Segundo levantamento do IBGE de 2010, em Minas Gerais, há mais de 4 milhões de pessoas com deficiência
Segundo Liza Prado, um dos desafios é estimular governos a desenvolverem medidas que garantam acessibilidade
Desenho universal prevê uso equitativo dos espaços, que não podem criar desvantagens a um grupo
Pedestres sofrem com buracos nas calçadas, desníveis e outros obstáculos

Cidades longe do ideal quando o assunto é acessibilidade

A questão deve ser considerada nas políticas de mobilidade urbana para uma cidade inclusiva.

Por Ana Flávia Ferreira Junqueira
20/05/2013 - 10:30

Para quem serve a cidade? Para Kátia Ferraz, presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência e do Centro de Vida Independente de Belo Horizonte (CVI-BH), esse questionamento que se relaciona à questão da acessibilidade, deve ser levado em consideração quando se fala em mobilidade urbana.

“A cidade é para os cidadãos. Cidade inteligente é um exercício de democracia, pois é contemplar todos os cenários que compõem o local de forma a atender todas as pessoas”, relatou durante uma das reuniões preparatórias para o Fórum Técnico Mobilidade Urbana – Construindo Cidades Inteligentes. O evento, que vem sendo formatado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) e vai acontecer a partir do próximo mês, aborda o assunto, que também é tratado em série de matérias.

A questão da mobilidade urbana permeia o assunto da acessibilidade universal. Esse último é entendido como o direito de todos os cidadãos de contar com acesso facilitado às instalações para onde pretendem se deslocar e aos serviços que querem obter. Segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, há 45 milhões de pessoas com deficiência no Brasil - cerca de 24% da população. Em Minas Gerais, segundo mesma pesquisa, esse número fica em 4.432.186.

“As pessoas com deficiência estão em todos os lugares”, ressalta Kátia Ferraz. Mesmo assim, grande parte das cidades brasileiras padecem com a falta de políticas de planejamento urbano adequadas. E a somatória dessas duas situações traz reflexos para a rotina dessas pessoas. E a cidade que deveria ser para todos, de certa forma, se torna excludente, como relata Kátia.

A presidente do CVI-BH explica que as políticas públicas para a acessibilidade são implantadas a passos lentos. “Isso decorre de uma visão estagnada sobre as pessoas com deficiência, que não são vistas como cidadãs. É como se não fossem consumidoras e não se deslocassem para lugar nenhum. O que é ofertado para esse público é como se fosse um favor. O preconceito incide sobre essas pessoas. E começa quando não são consideradas como parte da cidade”, diz.

Comissão - A deputada Liza Prado (PSB), presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência da ALMG, ressalta que a acessibilidade e a mobilidade urbana constituem o direito fundamental de ir e vir de qualquer pessoa. “Cabe ao Estado cumprir este dever dando condições de acessibilidade para todos, ainda que para isso sejam necessárias adaptações de modo a contemplar as pessoas com algum tipo de restrição de mobilidade ou deficiência”.

Segundo Liza Prado, há dois grandes desafios para os legisladores. “O primeiro é estimular governos municipais e estaduais a desenvolverem medidas que garantam a acessibilidade para todos, indistintamente. O segundo desafio é promover a discussão e ampliar a conscientização sobre os direitos da pessoa com deficiência”, explica.

A deputada destaca ainda o trabalho da comissão em promover políticas de integração social, em especial as de acessibilidade. Além disso, outra ação é a de fiscalização e acompanhamento dos programas governamentais, bem como a divulgação dos direitos das pessoas com deficiência.

Ideia de desenho universal deve ser considerada

O conceito de desenho universal, discutido desde a década de 60 em países como Japão, Suécia e Estados Unidos, busca reduzir as barreiras enfrentadas por pessoas com deficiência. Entende-se por universal todo produto que torna possível a realização ou a prática das atividades e tarefas cotidianas de todo ser humano, de modo a incluir as pessoas nos diversos segmentos, atendendo aos pressupostos da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Esse termo foi usado inicialmente pelo arquiteto americano Ronald Mace, em 1985. Mace praticou a arquitetura convencional no começo da carreira até optar pela proposta de criar ambientes que fossem acessíveis à maior parte das pessoas. Ele e outros profissionais pensaram, então, em princípios norteadores de projetos que tenham essa finalidade.

Um dos princípios é o do uso equitativo. A iniciativa não pode criar desvantagens ou estigmatizar qualquer grupo de usuários e deve ser utilizável por pessoas com habilidades diversas. Exemplo disso são as portas automáticas, com sensores, que se abrem sem exigir força física ou alcance das mãos.

O outro trata da flexibilidade de uso. O projeto precisa ser adaptado a um largo alcance de preferências e habilidades individuais e possibilitar que o usuário faça sua escolha. Um exemplo é um computador com teclado e mouse que possibilita a escolha entre os dois recursos e com softwares de sintetização de voz e leitura de texto.

Também um princípio é o uso intuitivo, que diz respeito à facilidade de entendimento, independente da experiência prévia e conhecimento dos usuários, como a fixação de mapas e placas informativas próximas aos acessos.

Princípio - A informação perceptível é outro ponto. O projeto deve comunicar informações efetivas ao usuário, independentemente das condições do ambiente e das habilidades sensoriais de cada um, como o uso de contrastes de cor para despertar a atenção. Outro conceito é o de tolerância ao erro, que prevê a minimização dos riscos de acidentes. Um exemplo é o de escadas e rampas com corrimão e piso antiderrapante.

Outro princípio é o de baixo esforço físico. O projeto deve ainda ser executado de modo que exija o mínimo de energia por parte do usuário, como a utilização de maçanetas de porta do tipo alavanca. Por fim, o tamanho e espaço para acesso e uso também devem ser considerados. Por exemplo, os balcões, caixas eletrônicos e aparelhos de telefone devem ser rebaixados para o uso de cadeirantes.

Coordenadoria - A coordenadora especial de Apoio e Assistência à Pessoa com Deficiência da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese), Ana Lúcia de Oliveira, ressalta a importância dos princípios do desenho universal. “É o desenho para todos e inclui, além das pessoas com deficiência, idosos e pessoas que estejam temporariamente com mobilidade reduzida, como por exemplo pessoas que quebraram a perna. Visa a objetos, equipamentos e estruturas para serem utilizados por todos”, diz.

Ana Lúcia destaca a especificidade disso para as pessoas com deficiência. “Com o direito à acessibilidade, será possível conquistar com mais facilidade os direitos à saúde, à educação, ao trabalho e ao lazer”. Para ela, o maior desafio ainda é a conscientização do direito da acessibilidade por parte de todos.

A Coordenadoria lançou, em dezembro de 2012, a cartilha "Municípios construindo acessibilidade: o que todo prefeito deve saber...". O objetivo foi dar subsídio aos gestores municipais mineiros, de forma a assegurar a acessibilidade às pessoas com deficiência. O conteúdo trata de problemas graves de mobilidade nas cidades e o caminho para resolvê-los.

Pedestres devem ter prioridade na mobilidade urbana

Quando se fala em acessibilidade, os pedestres também têm lugar de destaque. A questão abarca desde as calçadas disponibilizadas para esse público até a falta de políticas públicas que os priorizem, aliada à má educação de motoristas.

A organização não governamental (ONG) Mobilize Brasil fez, em agosto do ano passado, avaliação das calçadas de 12 capitais brasileiras. Belo Horizonte ficou na segunda posição. Apesar disso, os pedestres sofrem com buracos nas calçadas, rachaduras, desníveis e outros obstáculos. Por causa disso, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) executa o programa Amar BH, com o objetivo de melhorar a situação das calçadas em 20 avenidas da Capital.

São elas: Afonso Pena, Amazonas, Andradas, Antônio Abrahão Caram, Avenida C, Chaffir Ferreira, Contorno, Coronel Oscar Paschoal, Cristiano Machado, das Palmeiras, Dom Pedro I, Nossa Senhora do Carmo, Otacílio Negrão de Lima, Presidente Antônio Carlos, Presidente Carlos Luz, Professor Magalhães Penido, Raja Gabaglia, Santa Rosa, Silviano Brandão e Tereza Cristina.

Além disso, o programa pretende melhorar a acessibilidade e segurança de pedestres, recuperar e manter áreas verdes, limpar passeios e vias e despoluir o ambiente.

A próxima matéria da série sobre a mobilidade urbana será publicada na quinta-feira (23).