Jaime Lerner critica cidades que separam trabalho de moradia
Em visita à ALMG, arquiteto apresentou sugestões de mobilidade e condenou o modelo atual de uso de automóveis.
06/06/2013 - 18:32A Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) recebeu nesta quinta-feira (6/6/13) o político e arquiteto Jaime Lerner, um dos urbanistas mais respeitados do mundo, pelas ações de mobilidade urbana que realizou em Curitiba, há mais de 30 anos. No Salão Nobre, o ex-prefeito da capital paranaense e ex-governador do Paraná compartilhou sua experiência com parlamentares e representantes de entidades que participam da organização do Fórum Técnico Mobilidade Urbana: Construindo Cidades Inteligentes, promovido pela ALMG. Lerner foi convidado formalmente para fazer a palestra magna de abertura da etapa estadual do fórum técnico, no início de julho. Na Assembleia de Minas, ele defendeu as cidades que valorizam seus moradores e criticou as que separam trabalho de moradia.
“Há três problemas com os quais vamos conviver e que são essenciais: a mobilidade, a sustentabilidade e a coexistência. Cidade inteligente é aquela que constrói em conjunto soluções para esses problemas”, afirmou Lerner, que comparou a cidade a uma tartaruga. “É uma estrutura de vida, trabalho e mobilidade juntos ao mesmo tempo. O casco representa uma tessitura urbana. O que aconteceria se cortássemos o casco da tartaruga? Com certeza ela iria morrer. Mas é o que acontece na vida das pessoas: vivem em um lugar e trabalham em outro”, disse. E completou: “Não se pode pensar as atividades econômicas separadas dos assentamentos urbanos. Vida e trabalho têm que acontecer juntos. Isso tem sido um diferencial quando se fala de mobilidade”.
Na visão de Lerner, a cidade não foi feita para separar as funções (trabalho, lazer etc), mas é o que está acontecendo nas grandes cidades do mundo, em que um contingente enorme da população se desloca da moradia para o trabalho, desperdiçando tempo, energia e qualidade de vida. "A cidade não foi feita para separar as funções". “Separar as pessoas por renda, cor, religião, funções não é bom. Cada vez que fazemos isso, não acontece coisa boa para a cidade”.
“Gostamos das cidades europeias porque são misturas de funções e de rendas. Diferentemente, a segregação traz mais inimigos e agressões”, afirmou. Lerner destacou que o segredo da convivência é as pessoas prestarem serviço umas para as outras. “Em grande parte das cidades em que não existem essas separações, as cidades são boas. Não existe corredor de transporte, existe uma estrutura de mobilidade, sustentabilidade e convivência juntas”, completou.
Jaime Lerner lembrou-se de quando foi prefeito pela primeira vez e não havia recursos de nenhuma natureza, nem audiovisuais. Ele e seu motorista levavam para os bairros uma maquete que mostrava como seria a cidade se respondesse a essas diretrizes. “Depois, quando eu já era governador, convidei esse motorista, que nunca havia andado de avião, para ir a Brasília comigo. Aí recebi o maior elogio da minha vida: quando ele viu a cidade de cima, ele falou: é igualzinha à maquete. A cidade ficou como havíamos pensado. A cidade é essa visão integrada”.
Carro e metrô não são soluções para o problema da mobilidade
“Começamos em 1974 um sistema simples. O grande mérito de Curitiba foi o compromisso com simplicidade e imperfeição. O transporte urbano começou com 50 mil passageiros por dia e hoje transporta 2 milhões diariamente”.
Nesse contexto, ressaltou o ex-prefeito de Curitiba, “é necessário parar de sacrificar gerações à espera de redes completas de metrô porque isso não vai acontecer nunca”. De acordo com ele, a discussão sobre mobilidade urbana sempre coloca um falso dilema, entre o carro e o metrô. “Nem o metrô nem o carro são soluções para esse problema”, disse.
Ele resume seu pensamento sobre essa questão da seguinte forma: Vamos continuar tendo carro para viagem e lazer, a indústria automobilística vai continuar produzindo carros, mas a maneira de usá-los é que vai mudar. Haverá algumas restrições. Mas para o itinerário do dia a dia, a solução é o transporte urbano público. O desafio é construir um sistema de qualidade que opere bem e que todos queiram usar porque é melhor. “Temos que fazer uma batalha contra a religião do automóvel. O carro é o cigarro do futuro; 75% das emissões de carbono se originam nas cidades. Então, é na cidade que devemos resolver os problemas, e metade dessas emissões vem do automóvel”.
Lerner disse que procura não dizer qual é o melhor sistema, embora acredite que o futuro está na superfície. “Tem que ser metrô esperto, táxi esperto, bicicleta esperta. Como em Paris, em que a bicicleta virou um transporte público”. Ele gosta da ideia do transporte público individual e está empenhado na ideia de fazer o menor carro do mundo. “Temos que encontrar um carro urbano. Não é só ter um carro elétrico. Ele precisa ser domesticado, não vai para a rodovia, vai acontecer junto com os outros sistemas de transporte”.
Ele acredita que a sustentabilidade é uma consequência dessas decisões. “Todo mundo quer ser sustentável”, afirmou, com ironia. “Os bancos, as companhias de telefone. Empreendedores imobiliários fazem condomínios separados da cidade, e porque tem vegetação próxima, dizem que estão fazendo construção sustentável. Não adianta sair de um edifício verde para outro edifício verde se você vai percorrer uma cidade que não é verde”.
Urbanista condena construção de estádios para a Copa
A Copa do Mundo recebeu críticas de Lerner. Para ele, o Brasil teve um servilismo muito grande em relação à Fifa. “Já havia estádios, foram construídos estádios a mais, não precisava. Nosso problema não é o estádio, é logística aérea e mobilidade urbana. Nossa logística aérea é a pior do mundo. É tudo centralizado em São Paulo, quando aeroportos de Confins, Rio e Campinas poderiam ser utilizados também com a mesma função”, comentou.
Sobre mobilidade urbana, avaliou que existe dinheiro no Brasil. “O que não existe é decisão, todo mundo tem medo de tomar decisão. As coisas acontecem quando os responsáveis assumem suas responsabilidades. Se você tem medo de assinar [as decisões], não assuma cargo público. Na verdade, nosso país está paralisado, com raras exceções, onde as coisas acontecem”.
Convivência – O arquiteto e urbanista afirmou que elaborou um projeto propondo São Paulo sem periferia. É o que já acontece, em certa medida, com os trens de subúrbio ligados às novas ocupações urbanas. “O projeto é para construir uma cidade ao longo de parques, utilizando transporte público e integrando faixas de rendas distintas. Precisamos de uma parte da população prestando serviço para a outra. Isso é que faz acontecer a qualidade da vida urbana. Qualidade que os mineiros definiram como gentileza urbana, uma excelente expressão. É preciso pensar sempre: em que eu posso melhorar a vida de meus semelhantes?”
"É preciso um compromisso com a imperfeição"
“Ouvi numa praça do México: mais vale a graça da imperfeição do que a perfeição sem graça. Para fazer as coisas, é preciso um compromisso com a imperfeição. A criatividade começa quando você tira um zero do orçamento. A sustentabilidade se inicia quando você corta dois zeros do orçamento. E a solidariedade é quando você aceita e respeita o outro”, ponderou.
Em sua avaliação, Belo Horizonte tem uma grande responsabilidade em dar exemplos importantes. “Tenho esperança de que aqui uma nova visão urbana comece a acontecer. Uma visão de que não temos todas as respostas, que começar é importante. E dar espaço para que a população te corrija quando não está no caminho certo. As coisas acontecem a partir de uma proposta, uma ideia e um cenário. Aí as pessoas vão responder se a proposta é interessante. Só então se chega a um projeto coletivo”.
Quando perguntam a ele o que é importante em uma cidade, Lerner responde: “Não é só resolver os problemas, é ter um sonho. Aí é que o projeto começa a acontecer. Pode ser o sonho de uma cidade que dê oportunidade para os jovens, por exemplo. É muito difícil realizar um sonho individual, mais ainda um sonho coletivo”.
“Vemos debates presidenciais sem cenário. As pessoas dizem coisas vagas: vou diminuir os impostos, criar mais empregos, mas é discussão sem sonho, sem cenário, sem propostas. Desconfie quando não há sonho”, alertou. Lerner observou que hoje não está mais na vida pública e faz uma espécie de “acupuntura urbana”. “Dou uma cutucadinha na cidade para despertar a energia para melhorar a vida das pessoas. Cada cidade vai encontrar um jeito para viver, e espero que seja para melhor”.
Mobilidade Urbana - O Fórum Técnico Mobilidade Urbana contempla várias etapas. Já está acontecendo a primeira delas, que é a consulta pública. Aberta até o dia 30 de junho, no Portal Assembleia, a consulta é uma forma de a ALMG escutar o que a população tem a dizer sobre os temas ligados ao evento. Um outro momento do fórum técnico será um ciclo de debates para nivelamento e discussão do conteúdo. A abertura será no Plenário, no dia 13 de junho. Em seguida, haverá encontros nas Regiões Metropolitanas do Vale do Aço (RMVA) e de Belo Horizonte (RMBH), além de processo de interiorização. Nos dias 4 e 5 de julho, acontecerá a etapa estadual do fórum na ALMG, encerrando o evento.