O principal tema abordado nas discussões foi a implantação da PPP que pretende cuidar do transbordo, tratamento e disposição final dos resíduos sólidos da RMBH
Atualmente, 44% dos municípios da RMBH ainda tratam de forma inadequada os resíduos
Participantes entregaram ao deputado André Quintão um projeto de lei que proíbe a incineração no Estado
Os catadores de material reciclável fizeram marcha até a sede da ALMG

Catadores defendem proibição da incineração de lixo

Categoria quer aperfeiçoamento de parceria público-privada para a gestão de resíduos sólidos da RMBH.

06/05/2013 - 16:03

Catadores de materiais recicláveis lotaram na manhã desta segunda-feira (6/5/13) o Plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) para discutir a gestão de resíduos sólidos da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). O debate público, promovido pela Comissão de Participação Popular, foi solicitado pelo deputado André Quintão (PT).

No evento, provocou polêmica um ponto do projeto do Estado, de parceria com o setor privado para tratamento e disposição final dos resíduos sólidos da RMBH. Trata-se da possibilidade de as concessionárias poderem utilizar a incineração como forma de destinação final dos resíduos, o que foi criticado por grande número de presentes ao evento.

André Quintão lembrou que a mobilização dos catadores já ajudou o Estado a avançar no tratamento dos resíduos urbanos. Ele ressaltou que em 2005 o seminário Lixo e Cidadania percorreu, a pedido do movimento dos catadores, as dez macrorregiões administrativas de Minas Gerais e ajudou na elaboração do anteprojeto de lei que deu origem à política estadual de resíduos sólidos, sancionada antes mesmo da lei federal. “O debate hoje dá sequência a essa caminhada histórica de parceria entre o Poder Legislativo e o movimento de catadores”, disse.

O principal tema abordado nas discussões foi a implantação da parceria público-privada (PPP) que pretende cuidar do transbordo, tratamento e disposição final dos resíduos sólidos da RMBH. O objetivo do projeto é fazer de Belo Horizonte a primeira região metropolitana da América com 100% do lixo tratado de forma ambientalmente correta. Hoje 44% dos municípios da região ainda tratam de forma inadequada os resíduos, que são dispostos em lixões ou aterros controlados. Resolver o problema na RMBH terá grande impacto em Minas Gerais, já que a região abriga 15% da população e produz um quinto do lixo do Estado.

Convidados criticam previsão de uso de incineradores

O novo projeto vai, segundo o  secretário de Estado Extraordinário de Gestão Metropolitana, Alexandre Silveira de Oliveira, desonerar os municípios, que constitucionalmente são os responsáveis pela gestão dos resíduos. “Por questões técnicas e orçamentárias, muitas cidades não têm conseguido implantar politicas adequadas nesse sentido. Por isso, o Estado vai assumir, de forma vanguardista, 80% dos custos”, afirmou. O município terá a obrigação de reciclar tudo o que for possível e, para cada tonelada de resíduos que deixar de ser entregue na estação de trasbordo por ter sido reciclada, o governo municipal receberá 50% do valor que o Estado pagaria à concessionária para tratar aqueles resíduos. “Não existe forma melhor de estimular a coleta seletiva”, afirmou.

A polêmica girou em torno da possibilidade de as concessionárias utilizarem a incineração como forma de destinação final dos resíduos. “Não adianta ter a meta de tratar 100% dos resíduos se isso for feito com incineração”, disse a procuradora do Trabalho do Paraná, Margaret Matos de Carvalho, em um dos pronunciamentos mais aplaudidos da reunião. Para ela, a incineração é um desastre dos pontos de vista social, ambiental e econômico. Primeiro, ela afirma que o que queima não é rejeito, mais sim material reciclável. Assim, isso significaria entregar o material reciclável, chamado pela política nacional de resíduos sólidos de “bem público”, para a iniciativa privada, ou seja, para a concessionária que ganhar as licitações. Carvalho também lembrou que a política nacional determina a adoção de tecnologias limpas e que incineração não pode ser assim classificada. Os danos à saúde da população do entorno dos incineradores também foram lembrados.

O representante da Comissão Técnica da Coalizão Anti-Incineração e em Defesa da Coleta Seletiva, Dan Moche Schneider, afirmou que não existe lixo suficiente para o incinerador e para coleta seletiva. “É uma questão clara de opção política”, disse. Ele ressaltou que a mobilização dos catadores ajudou a parar a construção de vários incineradores em cidades como São José dos Campos (SP) e Maringá (PR). “Os gestores públicos não devem deixar para o mercado a escolha da melhor rota tecnológica, pois os princípios que gerem o mercado são econômicos e não abrangem o bem-estar da população ”, disse.

Da mesma forma, o professor da UFMG e membro do Observatório da Reciclagem Solidária, Francisco de Paula Antunes Lima, defendeu que, se prevalecerem as condições atuais do edital para implantação da PPP, a incineração será a tecnologia de tratamento escolhida pela empresa vencedora. Essa escolha, segundo Francisco, deve-se ao  fato de que a licitação está baseada em dois critérios: o menor preço por tonelada destinada e a menor quantidade de lixo aterrado. “Esses critérios conduzem necessariamente para a escolha da incineração, que otimiza os resultados financeiros e gera menos problemas. Quando o Estado diz que não vai optar por nenhuma tecnologia, está deixando o espaço livre para a incineração entrar”, disse.

O coordenador do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis em Minas Gerais, Luiz Henrique da Silva, também demonstrou preocupação com a possibilidade da utilização da incineração, além de opinar pela ausência de estímulos para que os municípios realizem a coleta seletiva. Ele ainda defendeu que sejam garantidos recursos dentro do orçamento para a coleta.

Para reforçar a solicitação pela proibição da incineração, representantes da Asmare, da Cooperativa de Catadores de Itaúna (Coopert) e do Instituto Nenuca de Desenvolvimento Sustentável (Insea) entregaram ao deputado André Quintão um projeto de lei que proíbe a incineração no Estado.

Dinis Pinheiro diz que lei pode proibir incineradores

Diante das manifestações, o presidente da ALMG, o deputado Dinis Pinheiro (PSDB) disse que se esse é o maior gargalo do projeto, ele está disposto a lutar pela aprovação de uma lei, juntamente com o deputado André Quintão, proibindo incineradores no Estado. “Se é esse o  problema, vamos sepultá-lo de vez”, disse. Dinis Pinheiro também reafirmou o protagonismo de Minas Gerais ao tentar estimular a coleta seletiva e destacou, nesse sentido, a Bolsa-Reciclagem, que já beneficia mais de mil catadores no Estado.

André Quintão alertou ainda para outra possível solução do problema, ao propor a modificação do texto do edital, excluindo o processo de incineração como destino final dos materiais descartados.

A presidente da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), Zuleika Torquetti, disse que o desafio é grande e que desde 2003 o programa Minas sem Lixões tenta solucionar a questão no Estado. “Há dez anos, apenas 20% da população era atendida por aterros sanitários adequados. Hoje esse índice é de 58%. Ainda há muito para avançar”, disse.

Ela lembrou que um dos caminhos para ampliar a implantação de aterros são os consórcios intermunicipais, já que muitos municípios não produzem resíduos em escala suficiente nem teriam verbas orçamentárias para buscar soluções individuais. Segundo ela, já são 100 desses consórcios em funcionamento e 40 em processo de implantação em todo o Estado.

Itaúna implanta sistema modelo de coleta de lixo

O prefeito de Itaúna, Osmando Pereira da Silva, apresentou a política de coleta seletiva do município, que teve início em 2002 e hoje já é realizada em toda a cidade. Por mês, segundo o prefeito, são recolhidas 400 toneladas de lixo reciclável, das quais 70% são reaproveitadas e comercializadas pela Coopert.

A adesão da população e a correta separação dos resíduos, segundo Osmando, devem-se à simplificação do processo que incentiva a separação em apenas dois tipos: o lixo seco, que é reciclado, e o lixo molhado, que é encaminhado para o aterro sanitário. “A comunicação foi facilitada, foram realizadas campanhas educativas e o resultado foi a participação em massa da comunidade”, explicou.

Debate - Durante os debates, o deputado Adelmo Carneiro Leão (PT) expressou sua preocupação com a necessidade de melhoria das condições de trabalho dos catadores, com o pagamento de salários dignos, melhores condições de vida e capacitação. Sobre a bolsa-reciclagem, o parlamentar destacou a importância do incentivo, mas afirmou que é preciso que ela avance para que os recursos orçamentários sejam garantidos para todos.

Para o deputado Antônio Carlos Arantes (PSC), é necessária a conscientização dos gestores públicos, mais do que da própria população. “Os resíduos sólidos não devem ser tratados como problema. A correta destinação, além de limpar o meio ambiente, é uma oportunidade de renda e  emprego”, disse.

Para potencializar as ações de gestão dos resíduos sólidos e inclusão social dos catadores, o subsecretário de Estado do Trabalho, Hélio Rabelo, informou que o Governo de Minas desenvolve um programa que irá beneficiar 79 municípios, sendo 47 da RMBH, sete da Zona da Mata, 16 do Vale do Jequitinhonha e nove do Norte de Minas. Nesse programa serão investidos, inicialmente, R$ 8 milhões.

Marcha pelas ruas de BH pede mais apoio à coleta seletiva

Pela manhã, os catadores de material reciclável saíram em marcha do Centro de Defesa dos Direitos Humanos e da População de Rua e Catadores de Materiais Recicláveis, no Barro Preto, até a sede da ALMG. Representantes dos catadores de João Monlevade, Itabirito, Sarzedo, Itaúna, Carmo do Cajuru e Papagaios estavam presentes. Os manifestantes defenderam a coleta seletiva e a não incineração do material reciclável.