Moradores e lideranças comunitárias lotaram o Auditório da ALMG durante a audiência pública
Para Ronald de Oliveira, o projeto alternativo seria mais eficiente
Cleide Nepomuceno reafirmou que o direito à moradia é sagrado
Marlene Silva, da Vila Itaú, afirmou que a comunidade toda está insegura
Deputados deram encaminhamentos após a reunião

Moradores da Cidade Industrial resistem à desapropriação

Lideranças comunitárias acusam poder público de estar a serviço da especulação imobiliária.

25/10/2013 - 18:02

Em audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), na tarde desta sexta-feira (25/10/13), moradores das Vilas Itaú, Esporte Clube, PTO e Samag, localizadas na Cidade Industrial, entre os municípios de Contagem (Região Metropolitana de Belo Horizonte) e a Capital, reafirmaram a sua decisão de não saírem de suas moradias. Eles resistem a processo de desapropriação em curso, motivado pela implantação do Programa de Requalificação Urbana e Ambiental e de Controle de Cheias do Córrego Ferrugem.

Lideranças comunitárias e apoiadores presentes à reunião acusam o poder público estadual e os dois municípios da Região Metropolitana de estarem a serviço de grandes construtoras e da especulação imobiliária. Nos últimos anos, a região foi muito valorizada devido à instalação de grandes empreendimentos no local, como shopping, grandes lojas e hipermercado.

Ao abrir a reunião, o presidente da comissão, deputado Durval Ângelo (PT), explicou que milhares de famílias de trabalhadores habitam a região desde 1941, “levados para lá como mão de obra barata para a instalação da Cidade Industrial”. “Na época, os trabalhadores serviram para morar na região e agora não servem mais, por quê?”, indagou. Ele questionou também as razões que levam o poder público a defender a remoção dos moradores, “a pretexto de fazer obras de contenção de enchentes”, mas, por outro lado, manter no local importantes empresas, como a Magnesita. “Não somos contra obras de contenção de enchentes, mas entendemos que a vida das pessoas não pode ser mudada de uma hora para outra, com total desrespeito. O direito à vida e à moradia não é maior do que o capital e a especulação imobiliária?”, indagou.

Moradores apresentam projeto alternativo

Como alternativa à desapropriação, levada a efeito pelo Departamento de Obras Públicas de Minas Gerais (Deop-MG), os moradores defendem uma proposta de adequação contida em documento entregue ao órgão, na última segunda-feira (21), com o apoio da Defensoria Pública e de entidades da sociedade civil, como o Movimento Ação Comunitária e o Comitê de Solidariedade aos Moradores da Bacia do Ferrugem.

Segundo Ronald de Oliveira Rocha, assessor do Movimento de Ação Comunitária, além de não gerar grandes impactos sociais, o projeto alternativo seria muito mais eficiente do ponto de vista técnico e econômico. Ao contrário da proposta defendida pelo Deop, que prevê a construção de 816 apartamentos para abrigar moradores que seriam retirados de suas moradias, o projeto dos moradores propõe a construção de pouco mais de 300 casas geminadas, com impacto social e econômico muito menor.

Ao defender o projeto alternativo, que conta com cálculos hidrológicos detalhados visando à contenção de cheias do córrego Ferrugem, Ronald criticou a proposta do Deop, que considerou “um escândalo e um insulto aos moradores”, entre outras razões, por referir-se à ocupação da área como “presença clandestina”. “Como clandestina se as famílias que lá estão foram levadas para o local pelo próprio Estado, na década de 1940, quando da implantação da Cidade Industrial?", indaga o assessor comunitário, acrescentando que a região se constitui em patrimônio histórico, social e cultural.

Representante da Vila Esporte Clube, Elisabeth Cristina de Souza Silva, manifestou indignação pela forma como os moradores estão sendo tratados e garante que as enchentes não ameaçam a maior parte das casas no local. Ela criticou o Deop por dar tratamento diferenciado a moradores e empresas da região, como a Magnesita, e acusou o poder público de “falta de clareza”. “Eles dizem que querem fazer o Memorial de Contagem; como fazer o memorial de Contagem se querem nos tirar, nós que somos a memória viva da cidade?”, questionou.

Caroline Sales Furtuoso, líder da Comissão de Moradores da Vila PTO, acusou o Estado de querer fazer no local uma “faxina social” em favor de grandes empreendimentos imobiliários. “O Deop quer passar com o trator por cima de nossas casas, nossos sonhos e nossos projetos, mas vamos resistir”, afirmou.

A defensora pública Cleide Aparecida Nepomuceno reafirmou que o direito à moradia é sagrado e disse que o Estado está fazendo a intervenção urbana sem antes proceder à regularização da posse, lembrando que algumas famílias moram no local há 60 anos. Ela defendeu a proposta de adequação apresentada pelos moradores, que se harmoniza com os princípios dos direitos humanos, evitando remoções e outros impactos sociais, e fez um apelo no sentido de que o Estado reveja o processo de desapropriação em curso e aceite o projeto alternativo.

O representante da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), Pablo Gontijo Resende, diretor de Projetos da Urbel, a empresa de urbanismo da Capital, disse que a prefeitura só responde por uma pequena parte da Vila Esporte Clube. Por isso, lamentou a ausência de representantes do Deop na reunião.

O deputado Rogério Correia (PT) também lamentou a ausência de representantes do Deop e manifestou solidariedade à luta dos moradores das vilas, afirmando que o problema de moradia vem se agravando em Belo Horizonte e na Região Metropolitana. Segundo ele, o Governo do Estado não se empenha em implantar uma política de habitação digna, capaz de atender ao interesse da população.

Debates - Durante a fase de debates, os moradores reclamaram da grande quantidade de entulho e esgoto espalhada pelas ruas das comunidades, em função de obras realizadas pelo Deop no local. Segundo alguns moradores, essa situação pode resultar no aumento dos casos de dengue na região. Eles reclamaram ainda da desativação da Escola Estadual Cecília Meireles, o que teria contribuído para aumentar o número de crianças nas ruas.

Marlene Silva Araújo, da Vila Itaú, afirmou que “a comunidade toda está muito insegura” e pediu que os participantes da reunião repassem as informações para os que não puderam comparecer, com o objetivo de tranquilizá-los e manter a unidade do movimento.

O presidente da Associação das Vilas de Contagem, Augusto Alves Gomes, ressaltou que os moradores não podem desistir de lutar pelo direito à moradia. Ele lembrou que na década de 1980 a população das comunidades enfrentou o mesmo problema, conseguindo vencer através da união e da solidariedade. E lamentou a forma como os moradores das vilas estão sendo tratados pelo Deop. “Será que não somos gente, só porque moramos em uma vila? Nós merecemos respeito, afinal, fomos nós que construímos a Cidade Industrial”, declarou.

Representantes do Comitê de Solidariedade aos Moradores do Córrego Ferrugem também se manifestaram durante os debates. Carlos Magno Machado, membro do grupo, agradeceu o apoio da Assembleia Legislativa e lastimou a maneira desumana e antissocial como são tratados os moradores das comunidades. “Não podemos sair das vilas e aceitar as pressões. Em caso de dúvidas, procurem seus representantes”, orientou, acrescentando que a remoção de famílias para a construção de obras públicas só pode ser realizada quando comprovada extrema necessidade.

Encaminhamentos - No encerramento, o deputado Durval Ângelo destacou que o projeto do Deop possui falhas e contradições e salientou que os moradores devem permanecer unidos e buscar solucionar os problemas coletivamente.

O parlamentar listou uma série de encaminhamentos que pretende levar adiante por meio da Comissão de Direitos Humanos, como o envio das notas taquigráficas da reunião para todas as entidades representativas das comunidades afetadas e para diversos órgãos públicos, bem como pedidos de providências a serem enviados a órgãos públicos municipais, estaduais e federais. Entre eles, destaca o pedido, ao Ministério Público do Estado, de ajuizamento de ação por ilegalidade e violação de direitos dos moradores, e à Secretaria de Estado de Transportes e Obras Públicas, no sentido de que apure irregularidades e denúncia de coação por parte do Deop.

Consulte resultado da reunião.