Criada em 2003, o objetivo da Comissão de Participação Popular é ampliar a intervenção da sociedade no Poder Legislativo
Assinaturas colhidas para projetos de iniciativa popular
Cacique Mezaque já apresentou propostas para melhoria na agricultura familiar, saúde e educação
Emenda aprovada por sugestão popular possibilitou ações em prol da erradicação do trabalho infantil nos lixões
Para Luiz Henrique, a aprovação das reivindicações é um reconhecimento do trabalho feito pelos catadores

Cresce a intervenção da população no planejamento público

Comissão de Participação Popular, criada há dez anos, possibilita a participação em processos decisórios.

Por Mayara Caldeira
29/08/2013 - 08:00

Há dez anos, com o objetivo de possibilitar uma maior intervenção da sociedade na agenda e no planejamento público, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) criou a Comissão de Participação Popular. Desde então, novos instrumentos foram instituídos para garantir, não apenas a presença, mas também a efetividade da participação.

Como resultado, é cada vez maior a intervenção da sociedade no Legislativo mineiro. De 2003 a 2012, 67% das propostas apresentadas pela população foram aprovadas. Para comemorar esses avanços e também refletir sobre novos mecanismos para a prática participativa, a Assembleia promove, nesta quinta (29/8/13) e sexta (30), no Plenário, o Ciclo de Debates 10 Anos da Comissão de Participação Popular.

Ao longo dessa trajetória, grande parte das propostas apresentadas pela população visam a reduzir as desigualdades sociais e diminuir a pobreza. Essa predominância, na opinião do presidente da comissão, deputado André Quintão (PT), tem uma explicação: a criação da comissão foi um meio de incluir segmentos que estavam excluídos das ações públicas, como os movimentos que lutam pela ampliação da assistência social e pelos direitos da criança, do adolescente, dos catadores e dos povos indígenas. Essas áreas, ainda segundo o parlamentar, reclamam por maior intervenção e, por isso, se apropriaram mais dos mecanismos de participação disponibilizados.

De acordo com o deputado, há diferentes formas de realizar esse ativismo. Sugestões de cidadãos ou de organizações da sociedade civil, após avaliação, podem resultar na criação de projeto de lei; no envio de requerimento de informações a órgãos públicos e a autoridades; e na realização de audiência pública ou de consulta popular.

No entanto, embora todos esses mecanismos sejam utilizados, conforme explica Quintão, os maiores ganhos foram registrados pela participação popular no acompanhamento de políticas públicas e na intervenção nas leis orçamentárias. “Muita gente entendia que a participação no Legislativo se resumiria à apresentação de projetos de lei, mas, na minha opinião, já existe um arcabouço legal suficiente. O mais importante é a efetivação das garantias constitucionais por meio de políticas públicas. Por isso, o papel da comissão foi exatamente o de colocar novas temáticas, reafirmar lutas e ampliar o orçamento em áreas de inclusão social”, ressalta.

A partir dessa convicção, teve início um novo processo, promovido pela ALMG e inédito no País: a intervenção da população nos projetos lei do ciclo orçamentário. Enviadas à Assembleia pelo Executivo, essas proposições definem como será investido o dinheiro público, ou seja, contêm o planejamento da aplicação do dinheiro arrecadado por meio de tributos pagos pela sociedade e de outras fontes de receita.

Para que a população possa ser ouvida e também tenha condições de interferir nos projetos, nas atividades e nos valores financeiros previstos, são realizadas audiências públicas na Capital e no interior, pelas comissões temáticas em parceria com a Comissão de Participação Popular.

Foi exatamente pela participação nas audiências que o coordenador do Conselho Estadual dos Povos Indígenas, o cacique pataxó Mezaque Silva de Jesus, conseguiu a aprovação de recursos. Participante das revisões orçamentárias desde 2011, o cacique já tem uma rotina: como são várias as etnias espalhadas em diversos municípios de Minas Gerais, ele realiza, em primeiro lugar, visitas às comunidades para identificar os principais problemas para, em seguida, apresentar sugestões à Comissão de Participação Popular.

Como resultado, Mezaque já conseguiu verbas para a realização de investimentos na agricultura familiar, na saúde e na habitação, além de recursos para a realização dos primeiro jogos indígenas.

Se por um lado ele comemora as emendas aprovadas, por outro, já tem uma nova lista de demandas. “Pretendo pedir mais apoio para a realização das festas tradicionais, que são importantes para manter a memória do povo vivo, e para a produção nas aldeias, que servem como uma garantia de renda. Vamos ver se a gente consegue defender uma emenda”, diz.

Participação é um processo de apredizado

Essa motivação, segundo a professora do Departamento de Ciência Política da UFMG, Eleonora Schettini Cunha, está relacionada à percepção do participantes. Segundo ela, em um processo participativo, as pessoas se sentem mais motivadas ao identificar que sua intervenção foi considerada e voltam a participar.

Esse foi um questionamento, no primeiro ano de revisão da lei orçamentária, da coordenadora do Fórum de Erradicação e Combate ao Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente de Minas Gerais, Elvira de Melo Cosendey. “No início, não estávamos acostumados a participar, e não sabíamos quase nada. A gente achava que não ia dar certo. Foi um processo de aprendizagem”, lembra.

Hoje, Elvira enumera algumas vitórias, como a destinação de R$ 150 mil, em 2010, para a erradicação do trabalho infantil nos lixões em dez municípios da Bacia do São Francisco. Com o recurso, foi possível acompanhar 608 crianças e auxiliar 217 famílias com renda familiar média de R$ 110,00 na busca de alternativas para a geração de renda.

Foram promovidos ainda cursos, além do monitoramento do percurso escolar das crianças e do seu encaminhamento para serviços assistenciais. Como resultado, cerca 95% das crianças acompanhadas saíram dos lixões, além do aumento de 19% para 32% da inserção delas em programas de socialização.

As conquistas de Mezaque e Elvira retratam uma realidade: a cada ano, a participação nas audiências tem se tornado maior e mais bem estruturada. Até hoje 2.596 propostas foram apresentadas, tendo sido aprovadas 1.750, ou seja, 67% do total. Dessas aprovações, 1.088 resultaram em emendas às leis orçamentárias, 24 em projetos de lei e 1.202 em requerimentos.

Outra demonstração da importância crescente da participação social é a evolução do valor mobilizado pelas emendas de iniciativa popular, que, no ano passado, foi de cerca de R$ 26 milhões de reais, o que significa um montante seis vezes maior do que a verba destinada em 2003, de cerca de R$ 4,4 milhões. Até hoje, essas emendas já resultaram na destinação de R$ 137 milhões.

Cerca de um terço dos recursos obtidos com as emendas foi destinado a políticas de assistência social.

Cerca de 29% desses recursos foi destinada para a assistência social, o que, na opinião da secretária municipal de Assistência Social de Coronel Fabriciano, Júlia Maria Muniz Restori, possibilitou a ampliação do atendimento à população mais vulnerável.

Um exemplo é a aprovação, em 2005, de R$ 3 milhões para a implantação dos Centros de Referência de Assistência Social (Cras), além de outro grande avanço: o repasse para todos os municípios do Piso Mineiro da Assistência Social, que é uma verba destinada para melhorar a qualidade e ampliar os serviços de assistência social. A previsão, segundo Júlia, era de que apenas em 2014 todos os municípios fossem contemplados. No entanto, a aprovação da emenda fez com que esse prazo para repasse da verba fosse antecipado para 2013.

Exemplos de sucesso - Essa nova forma de atuação permitiu que a Promotoria da Infância e da Juventude alcançasse a aprovação de 12 emendas ao orçamento. A promotora Maria de Lourdes Rodrigues Santa Gema diz que o atendimento às vítimas de violência sexual pa. Na prática, há uma mudança na forma de tratamento. Antes, segundo ela, a vítima era vista como corpo de prova para o processo criminal. Hoje, em primeiro lugar, ela recebe atendimento médico, é respeitada e, depois, preparada para um processo criminal.

Para que isso seja possível, foram credenciados quatro hospitais de referência, em Belo Horizonte. Neles, há uma equipe multidisciplinar formada por psicólogos e assistentes sociais, além de médicos, que são capacitados e autorizados a fazer coleta do material genético, o que evita o deslocamento até o Instituto Médico Legal (IML). Além disso, o acompanhamento da vítima não tem fim com o primeiro atendimento. Ao contrário, caso necessário, pode durar até um ano.

Por último, depois que a vítima já foi tratada, Maria de Lourdes explica que há a realização do depoimento sem dano, que é realizado em um espaço próprio, protegido e especialmente projetado. Além disso, esse depoimento é conduzido por pessoas treinadas para interagir com crianças e adolescentes. Em outra sala, estarão o juiz, o promotor, os advogados e, se for o caso, o acusado, que poderão ver, ouvir e participar, fazendo perguntas diretamente ao técnico que acompanha a vítima.

A promotora conta que até agora 80 médicos legistas já foram capacitados em todo o Estado e devem atuar como multiplicadores dessa proposta, pois a intenção é que novos hospitais sejam credenciados. Outro avanço é que, além da criança e do adolescente, a mulher vítima de violência sexual também foi incluída no protocolo e tem recebido esse atendimento. “Nosso objetivo é que a vítima não fique tão exposta, pois ela sofre por atendimento não qualificado”, explica.

O articulador do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, Luiz Henrique da Silva, também conta suas conquistas. A pedido do movimento dos catadores, a Assembleia, em 2005, realizou o Seminário Legislativo Lixo e Cidadania, que percorreu as dez macrorregiões administrativas de Minas Gerais e ajudou na elaboração do anteprojeto de lei que deu origem à política estadual de resíduos sólidos, sancionada antes mesmo da lei federal.

Também por intervenção do movimento, foi apresentada a Lei da Bolsa Reciclagem, resultado do Projeto de Lei (PL) 2.122/11 de autoria do presidente da Assembleia,deputado Dinis Pinheiro (PSDB), que estabelece o pagamento de um valor mensal como forma de incentivo pelo serviço ambiental prestado. Essas iniciativas, para Luiz, representam o reconhecimento do gestor público pela prestação de serviços ambientais prestados pelos catadores.

A próxima matéria da série sobre a participação popular será publicada na sexta (30).