Para William Borges, quando se pensa em gestão metropolitana, o tema da mobilidade é central
Segundo Xavier, graças à Copa do Mundo, o investimento em transporte público aumentou consideravelmente
Ulisses Navarro enumerou os desafios atuais, como reduzir as distâncias entre trabalho e moradia
Cleide defendeu que o valor de indenizações de desapropriações deve ser justo, senão as pessoas se deslocam para locais ainda piores

Planejamento em mobilidade envolve priorizar o coletivo

Especialistas do encontro estadual falam sobre a importância atribuída aos carros e sobre o uso do solo.

19/09/2013 - 17:40

“As decisões precisam ser tomadas no sentido de se trabalhar com menos carros e mais transporte sustentável, coletivo e integrado”. Essa afirmação foi feita pelo professor da Universidade Estadual de Maringá (PR), William Antonio Borges, no Painel Gestão e Planejamento da Mobilidade Urbana, que integra o Encontro Estadual sobre o assunto, realizado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta tarde de quinta-feira (19/9/13). O encontro é uma das etapas do Fórum Técnico Mobilidade Urbana – Construindo Cidades Inteligentes, lançado pela ALMG em fevereiro deste ano. A programação começou nesta quinta (19) pela manhã e segue até sexta (20). O painel foi coordenado pelo deputado Adalclever Lopes (PMDB).

Para o professor, quando se pensa em gestão metropolitana, o tema da mobilidade é central. “O carro é importante, mas podemos trabalhar com sistemas mais inteligentes”, afirmou. Ele destacou casos das Regiões Metropolitanas de Curitiba e Maringá. Na Região Metropolitana de Curitiba, são cerca de 3 milhões de habitantes, em 29 cidades. Ele ressaltou que o sistema de transporte dessa região, que contempla 13 municípios, é complexo e eficiente. Há os expressos biarticulados e redes alimentadoras. Além disso, Borges ressaltou o ligeirinho e o ligeirão, que operam com menos pontos de parada e contam com gerenciamento via software.

O professor disse ainda que a rede se integra por terminais e estações. Ele citou a via central que tem corredor de ônibus, duas pistas lentas e avenidas rápidas paralelas nos sentidos centro-bairro e bairro-centro. “Assim, é garantida também a acessibilidade dos automóveis”, contou. Para atender às demandas da Copa de 2014, Borges afirmou que há um projeto para o metrô e eixos para os expressos biarticulados. “Pensa-se também em abertura de vias e ampliação delas para a fluidez”. Além disso, ele ressaltou o papel das ciclovias.

Na Região Metropolitana de Maringá, que possui em torno de 700 mil habitantes, Borges relatou que o transporte é integrado e conservador. “Todos os ônibus saem do bairro e vão para um terminal central”, comentou. Para ele, o que existe de inteligência nesses dois casos (Curitiba e Maringá) é que convivem práticas conservadoras com inovações, sobretudo na primeira.

Transporte público x transporte particular

O ex-presidente da Companhia Metropolitana de Transportes Coletivos de Goiânia, José Carlos Xavier, lembrou que há uma clara preferência pelos automóveis particulares. “O foco é na fluidez desses carros em detrimento da mobilidade das pessoas”, ponderou. Para ele, a demanda pelos carros é inesgotável. “O transporte urbano perde sempre espaço para os carros. Nessa briga, quem ganha é o carro, e não o ônibus”, afirmou. Ele acrescentou que a situação compromete a vida nas cidades, causando segregação.

De acordo com Xavier, a taxa de motorização do País é correspondente à da Europa na década de 1980. Por isso, ele argumentou que a situação ainda pode piorar muito, caso a política não mude o foco. Por outro lado, o especialista informou que nunca houve tanto investimento na área por causa da Copa do Mundo.   

Ele relatou propostas para uma agenda de médio prazo com objetivo de permitir avanços no setor. As sugestões contemplam a vinculação do planejamento das cidades com a mobilidade; a priorização do transporte público coletivo e do não-motorizado; a racionalização do uso do automóvel; a promoção da desoneração fiscal; e o apoio à elaboração dos Planos Municipais de Mobilidade Urbana, entre outros.

Relação do uso do solo e mobilidade urbana

O diretor técnico de Mobilidade Sustentável para a América Latina do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento, Ulises Navarro, falou sobre a relação entre o uso do solo e o transporte. Ele destacou a separação do uso do solo para moradia e trabalho. “Isso resulta de um paradigma das cidades feitas para o automóvel, nas quais se mora longe dos centros”, contou.

Para ele, esse modelo começou a se mostrar ineficaz nos anos 80 e 90. Ele citou o exemplo do México, onde as zonas centrais concentram empregos e residências de alta renda. “O pessoal que tem baixa renda mora muito distante do centro, e para grande parte da população é preciso usar uma forma de transporte”, relatou.

Outro ponto de vista abordado pelo diretor foi o da segregação causada por esse modelo de planejamento. Por causa de tudo isso, Navarro acrescentou que há um crescimento informal e desorganizado. Ele contou que o ideal é trabalhar com o uso do solo misto, que permite que as pessoas se desloquem a pé ou de bicicleta porque as distâncias para se encontrar todos os tipos de serviço são curtas. O diretor salientou que isso tem sido buscado no México.

De acordo com Navarro, são desafios reduzir as distâncias entre trabalho e moradia, reverter a tendência de construções habitacionais de baixa densidade e promover a inclusão social.

Desapropriações para obras viárias são enfocadas

A defensora pública Cleide Aparecida Nepomuceno abordou a questão do conflito fundiário urbano. “Falamos das minorias que são atingidas pela construção de obras viárias públicas, que são desapropriadas”, salientou.

Ela citou que está acontecendo a saída das pessoas mais pobres do local onde vivem em decorrência das revitalizações. Cleide relatou que, em Belo Horizonte, antes da construção da Via 210, que ligou o Barreiro à Avenida Tereza Cristina, no bairro Betânia, foram construídas casas de forma irregular e sem a matrícula de cada lote. O poder público ofertou a eles o valor das benfeitorias para que deixassem o local.

Cleide defendeu que o valor das indenizações deve ser justo, pois, do contrário, essas pessoas se deslocam para um lugar ainda pior. “As obras viárias são necessárias, mas essas populações devem ser lembradas. Elas também têm direito à cidade”, reforçou a defensora.

O defensor público Lucas Simões disse que, com o adensamento urbano, ficam escassos os espaços públicos. “Muitas vezes, os municípios priorizam locais onde vivem famílias mais humildes para realizar obras, pois elas saem mais baratas. Os moradores recebem valores irrisórios, vão para lugares distantes, mas continuam a se deslocar para o centro para trabalhar”, contou. Simões acrescentou que isso traz problemas de mobilidade urbana e também de desemprego.

Ele destacou que, em Londres, é pensada a solução de se construir moradias populares em regiões centrais como alternativa à questão da mobilidade urbana. “A Defensoria Pública acredita que, com a Lei Nacional da Mobilidade, deve-se pensar nos ônus e bônus das intervenções”, finalizou.

Debates – Na fase de debates, em relação à educação e à fiscalização do trânsito, o palestrante José Carlos Xavier ressaltou que a fiscalização é um meio mais efetivo, uma vez que “dói no bolso”. Segundo ele, se houver uma fiscalização eficiente, a quantidade de infrações reduz significativamente.

Outro tema abordado durante os debates foi o investimento na construção de linhas de metrô e de BRT (Transporte Rápido por Ônibus). De acordo com Ulises Navarro, tanto o metrô como o ônibus são transportes coletivos que podem atender às demandas da população e que, por isso, não devem competir entre si. Ele frisou, no entanto, que a construção de linhas de metrô tem um custo muito superior à implantação do sistema BRT e à construção de ciclovias.

Fórum - Realizado pela ALMG em parceria com diversas entidades, o Fórum Técnico Mobilidade Urbana tem o objetivo de trazer reflexões sobre o tema e contribuir para que os municípios se adequem à Lei Federal 12.587, de 2012, que determina que as cidades com mais de 20 mil habitantes devem elaborar seus Planos Municipais de Mobilidade até 2015.