Audiência pública da Comissão de Participação Popular contou com a presença de representantes de etnias indígenas
Gestores também debateram capacitação de profissionais para um atendimento qualificado

Políticas públicas para os indígenas são desafio

Gestores defendem, durante audiência na ALMG, adequações para garantir efetividade de programas como o Bolsa Família.

13/09/2013 - 15:08

A necessidade de desenvolvimento de políticas que levem em consideração as especificidades dos povos indígenas e a capacitação para o atendimento a essas comunidades foram debatidas, nesta sexta-feira (13/9/13), durante a audiência pública realizada pela Comissão de Participação Popular da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). A reunião, que contou com a presença de representantes de diversos municípios mineiros que possuem etnias indígenas, também discutiu a adequação do programa Bolsa Família a essas comunidades.

O presidente da Comissão de Participação Popular, deputado André Quintão (PT), ressaltou que, embora as políticas universais tenham conseguido retirar da pobreza 40 milhões de brasileiros, ela não é capaz de dar o mesmo salto de qualidade para comunidades específicas. Por esse motivo, segundo ele, é preciso trabalhar na construção de políticas próprias e avançar na capacitação para o atendimento das comunidades tradicionais.

Um exemplo de programa que necessita de adequação, para a coordenadora geral de Promoção dos Direitos Sociais da Funai, Patrícia Chagas, é o Bolsa Família. Hoje, em Minas, cerca de 2.200 famílias recebem o benefício, o que para ela representa um vazio assistencial, já que a população indígena está estimada em 22 mil pessoas. Para que o programa possa ser adequado, pesquisadores estão em sete regiões do País para identificar formas de qualificá-lo para esse público.

No entanto, as modificações no Bolsa Família devem, segundo Patrícia, considerar duas questões. A primeira é o respeito à organização social dessas comunidades, já que o programa foi pensado para o indivíduo, o que difere da forma de viver dos indígenas. Ela explicou que é preciso compreender os impactos da introdução do benefício e citou a atuação de aldeias localizadas no Norte de Minas, que trabalham o benefício dentro da lógica da comunidade. Assim, a verba recebida é aplicada em prol da coletividade.

O segundo alerta feito por Patrícia está relacionado à dificuldade dos indígenas para receber o benefício. Ela disse que, às vezes, o custo do deslocamento até a cidade é maior do que o valor recebido. “Esse é um entrave em todo o Brasil. Ao chegar na cidade, onde ele vai dormir e comer?”, questionou.

Essa preocupação foi compartilhada pela diretora do Departamento de Proteção Social Básica do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Léa Lúcia Cecílio Braga. Ela concordou com a necessidade de diálogo entre uma política estruturada nacionalmente e as especificidades das comunidades, para que seja possível desenvolver um olhar mais específico.

Léa defendeu ainda que a participação em programas de transferência de renda é um direito dos povos indígenas, mas que é necessário dar suporte para a efetivação dessa política como uma retaguarda de serviços, programas e projetos articulados. Ela também argumentou que é extremamente importante a presença do Centro de Referência de Assistência Social (Cras) e a presença das equipes volantes que, segundo ela, serão ampliadas. “Queremos ampliar o trabalho de movimentação nesses territórios para identificar essas pessoas e fazer um movimento para que elas tenham acesso a esses serviços”, disse.

Importância da capacitação - A especificidade dos povos indígenas também gera outra necessidade: a capacitação dos profissionais para um atendimento qualificado. O coordenador regional da Funai, Thiago Henrique Fiorott, alertou que Minas possui 12 etnias e que cada uma tem a sua particularidade, seus costumes e percepções. Segundo ele, para que seja possível o conhecimento dessas especificidades e o atendimento aos povos indígenas, é necessário estreitar diálogos com os municípios.

O presidente do Colegiado dos Gestores Municipais de Assistência Social (Cogemas), Jaime Luiz Rodrigues Junior, também concordou com a necessidade de capacitação, mas defendeu que essas informações sobre os povos indígenas sejam compartilhadas com os municípios para que eles possam cooperar efetivamente. Além disso, ele destacou a grande pressão sofrida por alguns municípios que enfrentam dificuldades como a baixa capacidade técnica e orçamentária.

Indígenas cobram mais apoio

O coordenador do Conselho dos Povos Indígenas de Minas Gerais (Copimg), cacique Mezaque Silva de Jesus, questionou o papel exercido pela Funai. Antes, a instituição era responsável por tutelar o indígena. No entanto, após a Constituição de 1988, esse papel foi dissolvido entre os diversos órgãos públicos. Para ele, essa mudança faz com que muitos caciques tenham dificuldade para acessar as políticas públicas.

O cacique argumentou também que a Funai perdeu seu poder e legitimidade e, com isso, não consegue garantir assistência, orientar e acompanhar o indígena. Embora considere que o indígena não deve ser tutelado, ele avalia que a mudança trouxe problemas. “O indígena passa a ser um filho sem pai. Muitas vezes procuramos o município, o Estado e o Governo Federal, e ninguém assume responsabilidades. É difícil é identificar o responsável. Isso tem tornado a vida do indígena um caos”, disse.

Mezaque também disse que há um falta de compromisso das autoridades. Segundo ele, faltam condições de vida, de higiene e de garantia de renda, o que dificulta a manutenção das famílias nas aldeias. Em muitos casos, os índios tentam a vida fora da cidade e acabam na periferia, envolvidos com o tráfico e com a prostituição. “Cadê os responsáveis? Cadê o acesso às políticas publicas?”, questionou. Já sobre o Bolsa Família, o cacique concordou que, sem infraestrutura, é necessário avaliar se é viável buscar o benefício na cidade, já que há custos para o deslocamento.

O vereador de Carmésia, Alexandre Borges de Jesus, afirmou que ainda existe preconceito com os povos indígenas, o que dificulta o atendimento nos serviços prestados nos municípios. Para ele, a ausência, na reunião, de secretários de municípios onde estão presentes aldeias é uma prova desse descaso.

Já o prefeito interino de Santa Helena de Minas (Vale do Jequitinhonha), Lutimar Ribeiro da Fonseca, acredita que, além da transferência da renda proveniente do Bolsa Família, é necessário assegurar o uso dessa verba em programas sociais. Segundo o prefeito, muitos indígenas da etnia maxacali enfrentam problemas com dependência de álcool e drogas. Fonseca ainda denunciou a situação de extrema pobreza que os povos indígenas da região. “A realidade não é boa. Faltam investimentos”, afirmou.

Consulte o resultado da reunião.