Falta de agentes agrava situação de menores internados
Visita a dois centros de internação provisória subsidiará audiência pública, no Auditório, nesta quarta (2).
01/10/2013 - 19:05A Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) visitou, nesta terça-feira (1º/10/13), os Centros de Internação Provisória (Ceips) Dom Bosco e São Benedito, ambos no bairro Santa Tereza, em Belo Horizonte, para apurar denúncias de irregularidades nas instituições voltadas para adolescentes que cometeram atos infracionais. Segundo informações do Ministério Público e da Vara da Infância e da Juventude, os centros estariam superlotados e com infraestrutura defasada, sendo cenário de frequentes violações de direitos humanos.
“Ainda não é o ideal. Há um certo sucateamento do sistema, mas todo mês fiscalizamos", afirmou a juíza Valéria da Silva Rodrigues, titular da Vara Infracional da Infância e Juventude de Belo Horizonte. Ela descreveu o quadro atual que deve ser enfrentado. “Um grande problema é a falta de funcionários. Por conta disso, os menores ficam o dia inteiro nos alojamentos. Não saem nem para almoçar, o que não é correto. Eles também reclamam de falta de comida e de higiene”, disse a juíza.
Valéria Rodrigues acrescentou que os juízes do interior reclamam de falta de vagas. “O Estado precisa ver que a realidade mudou, é preciso tomar medidas socioeducativas. O Ceip é a porta de entrada do nosso sistema. E isso tem que ser feito com educação, não com repressão. Quem sofre com tudo isso é o adolescente, que pensa assim: 'Como vamos mudar se somos tratados dessa forma?'”
Como os Ceips têm caráter provisório, a rotatividade é alta. No São Benedito, por exemplo, passam por mês 140 adolescentes, dos quais 80% estão fora da escola. A evasão escolar, que, em média, varia de quatro a seis meses, é um dos fatos que levam o adolescente a cometer infração. Para o deputado Durval Ângelo (PT), a relação direta entre evasão escolar e infração dos menores é muito preocupante. “Eles entraram no crime depois que saíram da escola”, advertiu.
A visita aos dois centros de internação provisória para menores infratores em Belo Horizonte servirá de subsídio para a audiência pública da comissão marcada para esta quarta-feira (2), às 9 horas, no Auditório. Os dois eventos foram tema de requerimentos do deputado Durval Ângelo, presidente da comissão.
Para promotor, desafio é construir projeto sociopedagógico
Segundo o promotor da Infância e da Juventude de Belo Horizonte, Márcio Rogério de Oliveira, o grande desafio do poder público é instituir um projeto político-pedagógico que resulte em uma internação sociopedagógica de qualidade, em um contexto em que a reintegração familiar também é levada em conta. “Mas não existe fórmula quanto a isso; é uma construção que está sendo feita”.
Para Oliveira, é preciso considerar que os aspectos sociopedagógicos são aplicados em menores que ficam até 45 dias na instituição. O promotor também destacou que é feito um monitoramento diário para acompanhar a situação dos centros provisórios. “É preciso reconhecer que o Estado tem feito esforço para diminuir os problemas. Hoje ainda está longe do ideal, mas é um avanço em relação ao passado. Até dois anos atrás a situação era caótica, eram comuns a rebelião e o motim”, avaliou o promotor.
O presidente do Sindicato dos Servidores Públicos do Sistema Socioeducativo do Estado de Minas Gerais, Keifferson Pedrosa, apontou como principal problema a omissão do Estado, que leva à superlotação e ao desrespeito, tanto ao servidor quanto aos adolescentes. Ele reivindicou melhores condições de trabalho, considerando que existe um vínculo estreito entre o agente e o menor infrator, e que é preciso investir simultaneamente nos dois. “Somos o termômetro do sistema prisional”, disse Pedrosa, querendo dizer que o que se passa com eles se reflete em todo o sistema..
Deputado cobra mais vagas para agentes efetivos
O deputado Durval Ângelo afirmou que a falta de vagas já afeta o Vale do Aço, o Jequitinhonha e o Sul de Minas. Ele também ressaltou que as condições de trabalho dos agentes são precárias, e o Estado tem que ter equipe preparada e concursada. “O Conselho Nacional de Justiça tem pedido providências para a solução de problemas relacionados com adolescentes em conflito com a lei”, informou.
Na visita ao Ceip São Benedito, o parlamentar conversou com alguns familiares, que não confirmaram maus tratos com os menores internados. Contudo, ele constatou que a portaria do Ceip é de difícil acesso, pois fica em um beco muito estreito. No Ceip Dom Bosco, ele se mostrou preocupado com os relatos de falta de tempo de lazer e pediu garantia de vaga para os sentenciados. “O Estado precisa ter um cuidado maior com essa questão”, disse. Em uma das instalações visitadas, um professor dava aula de teatro para nove internos.
Internos reclamam de falta de higiene
Nos dois Ceips o deputado ouviu as reclamações dos internos. No Ceip Dom Bosco, alguns reclamaram que bebem água não-potável, que as condições higiênicas são precárias (como a ocorrência de ratos, por exemplo), que ficam o tempo todo dentro dos alojamentos e que têm direito a apenas uma visita por mês. Também criticaram o fato de se alimentarem sem garfo nem faca.
A diretora do Ceip Dom Bosco, Cristiane Maria Silveira Coelho, rebateu dizendo que há três filtros na instituição, e que as visitas ocorrem uma vez por semana. A diretora pontuou ainda que os talheres foram retirados porque estavam sendo usados como arma, mas que um processo de educação estava em curso, para voltarem a utilizá-los.
Ceip Dom Bosco – O Centro de Internação Provisória Dom Bosco tem capacidade para receber 104 menores, mas chegou a ter 180. Hoje, abriga 94 adolescentes. São cerca de 200 funcionários, a maioria contratada.
Ceip São Benedito – O Centro de Internação Provisória São Benedito tem capacidade para receber 56 menores, e chegou a 62. Hoje, abriga 56 menores. São 84 agentes, dos quais 30 são concursados. O diretor Leandro Almeida observou que a maior defasagem é de assistentes de serviços gerais (que cuidam da limpeza).
O Ceip São Benedito prioriza menores até 14 anos que, em geral, cometeram infração pela primeira vez. No centro, eles têm aula de segunda a sexta-feira. Funciona uma escola regular de forma seriada, com três turnos. Recebem visita e podem fazer uma ligação uma vez semanalmente..
O defensor público Marcos Pereira de Andrade também acompanhou a comitiva que visitou os Ceips.
Internação provisória - O adolescente a quem se atribui a autoria de um ato infracional pode ser privado de sua liberdade mesmo antes do julgamento. Trata-se da internação provisória. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê o prazo máximo de 45 dias para que o Judiciário finalize a instrução do processo e sentencie o adolescente. Esse prazo é improrrogável, nos termos do artigo 183 do Estatuto.