Jornalista relata em livro o horror de hospício em Barbacena
Holocausto Brasileiro foi lançado durante audiência pública da Comissão de Direitos Humanos.
05/11/2013 - 08:39A barbárie praticada durante as décadas de 1960 e 70 no maior hospício do Brasil, conhecido como Colônia, em Barbacena (Região Central do Estado), foi o tema da audiência pública que a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizou na noite desta segunda-feira (4/11/13) no auditório do Instituto Santo Tomás de Aquino, em Belo Horizonte. Durante a reunião, requerida pelo deputado Durval Ângelo (PT), foi lançado o livro Holocausto Brasileiro – Genocídio: 60 mil mortos no maior hospício do Brasil (Editora Geração), da jornalista Daniela Fernandes José Arbex.
A jornalista explicou que o livro é baseado na série de reportagens que ela produziu em 2011 para o jornal Tribuna de Minas, de Juiz de Fora (Zona da Mata). As matérias mostram as condições em que viveram – e morreram – milhares de brasileiros internados na Colônia, um hospício construído para abrigar 300 pessoas, mas que chegou a ter, em 1960, cerca de 5 mil pacientes.
O título “Holocausto”, que remete aos campos de concentração nazistas da II Guerra Mundial, não é um exagero. Segundo a jornalista, assim como os judeus na Alemanha, os pacientes eram levados à Colônia em trens de carga. Cerca de 70% deles chegavam sem qualquer transtorno mental. Eram, conforme definiu, “pessoas indesejáveis” à moralista sociedade da época: alcoólatras, homossexuais, prostitutas, meninas grávidas pelos patrões e mulheres que perderam a virgindade antes do casamento, entre outros. “Não havia qualquer critério médico para as internações”, afirmou a autora, que teve seu primeiro contato com o hospício em 2009.
Ela coletou depoimentos de funcionários e pacientes que passaram pela Colônia nos anos 1960 e analisou documentos que mostram, por exemplo, que a suposta “loucura” era também um negócio lucrativo. Entre 1969 e 1980, os dirigentes do hospício venderam 1.853 corpos para 17 faculdades de medicina do Brasil, inclusive a UFMG. Em valores atualizados, esse comércio macabro rendeu R$ 500 mil.
Daniela Arbex ressaltou ainda que, como efeito das reportagens publicadas no Tribuna de Minas, o Governo de Minas reconheceu oficialmente a culpa pelas mortes em massa na Colônia. Com isso, dezenas de famílias puderam conhecer os destinos de parentes internados. Muitas hoje buscam, inclusive, reparação judicial. Por esse trabalho, a jornalista recebeu o Prêmio Esso em 2012.
Para o deputado Durval Ângelo, o livro resgata um momento muito importante da história do Brasil e questiona de que lado estava a insanidade. “Pela primeira vez se deu voz às vítimas dessa tragédia, que escondia o negócio da venda de cadáveres e ossos. E não pensem que a 'indústria da loucura' está extinta no País”, alertou o parlamentar.
“Tenho 27 anos de luta antimanicomial, mas ainda assim me emociono sempre que converso sobre o que ocorreu em Barbacena”, disse a psicóloga Marta Elizabete de Souza. Já a coordenadora de Projetos da Arquidiocese de Belo Horizonte e presidente do Conselho Estadual dos Direitos Humanos de Minas Gerais, Cirlene Lima Ferreira, lembrou que muitas famílias brasileiras não estão preparadas para lidar com doentes mentais e acabam submetendo essas pessoas a condições tão degradantes quanto às encontradas na Colônia.