Falta consenso sobre volta da venda de bebida em estádio
Até administradores dos estádios Independência e Mineirão divergem sobre o assunto.
26/11/2013 - 20:13 - Atualizado em 27/11/2013 - 11:32Na disputa entre os defensores da volta do comércio de bebida alcoólica nos estádios e os que concordam com a atual proibição, não se chegou a um acordo sobre a melhor solução. Deputados e convidados que participaram da reunião da Comissão de Defesa do Consumidor e do Contribuinte, nesta terça-feira (26/11/13), divergiram quanto à viabilidade da mudança.
O deputado Fred Costa (PEN), que requereu a audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), declarou ser favorável ao fim da proibição da venda de bebidas. “O futebol é uma das maiores paixões do povo brasileiro e é também um gerador de emprego, renda e valor econômico”, afirmou.
Para ele, a reunião, que discute um tema polêmico, deve contribuir para a mudança das regras atuais, de modo a permitir a volta da venda da bebida alcoólica nos estádios. Nesse sentido, ele registrou que a Federação Catarinense de Futebol já está tentando um acordo com clubes daquele Estado para voltar a vendar bebida alcoólica nos estádios.
O deputado Fred Costa citou artigo da Folha de S. Paulo que coloca como as duas maiores paixões do brasileiro o futebol e a cerveja. Segundo ele, é nos estádios do País que essas duas paixões poderiam ser mais bem combinadas, e não o são devido à proibição. Na opinião dele, não há evidências da correlação entre cerveja e violência, tanto que essa última teria aumentado em 15% após a proibição.
O parlamentar considerou também “uma total incoerência” permitir a venda de cerveja na Copa do Mundo de 2014 e proibir-se nos outros eventos de futebol no Brasil. “Será que só o torcedor da Copa não briga e o torcedor do clube é um animal?”, questionou. Ele acrescentou que, mesmo em outros eventos realizados em estádios, como shows, pode-se vender bebida alcoólica.
Concordando com o colega, o deputado Leonardo Moreira (PSDB) defendeu que a discussão deveria se dar no âmbito da defesa dos direitos do consumidor, que é a alçada da comissão. “No meu entendimento, é extremamente temerário proibir a bebida alcoólica nos estádios. Não faço uso de bebida alcoólica, mas acho que quem gosta pode fazer uso, desde que com respeito e responsabilidade”, defendeu.
Professor da FGV defende liberação da bebida
Para o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Pedro Trengrouse, está colocado um falso dilema. “A discussão não é se o álcool é bom ou ruim, mas o excesso dele é que causa problemas”, defendeu. Sobre a pesquisa que mostraria a redução da violência após a proibição da bebida nos estádios, ele disse que não há relação de causa e efeito. “Há uma redução da criminalidade como um todo, e não só relacionada ao período após a proibição do álcool”.
Pedro Trengrouse acrescentou ter encontrado uma monografia da UFMG com números do Mineirão após a proibição da bebida, isolando delitos relacionados a alterações de comportamento, inclusive pelo uso do álcool. Pelo estudo, afirmou, os delitos teriam aumentado. Ele destacou pesquisa mostrando que, nos estádios onde a bebida é proibida, as pessoas bebem mais e mais rápido, e deixam para entrar no estádio em cima da hora, gerando um problema de segurança na entrada.
Ele ainda mostrou que, na Copa da Alemanha, enquanto 3 milhões de pessoas assistiram aos jogos nos estádios, outros 18 milhões assistiram nas fan fests. “Está provado que o público que vai aos estádios para jogos ou shows é o mesmo. Futebol, cerveja, entretenimento e multidão andam juntos há muito tempo. Então, a discussão sobre cerveja nos estádios está superada”, declarou.
O pesquisador lembrou ainda que 25% do consumo de cerveja no Brasil está relacionado ao futebol. E defendeu uma mudança completa no modelo de negócio do futebol brasileiro para otimizar os ganhos dessa vinculação. “Precisamos passar dos atuais 300 mil empregos diretos e indiretos gerados pelo futebol para 2 milhões”, afirmou.
Para advogado, Estatuto do Torcedor não proíbe o álcool
Na avaliação do advogado Sérgio Augusto Santos Rodrigues, o Estatuto do Torcedor não proíbe a venda de bebida. “Se fosse assim, teríamos que proibir também o energético Red Bull, que pode provocar excitação e alteração de comportamento”, destacou.
De acordo com ele, a pesquisa que é citada para referendar o argumento de redução da violência após a proibição da venda de bebida nos estádios não apresenta os critérios adequados para se afirmar isso. “Não se pode estabelecer relação de causa e efeito, ou seja, de que a proibição teria reduzido a violência”, concluiu.
Ainda para o advogado, o torcedor não pode pagar pela ineficiência do poder público, e outras medidas poderiam ser tomadas para evitar a violência. “O policial poderia abordar o bêbado e até retirá-lo do estádio se ele estivesse agindo de forma inadequada. Infelizmente, o governo prefere 'jogar para a torcida', transferindo a responsabilidade para os estádios”, analisou.
Por último, ele destacou que a Inglaterra já foi palco de graves incidentes, incluindo mortes em seus estádios, e nem por isso proibiu a bebida. Mas adotou medidas para reprimir e punir de forma adequada. “Temos que fazer o mesmo aqui. Quem causa confusão no estádio não é porque bebe; é porque é mal caráter, marca briga pela internet. Esse sim, tem que ser punido”, declarou.
Também Daniel Nepomuceno, secretário municipal de Serviços Urbanos de Belo Horizonte, disse ser contra a proibição. Segundo ele, a atual legislação colocou uma grande responsabilidade nas costas dos clubes de futebol e hoje, eles verdadeiramente zelam por seus torcedores.
E é nessa defesa que o secretário municipal propôs mais lazer e conforto para o torcedor. “Permitir a bebida até o apito inicial seria bastante razoável. Hoje, temos mecanismos para monitorar o torcedor, como câmeras, e podemos ainda prever locais específicos para beber dentro do estádio”, sugeriu. Na sua visão, a proibição como está hoje é incoerente. “Ou você proíbe a bebida num raio de 5 km ou 10 km do estádio ou acaba com essa incoerência”, afirmou.
Administradores dos estádios divergem
Sandro Afonso de Sale, gerente de segurança da Minas Arena, responsável pela administração do Mineirão, defendeu que a bebida alcoólica proporciona apenas a vantagem econômica, e não lazer e alegria. “As famílias saíram do estádio por causa da violência que havia com a venda de bebida. Hoje, temos alguns problemas com torcedores embriagados, mas a distância que eles têm que percorrer faz com que já cheguem cansados às cadeiras”, afirmou. Ele informou que a média de ocorrência de atos violentos nos jogos é de apenas 4,4.
Também o subcomandante do Batalhão de Eventos da Polícia Militar, major Maximiliano Augusto Xavier, considerou que a violência diminuiu drasticamente nos estádios após a proibição do comércio de bebidas. Para ele, não se pode estabelecer uma relação saudável entre esporte e bebida alcoólica. “O álcool é uma droga lícita tolerada pela sociedade”, disse.
Ele reconheceu que nos arredores do Mineirão e do Independência, há brigas entre facções de torcedores de um mesmo clube, grande parte deles embriagados ou sob efeito de drogas ilícitas. Mas a PM estaria agindo para inibir esses confrontos, efetuando inclusive prisões.
Direito do consumidor - Já Aloísio Anunciação Júnior, presidente da Super Eventos, que opera nos bares do Independência, afirmou ser um direito do consumidor optar se pode ou não beber no estádio. “Temos que parar com isso: tudo que não conseguimos coibir, vamos proibir?”, questionou. Discordando de Sandro de Sales, ele declarou que a frequência das famílias nos estádios não aumentou nem diminuiu com a proibição.
Ele lembrou que a cerveja é vendida a cinco metros do Independência e o estádio não tem lucro nenhum com isso. Além disso, há o problema da segurança. “Temos 140 câmeras que monitoram o movimento no estádio. Se um torcedor apronta, temos condição de localizá-lo. Já na porta do estádio, fica uma concentração gigante, com todos querendo entrar a um minuto de começar o jogo. Isso gera um problema enorme de segurança”, advertiu.
Também Hélber Gurgel, gerente operacional da BWA Administração de Arenas, que opera o Independência, defendeu a volta da venda de bebida. “Antes, tínhamos nove pontos de venda de bebida perto do estádio. Hoje, nos dias de jogos, são mais de 48”. Ele também afirmou não ver diferença entre um espectador de um jogo ou de um show, e não verificou o recuo da presença de famílias nos jogos em função da proibição ou não de bebidas. “Temos que dar ao consumidor esse direito de consumir ou não bebida alcoólica. O que ocorre hoje é que o torcedor já entra no estádio sob o efeito do álcool”, concluiu.
Alguns parlamentares são a favor da proibição
"O álcool é, sim, uma mola propulsora de problemas, por exemplo, ao volante, nas relações matrimoniais”, defendeu o deputado Cabo Júlio (PMDB). Citando o acordo firmado entre a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e a Fifa, que permite a venda de bebidas na Copa do Mundo, o parlamentar avaliou que prevaleceu o lobby da indústria de bebidas. E essa pressão também estaria por trás da defesa da venda de bebidas nos estádios brasileiros. “O álcool paga bem, patrocina equipes de futebol”, disse, lembrando que o debate na comissão deveria primar pela defesa da saúde pública e não pelo interesse econômico.
Nessa linha, o deputado Tadeu Martins Leite (PMDB) lembrou que há alguns meses os parlamentares analisaram o projeto do Executivo que permitiu a venda de bebida nos estádios mineiros durante a Copa. “Eu fiz uma emenda à época, pela proibição da venda inclusive na Copa”, registrou. Na opinião dele, dados da Polícia Militar e da Secretaria de Estado de Defesa Social mostraram que houve, sim, redução da violência nos estádios, em torno de 40%, após a proibição.
O deputado Tadeu Martins Leite lembrou ainda que o Estatuto do Torcedor, em seu artigo 13-A, proibiria a venda de bebida nos estádios. Esse dispositivo prevê que são condições de acesso e permanência do torcedor no recinto esportivo, entre outros aspectos, “não portar objetos, bebidas ou substâncias proibidas ou suscetíveis de gerar ou possibilitar atos de violência”. O deputado citou ainda o termo de ajuste de conduta (TAC) assinado em 2008 pelo Ministério Público e o Governo do Estado proibindo o álcool nos estádios.
CBF - Ao final da reunião, o deputado Fred Costa disse que vai solicitar ao presidente da ALMG, deputado Dinis Pinheiro (PP), a realização de um grande debate com todos os deputados sobre o tema. Ele propôs também uma visita à CBF para discutir mudanças na norma que proíbe a venda de bebidas nos estádios. Segundo o parlamentar, a entidade assinou um termo de compromisso com o Conselho Nacional dos Procuradores de Justiça, documento que embasa essa proibição.