Representantes de diversos segmentos, órgãos e entidades que integram a cadeia produtiva da agricultura familiar trocaram experiências na audiência
De acordo com José Antônio Silveira, o desperdício médio de produtos alimentícios supera os 30%
Para Adílson Rodrigues, é preciso refletir sobre o tipo de alimentação e abastecimento que se quer
Deputados concordaram com as colocações e relataram projetos em tramitação que se relacionam com o tema

Desperdício de alimentos é ressaltado em audiência

Participantes apontam problemas e apresentam propostas para construir política estadual de abastecimento alimentar.

16/10/2013 - 22:58

Diminuir a distância entre produtores e consumidores; reduzir o desperdício da produção (hoje em torno de 30% dos alimentos); fomentar o desenvolvimento da agricultura familiar; incentivar programas de associativismo e cooperativismo; divulgar e facilitar linhas de crédito a pequenos produtores; incluir a educação nutricional na grade curricular; fomentar a criação e manutenção de escolas rurais; revitalizar as Centrais de Abastecimento (Ceasas). Essas foram algumas das proposições elencadas na audiência pública que a Comissão de Política Agropecuária e Agroindustrial da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizou nesta quarta-feira (16/10/13).

A atividade, que atendeu a requerimento do deputado Antônio Carlos Arantes (PSDB), é também um dos desdobramentos do Seminário Legislativo Pobreza e Desigualdade, que a ALMG realizou em 2011. Segundo o parlamentar, com as discussões, que envolveram todos os setores da cadeia produtiva, além de diferentes órgãos e esferas de governo, a pretensão é de se obter dados para a construção de uma política estadual que seja capaz de garantir a segurança alimentar como prioridade, combatendo a desinformação e o excesso de burocracia. “Muitas vezes, o que falta não é o alimento, mas um planejamento e uma logística adequados, que permitam que o produto chegue às mesas. Hoje, o desperdício é a maior preocupação, e temos que unir forças e trabalhar muito para avançar”, alertou o deputado.

Lembrando que esse debate ocorre em data bastante significativa (16 de outubro é o Dia Mundial da Alimentação), o subsecretário de Estado de Agricultura Familiar, Edmar Guariento Gadelha,  enfatizou que, também nesta data, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) celebra o dia em Roma, lançando a campanha "Pessoas saudáveis dependem de sistemas alimentares saudáveis", cujo tema é sistemas alimentares saudáveis para segurança alimentar e nutrição. A data e a campanha ainda foram lembradas por outros participantes, entre os quais o consultor da própria FAO, Altivo Roberto Andrade de Almeida Cunha.

Prioridades - O representante das Nações Unidas também citou algumas prioridades da FAO para a América Latina: segurança alimentar (equacionar a fome e a desnutrição); agricultura familiar (intensificar a produção, desenvolver e favorecer acesso a mercados); sanidade e inocuidade agroalimentar (higiene, armazenamento e saúde de rebanhos); e medidas para minimizar impactos das mudanças climáticas.

Altivo Roberto ainda destacou a importância de se valorizar circuitos locais de produção e abastecimento que, explicou, são as chamadas cadeias curtas (diminuem a distância entre o produtor e o consumidor). Para ele, é essencial agregar valor à origem dos alimentos, transformar os conhecimentos que as pessoas têm sobre a qualidade da produção local em um valor virtuoso, e também criar um sistema de incentivo. Ele ressaltou a necessidade de haver oportunidades para a venda direta dos produtores (em feiras e mercados), relembrando que longas distâncias transportando perecíveis contribuem para o desperdício.

Combate ao desperdício é destaque

Os prejuízos decorrentes do desperdício estiveram presentes em diversas ponderações. E uma das principais causas é exatamente a dificuldade logística de transporte, armazenamento e comercialização dos produtos dos pequenos agricultores. Somam-se a isso entraves burocráticos para conseguir financiamento, além de problemas afetos a outras políticas públicas, como saúde e educação, que indiretamente atingem a produção dos agricultores familiares.

De acordo com José Antônio Dias Silveira, presidente da Cooperativa dos Produtores de Hortifrutigranjeiros do Estado de Minas Gerais (Copemg), o desperdício médio de produtos alimentícios supera os 30%. “Se o que é desperdiçado chegasse à população, não haveria fome no mundo. Mas falta estrutura para que o pequeno agricultor possa levar seus produtos aos que precisam. E o governo precisa ajudar, dar incentivos, fomentar o desenvolvimento ao cooperativismo e ao associativismo”, enfatizou.

José Bismark Campos, chefe do Departamento de Tecnologia da Ceasa-MG, ressaltou dados recentes da central, que demonstram algumas causas de desperdício, como o tempo médio de deslocamento (quatro horas em caminhões abertos e sem refrigeração). “Quase metade dos veículos são alugados, ou seja, podem já ter transportado outros produtos incompatíveis com alimentos, mas os pequenos produtores não têm recursos, não têm acesso a informação”, lamentou.

Entre os dados citados por Bismark, está a necessidade de aprimoramento dos agricultores e de seus familiares. Cerca de 60% possuem apenas ensino fundamental, e há alta evasão escolar de filhos de agricultores em períodos de colheita. Ele ressaltou ainda que 76% dos agricultores familiares enfatizaram insatisfação com os serviços de saúde no meio rural e a falta de distribuição de medicamentos.

Outros convidados que também destacaram a necessidade de se combater o desperdício, fomentando a agricultura familiar e aproximando produtores e consumidores, foram a coordenadora da assessoria técnica da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado (Faemg), Aline de Freitas Veloso; a gerente de coordenação de Programas de Assistência Alimentar da Secretaria Municipal de Políticas Sociais, Maria Ângela Girioli; a assessora da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado (Fetaemg), Adriana Santos Nascimento; e o secretário-executivo do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), Waldeci Campos de Souza. O representante do Consea ainda lembrou que é essencial valorizar os povos tradicionais, a produção orgânica e agroecológica, assim como fomentar a economia solidária.

Comercialização e agrotóxicos

Para o superintendente da Associação Mineira de Supermercados (Amis), Adílson Rodrigues, é preciso refletir sobre o tipo de alimentação e abastecimento que se quer. Ele enfatizou a questão da qualidade, sobretudo em relação a abusos de agrotóxicos, falou ainda da importância de o poder público voltar os olhos para a questão da comercialização. “Hoje, quando se pensa em economia criativa, o Brasil não é competitivo, falta muito. O País está manco. Na agricultura, apenas a perna da produção anda, mas não há preocupação ou apoio ao marketing e à comercialização - esta é uma perna atrofiada”, concluiu.

Sobre a questão dos agrotóxicos e da agricultura sustentável, a diretora do Conselho Regional de Nutricionistas, Elizabeth Chiari Rios Neto, disse temer o uso abusivo de agrotóxicos e se preocupar com a qualidade dos produtos ofertados e com a ausência de alimentos confiáveis de fato nas gôndolas dos supermercados.

“Não basta pensarmos em dar alimento para quem passa fome, tem de haver um comportamento sustentável em toda a cadeia produtiva”, destacou Maria Ângela Girioli, da Secretaria Municipal de Políticas Sociais. Ela ainda sugeriu que a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da ALMG também seja convidada a participar desta discussão.

Ladislau Jerônimo de Melo, presidente da Associação dos Produtores de Hortifrutigranjeiros das Ceasas de Minas Gerais, aproveitou para lembrar que os produtos da agricultura familiar passam de pai para filho, portanto são “produtos com garantia de 100% de ausência de agrotóxicos, pois mães não vão deixar filhos no meio de veneno”.

Lucas Scarascia, superintendente da Secretaria de Estado de Agricultura, fez um balanço de tudo o que considera necessário nesse caminho em busca de uma política estadual de segurança alimentar. Ele lembrou que o tema é intersetorial, sendo portanto essencial alinhar projetos, programas e ações de diferentes órgãos e esferas de governo. Mas, para tanto, é fundamental haver aparelhamento e estruturação do Estado, na sua avaliação.

Deputados abordam projetos

Os parlamentares concordaram com as declarações dos convidados. O deputado Fabiano Tolentino (PPS) lembrou o Projeto de Lei (PL) 1.719/11, de sua autoria, que propõe a inclusão, na grade curricular das escolas rurais, de conteúdo relativo a noções sobre agronegócio.

Outro que, após ressaltar a complexidade do tema e as variáveis que envolvem a questão, lembrou projeto de sua autoria que tramita na Casa foi o deputado Adelmo Carneiro Leão (PT). O parlamentar citou o PL 2.547/11, que incentiva a agroecologia e a cultura orgânica na agricultura familiar no Estado. Ele ainda chamou atenção para os perigos dos transgênicos e também destacou a importância da reforma agrária. O deputado concluiu lamentando o fato de “as políticas públicas estarem muito aquém do que é necessário”.

O deputado Rogério Correia (PT) recordou que também tem em tramitação proposições que abordam questões afetas ao tema da audiência, como o PL 177/11, que institui a Política Estadual de Desenvolvimento do Brasil Rural; o PL 643/07, que determina a realização do zoneamento agroecológico no Estado e condiciona as determinações e compensações desse ecozoneamento; e o PL 2.118/05, que dispõe sobre a regularização fundiária de áreas ocupadas por remanescentes de comunidades quilombolas.

Também foi lembrado o projeto de autoria do presidente da comissão, deputado Antônio Carlos Arantes: o PL 2.352/11, que institui a Política Estadual de Aquisição Direta da Agricultura Familiar. Ele aproveitou para questionar a falta de continuidade de muitas das políticas públicas voltadas para o setor rural, como o Programa de Aquisição de Alimentos, que em 2013 não teria recebido repasses da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). A mesma descontinuidade foi criticada  na condução da reforma agrária. “Sempre defendi a reforma agrária, mas com princípio, meio e fim. Sem água, estrutura, energia, saúde, habitação, ninguém vai ficar em assentamento”, afirmou.

Consulte o resultado da reunião.