Para Kátia Ferraz, o poder público precisa entender que o perfil populacional mudou

Entrevista - Acessibilidade é viver com autonomia

Esta é a opinião da presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Kátia Ferraz.

Por Ana Flávia Ferreira Junqueira
23/05/2013 - 08:00

Ao falar em mobilidade urbana, impossível não refletir sobre o tema da acessibilidade. Esse assunto faz parte do Fórum Técnico Mobilidade Urbana – Construindo Cidades Inteligentes, em formatação pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), que aborda o assunto em uma série de matérias.

Para a bacharel em tradução e interpretação, Kátia Ferraz, que também é presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência e do Centro de Vida Independente de Belo Horizonte, a acessibilidade ainda está engatinhando nas cidades. De acordo com ela, que milita há anos pela questão, acessibilidade é dar a possibilidade a todos de viverem com autonomia e de participarem plenamente dos diversos aspectos da vida nos vários espaços.

Como uma cidade inteligente deve tratar a questão da mobilidade urbana?
Discutir a cidade inteligente significa fazer um planejamento baseado na observação preliminar sobre quem são as pessoas que ocupam aquele espaço e o que elas precisam para se sentirem parte do contexto local. Fala-se de mobilidade urbana como o desejo de adquirir uma solução imediata de fazer o trânsito fluir, mas, na verdade, a vida do cidadão não está restrita a isso. Para que os órgãos públicos ou os concessionários do transporte coletivo exerçam seu papel, que vai além da oferta e cobrança pelos serviços, é preciso que seja desenvolvido um olhar democrático desvencilhado de preconceito e da negação de que o perfil populacional mudou, mas o sistema de veiculação dos serviços e sua oferta estão estagnados há pelo menos 30 anos. O momento atual requer uma mudança no modus operandi da gestão pública, o que não significa apenas fazer obras. A visão arraigada de que as soluções se resumem ao aporte financeiro precisa ser superada, reformulando os padrões de riquezas e empreendimentos onde vivem os cidadãos.

Como, então, superar essa visão arraigada?
Com sistemas alternativos de transporte, por meio de soluções sustentáveis como a prática do ciclismo e com a oferta de acessibilidade tendo em vista o modelo social existente hoje em que a população, pelo avanço da ciência, utiliza recursos científicos a favor da longevidade. Essa longevidade também decorre da utilização de tecnologia assistiva direcionada às pessoas com deficiência e também usada pelos cidadãos com mobilidade reduzida. O exercício de construção da cidade inteligente demanda hoje um trabalho muito maior, que a sociedade e as instituições ainda não perceberam. Se o fizeram, ainda não conseguiram incluí-lo nas possibilidades de trabalho e formulação de políticas públicas.

Como você conceitua a questão da acessibilidade?
São recursos de tecnologias assistivas, ações e iniciativas atitudinais, que tenham o objetivo de possibilitar às pessoas com deficiência e mobilidade reduzida e àquelas que precisam usar os mesmos recursos assistivos viver com autonomia e participar plenamente de todos os aspectos da vida e em todos os espaços.

Em reunião preparatória para o evento Mobilidade Urbana – Construindo Cidades Inteligentes, você levantou a questão de para quem é a cidade. As políticas públicas têm levado isso em conta?
As políticas públicas infelizmente ainda não contemplaram essa necessidade de mudanças. Se o gestor público tem nas mãos o poder de fomentar a realização das políticas, não pode se apegar a moldes pré-fabricados de gestão. O mundo mudou, as pessoas mudaram e querem outras referências para suas vidas. Devem existir mecanismos para propostas inovadoras de gestão, pessoas saudáveis, com direitos garantidos, trânsito com respeito e mais eficiente. O grande gargalo está na questão da falta de acesso à gestão pública, visto que ainda existe posicionamento antagônico nos interesses, e não de modo a somar esforços.

Comparativamente, as cidades têm se tornado mais acessíveis?
De forma muito lenta, pela falta de visão do que realmente significa acessibilidade. Quando os órgãos declaram oferecer acessibilidade, eles se baseiam em normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) ou do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), que vão de indicadores pelo símbolo internacional de acessibilidade com um espaço qualquer, e nem sempre oferecendo rampas ou plataformas que promovam segurança. É a falta do conhecimento do gestor em relação ao que o público precisa. A visão de que as pessoas já têm o suficiente para atender à necessidade delas faz com que se protelem ações que promovam a acessibilidade.

Quais as principais dificuldades enfrentadas pelas pessoas com deficiência no que tange à mobilidade urbana?
A falta de respeito aos seus direitos fundamentais, o que significa não oferecer o necessário a quem precisa. Essa falta de respeito é o reflexo do preconceito de que a pessoa com deficiência não precisaria estar no espaço comum da sociedade. É a partir da imaginação e conclusão pessoal que se constroem as barreiras arquitetônicas, ou seja, é uma questão cultural.

De que forma atua o Centro de Vida Independente de Belo Horizonte?
O Centro de Vida Independente de Belo Horizonte (CVI-BH) é uma organização do terceiro setor que trabalha como uma agência de informação e orientação, cujo objetivo é promover uma vida plena para as pessoas com deficiência, a partir de um referencial de inclusão social e de qualidade de vida para todos. O movimento de Vida Independente veio provar que a pessoa com deficiência tem capacidade plena para administrar seus interesses e obrigações com autonomia, de fazer suas escolhas e tomar decisões sobre o que é melhor para si. O primeiro Centro de Vida Independente foi fundado em 1972 em Berkeley (EUA). O primeiro CVI brasileiro foi fundado no Rio de Janeiro. Já o CVI-BH foi fundado em 1994.

A próxima matéria da série sobre a mobilidade urbana será publicada na segunda-feira (27).