São Paulo: usuários de crack são levados por membros de instituição conveniada com o governo do Estado, que promove a acolhida voluntária
O pastor Wellington Antonio Vieira acredita que os dispositivos existentes hoje não são suficientes
O governo do Estado de São Paulo iniciou ações para a internação compulsória de usuários de crack
Wesley Freitas defendeu as internações compulsórias

Estado não tem estrutura para internações compulsórias

Apesar das divergências sobre a efetividade da medida, especialistas concordam que ainda não existem locais adequados.

Por Natália Martino
04/07/2013 - 08:00

“Recebemos um usuário que foi levado por dois policiais. Ele chegou algemado e os agentes me entregaram o mandado judicial de internação”, contou o pastor Wellington Antonio Vieira, presidente da Federação das Comunidades Terapêuticas Evangélicas do Brasil, em audiência pública da Comissão de Prevenção e Combate ao Uso de Crack e outras Drogas da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

A reunião, realizada em abril, tratou de um dos temas mais polêmicos quando o assunto é tratamento de usuários de crack: as internações compulsórias. As ações de combate ao uso de drogas, o tratamento dos dependentes químicos e a aplicação da justiça terapêutica foram alguns dos temas abordados no Ciclo de Debates Um Novo Olhar sobre a Dependência Química, da ALMG, que também promove uma série de matérias sobre o assunto e organiza a 2ª Marcha contra o Crack e Outras Drogas.

“Meu advogado disse que eu tinha duas opções: internar o usuário ou ser preso. Internei e ele fugiu dois dias depois”, disse o pastor Vieira, evidenciando que as comunidades terapêuticas não têm estrutura para receber usuários dessa forma. “A essência do nosso trabalho está no desejo que o usuário tem de se curar. Nossas estruturas não contam com muros altos, cadeados, nada disso”, explicou.

Um dos maiores entraves para a realização de internações compulsórias, mesmo para os defensores da ideia, é a falta de uma rede especializada e preparada para tratar os usuários. Não são apenas as comunidades terapêuticas que não possuem essas estruturas. Os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), por exemplo, contam com poucos leitos e seu tratamento não está baseado na internação.

“Muitas vezes, os dependentes químicos são internados em locais especializados em tratamento de saúde mental. Isso é inadmissível, essas pessoas precisam de tratamentos totalmente diferentes”, diz o deputado Vanderlei Miranda (PMDB), presidente da Comissão de Prevenção e Combate ao Uso de Crack e outras Drogas.

Agilidade nas internações compulsórias

Atualmente, os usuários são internados quando são expedidos mandados judiciais. “É comum sabermos que algum dos atendidos foi internado compulsoriamente e, algumas semanas depois, o encontramos de novo nas ruas”, conta Bárbara Ferreira, psicóloga dos consultórios de rua de Belo Horizonte.

Em todo o País é discutida a possibilidade de se desburocratizar essa medida, e São Paulo foi a primeira cidade a dar um passo nesse sentido. Na Capital paulista, o Centro de Referência em Álcool, Tabaco e outras Drogas (Cratod) conta, desde janeiro deste ano, com juízes e promotores de plantão para atender casos de urgência. Se for atestado que um usuário não tem domínio sobre sua saúde e condição física, o juiz pode solicitar sua internação imediata.

Em Minas Gerais isso ainda é feito, em geral, a partir da solicitação das famílias. A diretora do SOS Drogas, Érica Barezani, diz que a instituição recebe mensalmente dezenas de pedidos de internações desse tipo. “Na maioria das vezes as famílias já não sabem mais o que fazer. Em alguns casos, nossa equipe, que visita essas famílias, consegue contornar a situação e oferecer outras saídas, inclusive convencendo o usuário e conseguindo sua anuência para realizar o tratamento”, disse.

Uma das maiores críticas a esse tipo de internação relaciona-se ao perigo de que elas sejam feitas indiscriminadamente, como forma de limpeza das ruas da cidade. O presidente do Conselho Estadual de Políticas sobre Drogas, Aloísio Andrade, diz que é pouco provável que isso aconteça, já que as internações nunca são feitas à revelia de laudos psicológicos. “Somos contra internações compulsórias mal indicadas, isso só será feito para proteger as pessoas”, disse.

Segundo Andrade, está sendo estudada a possibilidade de se criar a Associação de Proteção e Amparo ao Dependente (Apad), nos moldes como hoje funciona a Associação de Proteção e Amparo ao Condenado (Apac), com doação de terrenos das prefeituras, verba estadual e uso de trabalho voluntário.

Por enquanto, porém, ainda não há estruturas suficientes para receber os dependentes – e esse é o único ponto de concordância entre os especialistas. Se não há unanimidade sobre como tratar os dependentes, menos ainda se sabe sobre o pós-tratamento. O presidente da ONG Resgate Urbano, Helbert Souza, chama atenção para esse fato ao dizer que é ex-dependente e que o momento mais difícil sempre foi a saída dos meses internados. “É quando perdemos todo o apoio”, diz.

Tema divide opiniões

O assunto é polêmico. Internações compulsórias contam com defensores e acusadores igualmente munidos de bons argumentos. Durante a reunião que discutiu o assunto na ALMG, por exemplo, o deputado Adelmo Carneiro Leão (PT) surpreendeu ao dizer que perdeu um irmão vítima do abuso de drogas, mas, ainda, assim, é veementemente contra as internações compulsórias. “Quando observo como foram feitas e quais foram os efeitos que as internações compulsórias tiveram em várias momentos da história, como quando eram a política em relação aos doentes mentais, penso que essa não é a solução, não tenho nenhuma simpatia pela proposta”, disse.

Na mesma reunião, o representante da Federação Nacional das Comunidades Terapêuticas Católicas e Instituições Afins, Wesley Freitas, defendeu posição contrária. “Quando um paciente é diagnosticado com algumas doenças, ele é obrigado a se internar independentemente da sua vontade. Se não o fizer, ele e o médico podem até ser responsabilizados criminalmente. É o caso da tuberculose, por exemplo. É assim porque essa pessoa pode transmitir a doença e passa a ser um risco para outros. Com a droga é mesma coisa”, disse ele, que também é enfermeiro em um hospital de Governador Valadares.

A Comissão de Prevenção e Combate ao uso de Crack e outras Drogas da ALMG continua realizando reuniões e ouvindo especialistas de todo o Estado para tentar elaborar uma política mais eficaz no tratamento dos dependentes.

A próxima matéria da série sobre o enfrentamento ao crack será publicada na segunda (8).