de cerca de 5 mil mulheres/ano vítimas desse tipo de violência no País. Ainda de acordo com a pesquisa, Minas fica no 12º lugar no ranking de casos de feminicídio por Estado e que 30% dos casos em território nacional ocorrem dentro de casa, sendo a maioria nos finais de semana.
Lei Maria da Penha - Outro tópico da pesquisa demonstra a evolução temporal dos feminicídios, tendo como marco a vigência da Lei Maria da Penha (Lei Federal 11.340, de 2006). O registro é de pouca efetividade da norma devido à falta de validação de medidas protetivas e à lentidão do Judiciário. A pesquisadora alertou, porém, para a importância da legislação. "Nós respeitamos a lei e queremos o seu fortalecimento, mas é preciso ter consciência de que, a despeito da norma, a violência ainda ocorre. Precisamos prestar atenção e verificar como vamos solucionar esse problema. É uma questão cultural, complexa, que envolve uma ampla gama de políticas”, ressaltou.
Os dados também traçam o perfil das vítimas, sinalizando que as mulheres de 20 a 39 anos são as mais atingidas, bem como as mulheres negras. Para Gabriela, esse dado reflete um problema social e também econômico. Ela considera a analise parcial, abrangendo somente uma parte da história. “Na Europa, estão verificando também o número de suicídios femininos, que se relacionam com os casos de agressões. Existem ainda pesquisas que incluem o núcleo familiar, que acaba desestabilizado com os crimes”, lamentou.
A secretária-adjunta da Secretaria de Políticas para Mulheres do governo federal, Rosângela Rigo, destacou a importância dos números apresentados. Disse ainda que, pela segunda vez, tentou se construir o Sistema Nacional de Dados, para estudar de que maneira esses seriam classificados e colhidos. “Esses estudos são importantes, pois ampliam reflexões, nos ajudam a avaliar possíveis alternativas e o que se pode construir coletivamente para que as respostas sejam adequadas às situações das mulheres brasileiras”, enfatizou.
Cautela - Para Wânia Pasinato, consultora em pesquisa aplicada em políticas públicas sobre a violência contra a mulher, o levantamento do Ipea precisa ser analisado com cautela e reflexão. "Há uma uma reação a esse tipo de dado sem a adequada reflexão. Recorrem-se a números de forma indiscriminada, como se pudessem dizer tudo sobre a violência. Precisamos avaliar o que é possível extrair dos números, ponderar sobre outras variáveis", alertou.
Segundo Wânia, os números do Ipea e do Mapa da Violência não refletem completamente a realidade, pois há dados conflitantes em razão da metodologia usada, com fontes e sistemas classificatórios diferentes. Ela exemplificou com a diferença entre o número de mortes apresentados pela área da saúde e pela de segurança pública, ressaltando que, nos hospitais, todos os assassinatos são sempre registrados como homicídios; já na polícia podem ser classificados, por exemplo, como latrocínios, ainda que envolvam mulheres.
A estudiosa rebateu críticas sobre a efetividade da Lei Maria da Penha, questionando falta de resposta do poder público. Para Wânia, "faltam acesso a informações, bases de dados integrados, acessíveis, confiáveis e abrangentes". Ela ainda lamentou o fato de a polícia não registrar muitos casos que cabem na Lei. "Muitas mulheres não conseguem registrar o caso, seja por medo, desconhecimento, ou ainda insegurança e desconfiança das instituições", destacou.
Por fim, Wânia fez um alerta sobre o o conceito de feminicídio que, para ela, deve abranger qualquer morte em razão de gênero, evitando-se que fique restrito à questão conjugal. Afinal, há idosas, crianças e adolecentes que também são vítimas, dentro e fora do contexto familiar.
Parlamentares se preocupam com prevenção e repressão
O presidente da Comissão de Segurança Pública da ALMG, deputado João Leite (PSDB), ressaltou o tamanho do desafio de combater a violência contra as mulheres, sobretudo a de origem doméstica, enfatizando a necessidade de prevenção e repressão.
O parlamentar elogiou a escolha do nome do debate, destacando a importância do empenho conjunto na "criação de uma rede de proteção às mulheres". Por fim, salientou que a comissão está à disposição das mulheres para o que for necessário, inclusive em relação à intervenção em órgãos responsáveis pela segurança no Estado.
As deputadas Maria Tereza Lara (PT) e Liza Prado (Pros) agradeceram às duas comissões organizadoras do evento pelo empenho em atender à bancada feminina. Maria Tereza enfatizou que a violência contra a mulher não é um debate restrito ao gênero feminino.
Liza Prado ressaltou que é dever de todos exigir, do Judiciário e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), um comportamento coerente, de absoluto respeito à Lei Maria da Penha. Ela propôs que os participantes do debate concluam o evento com uma carta, na qual apresentem propostas a serem encaminhadas ao poder público e a entidades como a OAB.