Lei que instituiu as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana prioriza transporte coletivo. Construção de BRT em Belo Horizonte faz parte do plano de mobilidade da Capital
Para o presidente da ALMG, a questão da mobilidade já não é mais um problema só das metrópoles
A implantação de ciclovias em BH também integra o plano de mobilidade da cidade
Vista de Ipatinga. Para a prefeitura, reestruturar o sistema de transporte e trânsito é prioridade
Osias Baptista destaca que poucas cidades se atentam à exigência da lei federal

Planos de mobilidade urbana desafiam municípios

Legislação federal determina que, até 2015, cidades com mais de 20 mil habitantes elaborem esse documento.

Por Ana Flávia Ferreira Junqueira
03/06/2013 - 08:05 - Atualizado em 23/01/2014 - 17:03

O que têm em comum a Capital mineira e os municípios de Juatuba, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), e Ipatinga e Santana do Paraíso, na Região Metropolitana do Vale do Aço (RMVA)? Todas essas cidades contam com população acima de 20 mil habitantes, segundo último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse é o critério, estabelecido pela Lei Federal 12.587, de 2012, para que municípios tenham que elaborar, até janeiro de 2015, um plano de mobilidade urbana atrelado ao plano diretor, sob pena de perderem recursos federais destinados à área.

A Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizou, em junho de 2013, o Fórum Técnico Mobilidade Urbana – Construindo Cidades Inteligentes, que também discutiu essa legislação e como os municípios mineiros podem se preparar para cumprir o determinado, além de outros assuntos que foram tratados em série de matérias. Também foram foco do evento as duas regiões metropolitanas do Estado, além de uma fase de interiorização.

Para o presidente da ALMG, deputado Dinis Pinheiro (PSDB), a questão da mobilidade já não é mais um problema apenas das grandes metrópoles. “Por essa razão, é essencial que os municípios menores já se preparem para enfrentar a questão, uma vez que a tendência é de a situação se agravar gradativamente. Com planos bem elaborados, que priorizem essencialmente o transporte coletivo, será possível evitar que o caos também chegue a eles”, ressalta. O parlamentar destaca ainda que o fundamental é que os municípios saibam fazer a leitura correta da situação local, definindo suas próprias prioridades, sem simplesmente importar modelos.

Segundo dados de 2010 do IBGE, Belo Horizonte tem 2.375.151 habitantes; Juatuba conta com 22.202; Ipatinga tem população de 239.468; e Santana do Paraíso, 27.265. Esse último, assim como Juatuba em relação à RMBH, é a menor cidade da RMVA a atender ao critério. Já Belo Horizonte é a maior cidade do Estado e Ipatinga, a maior do Vale do Aço.

São cidades de portes diferentes e com desafios distintos no que se refere à mobilidade urbana, mas que devem elaborar seus planos de mobilidade. Em Minas, existem 178 municípios nessa condição, segundo estimativas de 2010 do IBGE. Antes, a obrigação era imposta somente às cidades com mais de 500 mil habitantes.

Belo Horizonte - A Capital mineira saiu na frente de muitas outras cidades. A elaboração do plano de mobilidade foi iniciada em março de 2008 e encerrada em agosto de 2010, sendo, portanto, anterior à aprovação das legislações federal e municipal sobre o tema. O gerente de Coordenação da Mobilidade Urbana da BHTrans, Rogério Carvalho, explica que o Plano de Mobilidade Urbana de Belo Horizonte (PlanMob-BH) foi contratado pela empresa a partir de um diagnóstico preliminar.

“Durante seu desenvolvimento foram realizados seminários internos com técnicos da empresa, da prefeitura e discussões com a sociedade visando a validar as propostas nele apresentadas”, explica Carvalho. Ele ressalta ainda que o plano é um dos instrumentos orientadores das ações do município no que se refere ao transporte coletivo, individual e não motorizado com vistas a atender às necessidades atuais e futuras da mobilidade da população. Carvalho acrescenta que o instrumento contempla basicamente um diagnóstico da situação atual, um plano de gestão da demanda e de melhoria da oferta, além do plano de implantação e de gestão e monitoramento.

Algumas das propostas contidas no PlanMob-BH já estão sendo implementadas, como o sistema de Transporte Rápido por Ônibus (BRT), os primeiros trechos da rede cicloviária, a complementação do Boulevard Arrudas e a implantação da Via 210. “É importante lembrar que o planejamento é um processo e, periodicamente, o plano deve ser revisto para se adequar a novas realidades”, lembra o gerente, que acrescenta que a viabilização dos recursos financeiros necessários é a maior dificuldade para implantar o plano na cidade.

Cidades apontam desafios para a implementação de plano

Para a secretária municipal de Infraestrutura Urbana de Juatuba, Solange Aparecida da Silva, o maior desafio para a elaboração e implantação do plano de mobilidade urbana é a falta de profissional qualificado. A secretária explica que o município ainda não conta com o plano e que o assunto ainda não foi iniciado na cidade.

Solange ressalta que os problemas referentes à mobilidade urbana mais recorrentes no município são a falta de acessibilidade, de ruas pavimentadas, sinalização, transporte coletivo para alguns bairros e manutenção viária. “Falta também um setor responsável pelo trânsito na cidade”, complementa. Sobre esse assunto, ela diz que está nos planos da prefeitura a criação de um órgão ou um convênio com as Polícias Militar e Civil para esse fim.
 
A Secretaria Municipal de Planejamento de Ipatinga informa que a reestruturação do sistema de transporte e trânsito da cidade está entre as prioridades definidas no programa de governo da atual administração e é pauta de discussões no processo de revisão do Plano Diretor e das Leis Complementares. Ainda de acordo com a prefeitura, é preparado um estudo para formação de gestores, que vão apontar as diretrizes para a construção do plano de mobilidade.

De acordo com a Prefeitura de Santana do Paraíso, está sendo elaborado no município um termo de referência para contratar especialistas e consultoria adequada para a elaboração do plano de mobilidade. Uma das maiores dificuldades diz respeito à falta de orçamento e de conhecimento técnico da equipe.

A prefeitura informa que um agravante para o problema da mobilidade urbana nessa cidade é a distância entre os distritos e a sede. “Santana do Paraíso tem 276 km². Algumas comunidades, como Ipaba do Paraíso e Achado, não contam com nenhum tipo de transporte público. Temos ainda problemas maiores para acesso a locais como o aeroporto e bairros como Cidade Nova e Parque Caravelas, que pertencem ao município, mas para chegar a esses lugares, é preciso passar dentro de outras cidades”, acrescenta.

O Ministério das Cidades destaca que, por meio da Secretaria Nacional de Transporte e da Mobilidade Urbana, está finalizando um projeto de capacitação dos municípios para a elaboração dos seus planos de mobilidade.

Legislação - A Lei Federal 12.587 institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana e tem como objetivos melhorar a acessibilidade e a mobilidade das pessoas e cargas nos municípios. A matéria dá prioridade a meios de transporte não motorizados e ao serviço público coletivo, além de prever a integração entre os modos e serviços de transporte urbano.

Especialistas refletem sobre a lei que trata da mobilidade

Para o consultor em transporte e trânsito Osias Baptista Neto, poucas cidades estão se atentando à exigência dessa lei federal. Ele alerta que, com a possibilidade de terem cortados os recursos da União para a área caso não cumpram o determinado, as cidades podem contratar empresas que vão elaborar o plano de forma genérica.

Essa também é uma preocupação do consultor do Sindicato das Empresas de Transportes de Carga do Estado de Minas Gerais, Luciano Medrado. Para ele, a falta de conhecimento técnico será um dificultador para os municípios cumprirem o que determina a legislação. Segundo Medrado, faltam também para a implantação da lei recursos para investimento, planejamento e decisão política.

O assessor jurídico da BHTrans e autor do livro Comentários à Lei de Mobilidade Urbana, Geraldo Spagno, destaca que, nos trabalhos que presta a cidades do interior, escuta sempre que estão despreparados para os desafios da mobilidade. “Não há técnicos nem investimentos nessa área. A lei nacional veio chacoalhar o setor, e quem não se preparar, perderá o direito a recursos federais para a mobilidade”, diz.

O superintendente de Planejamento e Gestão de Infraestrutura Urbana e Rural da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional e Política Urbana (Sedru), Pedro Schultz Fonseca Baptista, ressaltou, em uma das reuniões preparatórias na ALMG, o trabalho para sensibilizar as cidades com mais de 20 mil habitantes no Estado. “Montamos questionário baseado na legislação para encaminhar às cidades a fim de saber o perfil de capacitação que teremos que fazer”, disse.

Crítica - O engenheiro de trânsito e delegado do Sindicato dos Transportadores Escolares da Região Metropolitana de Belo Horizonte, Nelson Prata, em seu artigo Mobilidade Urbana – Crítica, ressalta que a legislação federal sobre o assunto padece de incompletude e foco. De acordo com ele, o conceito abrange parcialmente a dimensão urbana e não alcança a dimensão extraurbana, cujos problemas são iguais ou até mais graves. Para o engenheiro, que é um dos participantes das reuniões preparatórias para o fórum técnico, a lei seria mais apropriada se fosse restrita ao trato da mobilidade nos transportes urbanos.

Esta é a última matéria da série sobre a mobilidade urbana.