Prefeitura de BH ampliará Consultórios de Rua
Equipes de assistência a usuários de drogas são dirigidas a populações de rua.
04/05/2012 - 18:29O anúncio, pela Prefeitura de Belo Horizonte, de que ampliará o serviço de Consultórios de Rua para atendimento aos usuários de drogas foi um dos destaques da audiência pública realizada nesta sexta-feira (4/5/12) pela Comissão Especial para o Enfrentamento do Crack, criada pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Apesar de bem recebido, o anúncio feito pela coordenadora de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde, Rosemeire Aparecida da Silva, foi considerado insuficiente pela presidente do Conselho Regional de Psicologia, Marta Elizabeth de Souza, que cobrou mais investimentos públicos no setor.
O objetivo da audiência pública foi debater os diversos modelos de assistência terapêutica aos usuários de drogas, especialmente do crack, e aos pacientes psiquiátricos. Profissionais do setor falaram sobre os Consultórios de Rua implantados na Capital; comunidades terapêuticas, que permitem internação; redução de danos, que dão assistência a usuários sem que estes abandonem a droga; grupos de ajuda mútua, como os Narcóticos Anônimos; Centros de Assistência Psicossocial Álcool e Drogas (CapsAd), que priorizam o atendimento ambulatorial; e internação compulsória.
De acordo com Rosemeire Silva, existem hoje em Belo Horizonte duas equipes de Consultórios de Rua, que atendem os usuários de crack da Pedreira Prado Lopes (Região Noroeste) e as crianças de rua da Avenida dos Andradas (Região Centro-Sul). É um modelo de assistência idealizado e financiado pelo Governo Federal em reação ao crescimento da população de rua usuária de crack. “Escolhemos regiões com maior concentração de moradores de rua e uma maior presença das drogas”, afirmou a coordenadora.
Rosemeire afirmou que o trabalho realizado desmistificou a ideia de que as crianças de rua da Avenida dos Andradas são usuárias de crack. “Usam as mesmas drogas que se usava há 30 anos: tiner e loló”, afirmou. As duas novas equipes que serão implantadas pela Prefeitura atuarão nas Regiões Norte e Oeste de Belo Horizonte. Marta Elizabeth de Souza, do Conselho Regional de Psicologia, fez um apelo aos deputados para que pressionem a União, o Estado e os municípios a investirem muito mais. “Isso é pouco, é muito pouco. Precisamos de mais, pelo menos nas regiões mais populosas do Estado. Que tenha pelo menos leitos em hospitais gerais para fazer a desintoxicação”, cobrou.
Agressão – Por outro lado, os deputados estaduais prometeram cobrar da Polícia Militar providências para apoiar a atuação dos Consultórios de Rua, diante da informação de que um integrante das equipes foi agredido por um policial militar. O deputado Vanderlei Miranda (PMDB) sugeriu que a PM designe policiais com formação sobre direitos humanos para que deem apoio às equipes da PBH. Célio Moreira (PSDB) solicitou que a comissão visite o Comando da Polícia Militar para tratar do assunto. Atendendo pedido de Rosemeire Silva, o deputado Paulo Lamac (PT), presidente da comissão, solicitou que a coordenadora seja convidada a acompanhar os deputados nessa visita. As sugestões foram transformadas em requerimentos.
Divergências entre adeptos dos diferentes modelos terapêuticos permearam a reunião, especialmente entre os que defendem a internação e os militantes da luta antimanicomial. O delegado regional da Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas (Febract), Ronaldo Guilherme Vitelli Viana, criticou os que associam essas comunidades ao modelo manicomial. “Isso é uma inverdade”, garantiu. A coordenadora da Comunidade Terapêutica Terra da Sobriedade, Carolina Couto, falou sobre o modelo e disse que, em muitas instituições, o atendimento sem internação também é adotado. Ela ressaltou, no entanto, que essas entidades recebem pacientes graves, que necessitam de atenção constante e não são atendidos satisfatoriamente pelas instituições ambulatoriais do poder público.
O coordenador clínico do Centro Mineiro de Toxicomania, psicanalista Oscar Antônio de Almeida Cirino, admitiu que as comunidades terapêuticas preenchem um vácuo nas políticas públicas. “É fundamental que sejam criados centros de acolhimento”, defendeu. Ele falou sobre os CapsAd, criados em 2002 para serem o principal equipamento público de assistência ambulatorial aos usuários de drogas. O modelo segue a linha antimanicomial. “Saúde e liberdade não podem se opor”, afirmou Cirino, ao explicar o modelo, que presta serviços de atenção diária de base comunitária, sem internação. Segundo o coordenador, são 223 centros no Brasil e 21 em Minas Gerais. “Registramos que cerca de 35% dos usuários retornam para procurar o serviço”, afirmou o psicanalista, considerando que o resultado positivo.
O diretor do Núcleo de Estudos sobre Álcool e Drogas do Instituto Ajudar, Anderson Matos, cobrou uma postura dos profissionais de saúde menos apegada a bandeiras e mais focada para resultados práticos. Ele disse apoiar a luta antimanicomial, mas chamou atenção para o fato de que quase a totalidade das famílias que procuram assistência querem a internação dos dependentes. “Trabalhamos para reverter isso, mas precisamos levar em conta que uma família que pede isso está passando por um grande sofrimento”, afirmou. Ele também chamou atenção para o fato de que os hospitais psiquiátricos já enfrentam problemas de vagas porque não conseguem atender a demanda por internação compulsória.
Outras formas de tratamento produzem resultados
As explanações dos especialistas foram permeadas por um breve momento de debate. Após a discussão, um representante do Narcóticos Anônimos (N.A.) falou a respeito do trabalho deste grupo de ajuda mútua, que atua proporcionando um ambiente favorável ao abandono do vício. "Cada um escolhe a sua forma de se curar e essa foi a forma que escolhi e que funcionou comigo", afirmou. O grupo teve origem nos Alcoólicos Anônimos e usa os mesmos 12 passos para ajudar seus membros a se recuperar. A apresentação se concluiu com a exibição de um vídeo institucional sobre o N.A.
A diretora do Centro Mineiro de Toxicomania, Raquel Martins Pinheiro, falou a respeito da estratégia de redução de danos. Ela conceituou-a como sendo uma abordagem do usuário, que tem como objetivo minimizar os danos correlatos ao uso das drogas. "Não nos cabe julgar. Temos de dar oportunidades a todos de se tratarem. Nosso acolhimento é amplo e fazemos o que é possível. O objetivo final não é a abstinência, mas sim um contato mais próximo com os usuários, garantindo sua inclusão social e cidadania", afirmou. Ela ressaltou, ainda, que existe um "vácuo" entre os recursos destinados pelo Governo Federal e os municípios. "O Estado precisa se apresentar mais, há pouca verba destinada a isso. Nesse sentido, a Assembleia pode nos ajudar", completou.
Por fim, o psiquiatra Gustavo Luiz de Castro Nunes falou a respeito das diferenças entre a internação involuntária e a compulsória. Ele explicou que a primeira está relacionada à debilidade da vontade, quando o paciente se encontra em estado muito grave e perde a capacidade de julgamento. "A internação segue critérios clínicos, é solicitada por um parente ou representante legal e deve ser comunicada ao Ministério Público Estadual", explicou. Já a compulsória é determinada por um juiz, que arbitrariamente estabelece um tempo de tratamento e não dá ao doente a chance de uma segunda opinião. Ele classificou este tipo de internação como sendo uma "atitude higienista".