Audiência da Comissão de Política Agropecuária e Agroindustrial em Varzelândia foi requerida pelo deputado Paulo Guedes
Moradores do quilombo Brejo dos Crioulos têm tido conflitos internos

Assentamentos cobram agilidade na regularização fundiária

A reivindicação foi feita por famílias acampadas em Varzelândia, em audiência pública da ALMG, nesta sexta (27).

27/09/2013 - 17:18

Famílias assentadas em Varzelândia (Vale do Jequitinhonha) cobram maior agilidade no processo de regularização das terras ocupadas por elas e fim dos conflitos agrários e da violência no campo. Essas foram as principais reivindicações dos participantes da audiência pública realizada nesta sexta-feira (27/9/13) pela Comissão de Política Agropecuária e Agroindustrial da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). A reunião foi requerida pelo deputado Paulo Guedes (PT).

Além das demandas apresentadas, os membros das comunidades exigiram a presença de representantes do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), cuja ausência foi justificada pelo parlamentar. Paulo Guedes explicou que o superintendente regional do órgão não compareceu à audiência em função de problemas no avião em que estava. O deputado informou ainda que o servidor se comprometeu a ir ao município, na próxima sexta-feira (4/10), para ouvir as comunidades assentadas e autoridades locais.

A representante do assentamento Conquista da Unidade, Dorismar Lopes Cordeiro, reivindicou maior assistência técnica, inclusive do Incra. Segunda ela, é preciso ainda que o Poder Público destine às comunidades recursos para obter infraestrutura, abastecimento de água e implementos agrícolas. Concordou com Dorismar, José Rodrigues de Oliveira Neto, da comunidade Para-Terra II. Segundo ele, os assentamentos apresentam os mesmos problemas. Ele enfatizou que a presença do Incra é indispensável para a obtenção de respostas: “estamos desamparados e não sabemos como regularizar nossa situação”, ressaltou.

Do assentamento Betânia, Ademir Alves de Almeida salientou que a ausência do Incra, em certa medida, inviabilizou os encaminhamentos práticos da reunião, uma vez que as demandas da comunidade são dirigidas ao órgão. Ele afirmou que desde o dia 9 de abril de 1999, as famílias do Betânia estão acampadas, mas que a situação de precariedade da ocupação permanece devido à morosidade do instituto.

Ademir acrescentou também que os assentados querem renegociar suas dívidas com o Banco do Brasil, dentre outros agentes financeiros. Ele disse que a falta de financiamento impede que o assentamento cumpra até mesmo as legislações vigentes e citou como exemplo as de licenciamento ambiental, que regulam as atividades agrícolas: “Exigimos apenas uma reforma agrária justa, buscamos condições para trabalhar dentro da lei”, afirmou.

Líderes de sindicatos e entidades de pequenos produtores rurais e da agricultura familiar também cobraram a finalização dos processos de regularização fundiária. Segundo o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Varzelândia, Donizete Gonçalves de Souza, “enquanto não houver legalização das terras, não haverá condições de trabalho e de crescimento da produção nos assentamentos”.

Já a representante da comunidade Macaúbas, Dulce Borges, pediu a divisão da área em lotes, a implantação de escola de maior qualidade e crédito para construírem moradias adequadas. Também solicitou providências para qualificar a estrutura do assentamento e a liberação de recursos públicos pelos bancos de fomento rural.

Do acampamento Brilho do Sol, José Osmar Gonçalves Silva relata que eles passam pela mesma dificuldade desde 2004: não recebem recursos para desenvolver adequadamente as atividades agrícolas. Ele também reclamou da recorrente falta de água. “O Incra está nos enrolando. Somos eleitores e vamos cobrar as providências necessárias de todos as autoridades, não só do órgão federal”, enfatizou.

Quilombolas exigem titularização do território

Além da morosidade no processo de titularização do território quilombola, os moradores do quilombo Brejo dos Crioulos ainda têm que lidar com conflitos internos. O representante do quilombo, José Carlos de Oliveira, explicou que a área a ser regularizada possui 17 mil hectares e que há 200 anos vivem gerações de descendentes de escravos no terreno. De acordo com ele, “a primeira invasão foi imposta por grandes latifundiários, em um tempo remoto, quando não havia justiça”.

Oliveira afirmou que a comunidade de Brejo dos Crioulos já foi reconhecida pela Fundação Palmares como área remanescente de quilombo, mas que o Incra não finalizou o processo. Ele explicou ainda que a questão fundiária se agravou devido à ocupação por camponeses de parte do território. O assentamento Para-Terra I se encontra dentro da demarcação do quilombo e que isso tem propiciado conflitos entre as comunidades. “As brigas têm enfraquecidos os movimentos, temos que nos juntar e cobrar a responsabilidade do Incra”, destacou o quilombola.

Já o representante do Para-Terra I, Sebastião Borges Coutinho, explicou que o assentamento já existe há 16 anos, com 40 famílias, e que está localizado, de fato, dentro de áreas quilombolas. Coutinho disse que o Incra pediu prazo de 90 dias para estudar a situação e que o prazo já venceu há muito: “As famílias estão preocupadas, queremos uma resposta. Os agricultores não suportam mais a incerteza de seus destinos”.

O professor da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), João Batista Costa, afirmou que a solução do impasse passa pela negociação entre as comunidades. Ele explicou que a legislação sobre territórios quilombolas estabelecem que os mesmos não podem ser divididos e devem ser considerados de propriedade coletiva. “Os assentados do Para-Terra I, se quiserem permanecer no terreno, terão que abrir mão da propriedade privada. Essas famílias, então, deverão ser incorporadas pela associação quilombola. Aqueles que não concordarem poderão ser desapropriados e remanejados para outras áreas pelo Incra”, ponderou o professor.

Gestores locais pedem solução pacífica

Autoridades locais consideraram “justas” as reivindicações dos assentamentos, mas pediram a eles para que se mobilizem de forma organizada e “ordeira”. De acordo com o prefeito de Varzelândia, Felisberto Rodrigues Neto, o município tem buscado realizar a reforma agrária, na região, de forma pacífica. Para ele, as “invasões” podem gerar atritos e até mesmo mortes e as desapropriações dos fazendeiros, a serem realizadas pelo Incra, devem levar em conta o real valor de mercado: “R$2 mil por hectare não é suficiente”.

Também o vice-prefeito do município, Amáncio Oliva Neto, disse acreditar na necessidade de uma reforma agrária, no entanto, ele também pede que os movimentos se organizem e atuem com racionalidade e plenejamento. “As invasões, se forem necessárias, não podem ser feitas com truculência e a reação a essas ações também não pode ser violenta. A postura tem que ser sempre de diálogo e parceria”, destacou.

O promotor de Justiça, Célio Dimas Esteves Ruas, explicou que a questão fundiária na região é complexa e só será resolvida por meio da interlocução e pela efetiva busca da cidadania. Ele ressaltou que o Ministério Público estará à disposição para atuar nas situações que não forem solucionadas no âmbito da negociação.

Articulação – Para Álvaro Alves Carrara do Centro de Agricultura Alternativa (CAA), é necessário ampliar a articulação entre as comunidades. De acordo com ele, os problemas são comuns e os assentamentos devem buscar as soluções de forma conjunta: Vocês têm potencial de produção, já tiveram condições de cultivo e há possibilidade de recuperar esses recursos como os cursos d’água da região. Ele também atribui a preservação dos recursos naturais, hoje existentes na região, aos assentamentos que fizeram frente às monoculturas.

Assentados denunciam ameaças

Para Valdomiro Alves da Silva, membro de comunidade quilombola de Verdelândia, a colocação das autoridades locais sobre a construção de uma reforma agrária pacífica depende principalmente dos latifundiários da região. Ele explicou que os assentados não invadem propriedades: “nós as ocupamos como estratégia de pressão, inclusive como forma de pressionar o próprio Poder Público. Mas os fazendeiros não se sentam com os ocupantes para dialogar. Contratam logo pistoleiros para nos matar”, lamentou.

Silva disse que a situação se repete em Varzelândia, São João da Ponte, entre outros municípios. Ele contou que está sendo ameaçado de morte. “Com eles não têm conversa e o Incra não concluiu a legalização dos nossos assentamentos. Por isso, insistimos nos mecanismos de pressão, porque nossos governos são campainha, só funcionam se apertar”.

Também cidadãos de Porteirinha denunciaram perseguição aos assentados que ocupam terras na cidade. De acordo com participantes da reunião, camponeses estão perseguidos e ameaçados não só com agressão física. Eles contaram que em algumas fazendas, os proprietários “secam” os rios para forçar a saída das famílias. Os participantes reclamaram ainda da recusa do Incra em receber os assentados na sede do órgão em Belo Horizonte e da ausência do Estado nas comunidades, o que, para eles, é também uma forma de violência.

Dívidas - Por fim, os trabalhadores rurais reivindicaram a renegociação imediata de dívidas com o Banco do Brasil e o Banco do Nordeste. Em resposta a essas solicitações, o gerente-geral do Banco do Brasil em Varzelândia, Ricardo Eustáquio Costa Rocha, esclareceu que novas resoluções do banco vão estabelecer outra regulamentação para os financiamentos e que se disponibiliza a “negociar caso a caso” os valores devidos pelos assentados.

Já Carlos Alberto Xavier, da unidade regional da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais (Emater) em Januária, alertou que “há recursos disponíveis e técnicos para dar assistência aos assentados, mas que o convênio assinado com Incra foi encerrado, impossibilitando a continuidade plena dos trabalhos”, lamentou. Ele disse também que o órgão federal alegou a obrigatoriedade de se fazer nova chamada pública para renovar o termo; “enquanto isso, nossa atuação se encontra desarticulada com as ações da União”, ponderou.

Paulo Guedes afirmou que tomou nota de todas as demandas e que as mesmas serão novamente discutidas na próxima sexta, data em que representantes do Incra se comprometeram a estar em Varzelândia para ouvir as comunidades e dar encaminhamentos aos problemas enumerados.