Assembleia ajuda a encerrar impasse no SUS de Montes Claros
Prefeitura e hospitais teriam celebrado acordo, divulgado em audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da ALMG.
08/11/2013 - 18:12A audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), realizada na tarde desta sexta-feira (8/11/13), na Câmara de Montes Claros, Norte de Minas, terminou aparentemente com um final feliz. Convocada para debater a falta de repasse das verbas pela Prefeitura à Santa Casa de Misericórdia e aos demais hospitais do município nos últimos meses, a audiência pública foi cenário do anúncio, logo em seu início, de um acordo entre as duas partes, celebrado na noite anterior.
Apesar da boa notícia, os debates aconteceram sob clima tenso, diante de um auditório lotado, com manifestações a favor e contra a posição do Executivo municipal. Em alguns momentos, o presidente da comissão, deputado Durval Ângelo (PT), foi enfático ao alertar os presentes para que mantivessem a ordem, sob pena de solicitar a intervenção da Polícia Militar. “Não tenho vocação para animador de auditório. Todos os presentes têm direito a ter a sua opinião ouvida”, afirmou. Após a chegada de policiais militares, a reunião retomou a normalidade. O debate atendeu a requerimento de Durval Ângelo e de seu colega de partido, Paulo Guedes.
Durval lembrou a importância da Assembleia, e em especial da Comissão de Direitos Humanos, na mediação de conflitos. “O Poder Legislativo é um poder desarmado, mas temos autoridade para ajudar na busca por uma solução. A palavra diálogo foi repetida aqui várias vezes e espero que ela realmente prevaleça. Mas não há soluções fáceis, pois o cobertor é curto na saúde pública. As soluções estão anunciadas, como o dinheiro do Pré-Sal, mas elas são a médio e longo prazo. É preciso entender que, pela lógica do Sistema Único de Saúde (SUS), todas as instâncias são parceiras e têm que trabalhar unidas”, receitou Durval Ângelo. O parlamentar lembrou ainda o pioneirismo de Montes Claros na implantação do SUS, tendo contribuído com vários pensadores na montagem do sistema em todo o Brasil.
O anúncio do acordo foi feito pelo prefeito de Montes Claros, Ruy Muniz, que prometeu retomar os repasses imediatamente. Mas ele foi contestado logo depois pelo provedor da Santa Casa, Heli de Oliveira Penido. Em seu pronunciamento, o prefeito chegou a exibir para os presentes o suposto contrato assinado pelas duas partes, mas o provedor disse que o documento representava apenas uma ata da reunião de negociação. “Contrato em nome da Santa Casa, pelo que sei, quem assina sou eu”, ressaltou.
Na sequência, coube ao deputado Luiz Tadeu Leite (PMDB) trazer luz à questão, informando que os representantes dos hospitais e a Prefeitura assinaram na verdade um protocolo de intenções, a minuta de um contrato que deve ser ratificado em nova reunião na próxima semana. O parlamentar apelou por um entendimento de longo prazo. “Já me perguntaram de que lado dessa discussão eu estou, mas essa questão não tem lados. Um atendimento de saúde de qualidade é direito de toda a população”, afirmou.
“Não tem ninguém errado. Os hospitais precisam do dinheiro para prestar um bom serviço, e o prefeito, como gestor do município, tem competência para fiscalizar se isso está acontecendo de fato. Os municípios têm que destinar 15% para a saúde, mas desconheço uma prefeitura que gaste menos que 20% com a área. Elas estão sobrecarregadas e, em vez de nos dividirmos, a hora é de unir esforços para aumentar os recursos federais na saúde”, opinou.
Já o vice-presidente da Comissão de Saúde da Assembleia, Carlos Pimenta (PDT), lembrou que, apesar de as negociações terem evoluído, caso o impasse persista, deliberação do Ministério da Saúde prevê que os recursos sejam repassados diretamente aos hospitais. “Não adianta taparmos o sol com a peneira. O dinheiro é do SUS não é da Prefeitura. A Santa Casa de Montes Claros presta mais serviços ao SUS que a Santa Casa de Belo Horizonte. Se o serviço foi prestado, o pagamento tem que ser feito. A população precisa de todos os hospitais funcionando da melhor maneira possível. Não precisamos de vaidade, precisamos é de diálogo”, defendeu.
Impasse - As críticas mais enfáticas à posição da Prefeitura foram feitas, ainda no início da reunião, por Paulo Guedes. “Foram dez meses de intensas negociações sem resolver o problema. A Prefeitura recebe recursos e não repassa para os hospitais. Todos que estão aqui hoje têm acompanhado o verdadeiro caos que se instalou na saúde pública em Montes Claros, com consequências para todo o Norte de Minas. São 93 cidades que dependem do bom funcionamento dos hospitais de Montes Claros. Fui quatro vezes esta semana na Santa Casa e as dificuldades que o hospital enfrenta é de cortar o coração”, lamentou.
“A Prefeitura retém os recursos dos hospitais, mas não está cumprindo nem o mínimo que deveria com relação à saúde. Os postos de saúde também estão um caos. O do Bairro Renascença funciona precariamente em uma escola. Não querem nem mais alugar imóveis para a Prefeitura. Tem tanta coisa para o Executivo municipal se preocupar e ele só pensa em se envolver nessa guerra de picuinhas. Saúde pública não tem partido”, reforçou Paulo Guedes.
Prefeito diz que críticas são rescaldo das eleições
Alvo de muitas críticas durante a audiência pública, o prefeito Ruy Muniz avaliou que a polêmica é ainda um desdobramento das eleições. “A população de Montes Claros já teve a chance de escolher quem queria para prefeito. As eleições já acabaram. Montes Claros agora tem prefeito para resolver todos os problemas, inclusive da saúde. Temos um dos maiores orçamentos do SUS no Estado. São R$ 250 milhões neste ano, e R$ 315 milhões em 2014, mas o SUS em Montes Claros, como no resto do país, funciona bem somente na urgência e emergência ou nas doenças graves”, apontou.
“Fechamos ontem (quinta) o acordo com os hospitais. Todos aderiram e agora vamos ter governabilidade novamente. Mas volto a avisar que, se não cumprirem o que está escrito, vou suspender a verba de novo. Sei que o dinheiro faz falta, claro, mas já repassei R$ 117 milhões aos hospitais nos últimos dez meses. Só para a Santa Casa foram R$ 48 milhões. Nós queremos a paz, o entendimento, e sabemos a importância da interlocução”, disse.
O provedor da Santa Casa, Heli Penido, pediu mais respeito à instituição que comanda. “A Santa Casa é uma das 30 maiores do país, uma referência no eixo Belo Horizonte/Salvador, e é mantida, todos os dias, por uma legião de heróis, conhecidos e anônimos. Por isso, precisa ter sua importância reconhecida”, destacou. Segundo ele, a instituição realiza mais de 400 atendimentos por dia. São 360 leitos, sendo 280 pelo SUS. No mês passado, segundo o provedor, a Santa Casa realizou mais de 40 mil atendimentos ambulatoriais de média complexidade e mais de seis mil de alta complexidade.
“A Santa Casa tem 1.600 funcionários, sendo 400 médicos, e um orçamento para 2013 de R$ 115 milhões. Se fosse uma empresa, seria a quinta ou sexta maior de Montes Claros. No entanto, não tem 1% sequer de sobra de caixa. Pelo contrário, nossos registros apontam um débito por parte da Prefeitura de R$ 16 milhões. Precisamos desse dinheiro. Não temos nada a esconder e precisamos fazer um encontro de contas”, afirmou. A legalidade da dívida foi contestada pelo prefeito de Montes Claros.
Legislativo municipal - O presidente da Câmara de Montes Claros, Antônio Silveira de Sá, pediu mais respeito também ao Legislativo municipal. “A Câmara foi feita de boba. O prefeito nos pediu autorização para fazer os repasses, nós aprovamos e o dinheiro ficou retido. Por isso pedimos socorro à Assembleia Legislativa. Se o acordo foi feito, que bom, mas fica a preocupação pelo que ainda está por vir. Assistimos ao estrangulamento dos serviços de saúde dos hospitais nos últimos meses, tudo por ordem da Secretaria Municipal de Saúde, mas na rede básica, que também tem muitos problemas, isso não aconteceu”, criticou.
Por fim, a secretária interina de Saúde, Ana Paula Oliveira Nascimento, defendeu o trabalho realizado pela Prefeitura na gestão do SUS no município. “Não brincamos de trabalhar. Temos investimentos sérios na melhoria da atenção básica, pois somente assim vamos conseguir desafogar os hospitais. Só podemos celebrar este acordo. Temos feito nossa parte, recuperando tudo o que estava abandonado na gestão anterior”, afirmou.