Para o Comitê dos Afluentes Mineiros do Médio São Francisco, o Velho Chico (foto) vem morrendo a cada ano, um dos sinais é a redução das águas de seu leito
O deputado Almir Paraca disse que a comissão quer diagnosticar a situação das águas do Estado
A audiência pública foi realizada no Auditório da Câmara Municipal de São Francisco

Degradação do São Francisco preocupa Norte de Minas

Revitalização é prioridade para comitê de bacia dos afluentes do Rio São Francisco.

07/08/2013 - 18:14

Revitalização urgente do São Francisco, com soluções efetivas para os principais problemas que afetam o rio e seus afluentes no Norte de Minas. Segundo o presidente do Comitê dos Afluentes Mineiros do Médio São Francisco, João Naves de Melo, essa é atualmente a prioridade do órgão. Juntamente com várias autoridades e representantes da população de São Francisco (Norte de Minas), João Naves participou de audiência pública da Comissão Extraordinária das Águas da Assembleia Legislativa de Minas Gerais realizada nesta terça-feira (6/8/13) no município.

João Naves de Melo relatou que o Velho Chico vem morrendo a cada ano. Um dos sinais que mostram como se dá essa degradação é a redução das águas de seu leito, já com quantidade preocupante de cianobactérias, nocivas ao ser humano, e que provocam também mortandade de peixes. “Hoje, aqui em São Francisco, não navegam mais os vapores, mas só canoas, devido à redução das águas no rio”, informou. Na opinião dele, não dá para se falar em transposição do São Francisco sem cuidar antes de sua revitalização. Ele citou vários exemplos de comunidades próximas ao rio que, ironicamente, não podem fazer uso da água, por ela estar poluída.

João Naves relatou que o comitê é recente - foi formado em 2008 - e o primeiro trabalho realizado foi percorrer os 24 municípios abrangidos para fazer um diagnóstico da situação da bacia. A partir daí, foram encaminhados alguns projetos com propostas de ações. Um deles é o de construção de cem barraginhas e outras barragens maiores, com financiamento do Fundo de Recuperação, Proteção e Desenvolvimento Sustentável das Bacias Hidrográficas do Estado de Minas Gerais (Fhidro).

Ele detalhou que foi feito o projeto para recuperação e manutenção da represa da Jibóia, em São Francisco, a qual atende a centenas de famílias desse distrito. Abaixo da barragem, muitas atividades são desenvolvidas, como hortas e pomares. Segundo Naves, o projeto foi escolhido pelo Fórum Mineiro de Comitês de Bacias para representar Minas Gerais no fórum nacional, mas por detalhes técnicos, foi reprovado pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam).

Já as barraginhas, de acordo com Naves, ajudariam a amenizar outra questão que preocupa o comitê: a sobrevivência do homem do campo, dificultada pela redução gradual da água dos rios. “Os poços tubulares também estão secando e caminhões-pipa não resolvem o problema”, lamentou, citando vários distritos locais nessa situação, como Marruás, Penedo e Novo Horizonte.

Só mobilização vai garantir ações rápidas do poder público

O deputado Almir Paraca (PT), presidente da comissão, destacou que a meta é fazer um diagnóstico da situação das águas do Estado para então apontar soluções. “Não é uma comissão com objetivo emergencial, mas as questões emergenciais que vão aparecendo nós tentamos encaminhar”, ressaltou. Para cumprir o plano, estão sendo visitadas várias regiões do Estado visando a coletar dados que embasarão o relatório final da comissão.

“Estamos priorizando o contato com os comitês de bacias hidrográficas do Estado, pela sua importância na implementação da política de recursos hídricos. E sabemos que eles estão tendo dificuldades diversas para realizar seu trabalho”, afirmou. Ele acrescentou que a atuação dos comitês só atingirá um resultado mais efetivo se eles conseguirem envolver a população nesse trabalho.

Lembrando as recentes manifestações ocorridas no País, Paraca defendeu que a comunidade local se organize para reivindicar ações do poder público no sentido de minimizar o sofrimento da população, principalmente no tocante à questão das águas. “A realidade do semi-árido mineiro merece uma solução rápida”, concluiu.

Poços artesianos - O prefeito de São Francisco, Luiz Rocha Neto, constatou que, apesar de 80 km do leito do Velho Chico estarem no município, 95% do consumo de água é proveniente de poços artesianos. Isso porque a degradação do rio não permite que suas águas sejam utilizadas para consumo.

Criticando a burocracia para aprovação de projetos por meio do Fhidro, Luiz Neto solicitou ajuda da ALMG na intermediação de parcerias com universidades, como UFMG e Unimontes, de forma que forneçam pessoal qualificado para elaborar esses projetos. Reivindicou também a inclusão de São Francisco no perímetro mineiro do semi-árido, uma vez que a cidade já está na área mineira da Superintendência Nacional de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene).

Rios intermitentes - Já o presidente da Câmara Municipal de São Francisco, vereador João Herbber Brito, lamentou que vários rios que eram permanentes na cidade e na região estão se tornando intermitentes em períodos mais secos do ano e outros nem correm mais. Com isso, muitas comunidades da área rural ficam dependentes de carros-pipa.

O comandante do 6º Pelotão da Polícia Militar em Januária, Emerson Martins da Silva, registrou que, no mesmo horário da audiência, estava ocorrendo uma manifestação em Manga. Segundo ele, os manifestantes fecharam a BR-135, na região de Vaca Preta, cobrando políticas públicas para os recursos hídricos na região. Ele lembrou ainda que há problemas ambientais graves na região, principalmente de desmatamento, mas que é necessário oferecer alternativas para que o produtor possa sobreviver sem desmatar.

Município terá radar meteorológico

Coordenador do Núcleo de Montes Claros do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), Rafael Alexandre Sá classificou como muito complexos os problemas levantados, que exigirão investimento, mobilização e pesquisas. Mas ele destacou projetos que o comitê da bacia, com o apoio do Igam, já estava realizando: o plano diretor de recursos hídricos da bacia e o enquadramento dos corpos d'água. E divulgou que será instalado em São Francisco um radar meteorológico, com abrangência num raio de 250 km, no qual serão investidos R$ 9 milhões, o que facilitará as previsões climáticas na região.

Barraginhas - Questionado por Almir Paraca sobre os resultados da construção de barraginhas, João Naves respondeu que o efeito é na nascente e na segurança do lençol freático. “Isso dá certo: a água fica na terra e volta a brotar”, comemorou. Ele rememorou que em 2003, um grupo de cidadãos de São Francisco se propôs a difundir as barraginhas nos rios locais. Segundo Naves, nessa época foi feito o terraceamento num córrego que já estava praticamente seco e, com dois anos, voltou a correr água no leito.

O terraceamento é uma técnica de conservação do solo por meio da construção de rampas niveladas, que permitem o controle da erosão, prevenindo a formação de sulcos e grotas. João Naves divulgou que o projeto federal Água para Todos viabilizou a construção de 90 barraginhas na cidade e outras 50 devem ser liberadas.

Também entusiasta das barraginhas, Almir Paraca contou que, no Rio Urucuia, foram feitas cerca de 15 mil barraginhas. “Elas têm que ser feitas aos milhares mesmo. A água que cai do céu tem que ser presa na terra. Esse é o aprendizado nosso com os chineses, que criaram essa técnica”, defendeu.

Debates – Na fase de debates, representantes de várias comunidades rurais de São Francisco foram ao microfone para se queixar, principalmente, dos problemas com o abastecimento de água. Todos reivindicaram maior apoio dos governos local, estadual ou federal no sentido de desenvolverem ações imediatas para acabar com o drama da escassez de água nos longos períodos de estiagem no sertão.