Recuos na política de saúde mental preocupam especialistas

Possíveis retrocessos na política pública do setor foram debatidas em audiência da Comissão de Direitos Humanos.

19/10/2011 - 09:55

Preocupações com possíveis retrocessos na política pública de saúde mental foram debatidas em audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, na noite desta terça-feira (18/10/11). A reunião, realizada no Instituto Santo Tomás de Aquino, foi realizada a requerimento do presidente da comissão, deputado Durval Ângelo (PT), e integrou a programação da Jornada de Saúde Mental e Direitos Humanos, organizada pela instituição.

Para o deputado, o grande desafio da saúde mental é ser tratada de forma ampla, dentro da perspectiva da saúde pública. Ele ressaltou a residência terapêutica como uma alternativa às internações convencionais, mas considera que faltam investimentos nesse modelo de tratamento. “Nossa sociedade é capitalista e há muito interesse no modelo de internação tradicional”, afirmou, acrescentando que é preciso mudar essa cultura.

O argumento de abordar a saúde mental de forma mais abrangente foi reforçado pelo próprio deputado com dados do Censo Penitenciário que apontam que, em Minas Gerais, por exemplo, 80% das prisões têm como causa direta ou indireta as drogas. Entre as mulheres, em 50% dos casos a droga é a responsável direta e, entre os homens, esse índice é de 39%.

Militantes temem retorno de modelo de internações psiquiátricas

O fortalecimento de iniciativas voltadas para a internação das pessoas com sofrimento mental também preocupa a conselheira do Conselho Regional de Psicologia da 4ª Região, Marta Elizabeth de Souza. Na opinião dela, a reforma psiquiátrica, possível apenas em função da criação do Sistema Único de Saúde (SUS), estaria ameaçada em função do que chamou de privatização da saúde. “A reforma psiquiátrica seria impossível se a saúde não fosse colocada como uma direito de todo cidadão”, argumentou.

A psicóloga disse que hoje, 30 anos depois da luta antimanicomial, há 18 mil pessoas morando em hospitais psiquiátricos no Brasil. Marta de Souza teme que estejam ocorrendo recuos nas conquistas iniciadas na década de 80 e questionou: “Onde estão os recursos para os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), para as residências terapêuticas e para os leitos nos hospitais gerais?”.

Sílvia Maria Soares Ferreira, membro da Associação dos Usuários do Sistema de Saúde Mental (Asussam), também acredita que há muitas violações aos direitos das pessoas com sofrimento mental e discorda dos caminhos que a política de saúde mental está tomando. Ela citou relatório recente que informa que, entre 2006 e 2009, ocorreram 250 mortes em hospitais psiquiátricos de Sorocaba.

Crack – Sílvia Ferreira ainda criticou a ênfase que vem sendo dada pelos governos e pela mídia para o aumento do uso do crack, tratado como epidemia, e a política de internação compulsória. “Como ter sucesso em um tratamento de saúde, qualquer que seja, sem o paciente aderir a esse tratamento?”, questionou. Ela ainda afirmou que é preciso vencer o modelo da Bíblia e da enxada nas comunidades terapêuticas e respeitar as liberdades individuais. Na opinião de Sílvia, o modelo de internação dos dependentes de álcool e drogas pode significar um recuo nas conquistas da luta por políticas públicas de saúde mental.

A integrante do Fórum Mineiro de Saúde Mental, Ana Maria Magalhães Pinto, fez um relato de sua história pessoal desde que teve seu primeiro surto, em 1970, quando foi diagnosticada com transtorno afetivo bipolar. Os sofrimentos e atrocidades vividos nos hospitais por onde passou e o despreparo dos médicos que a acompanharam nos momentos de crise reforçam sua posição contrária às internações, mesmo de dependentes de álcool e drogas. Ela discorda da exclusão social das pessoas em tratamento e acredita que o isolamento pode ser “a ressurreição dos manicômios”. Uma alternativa para esse modelo, na opinião de Ana Maria Pinto, seria mais investimento nos Caps.

Hospital Colônia, de Barbacena, chegou a ter 5 mil internos

A história do Hospital Colônia de Barbacena, que chegou a ter 5 mil internos sem nenhum plantonista para acompanhá-los, foi contada pelo diretor do Centro Hospitalar Psiquiátrico dessa cidade, Jairo Furtado Toledo. Ele explicou que, nos anos 70, a maioria dos 1.800 pacientes internados no hospital não eram doentes mentais e sim pessoas diferentes na sociedade. Essas pessoas, segundo o depoimento de Jairo Toledo, eram conduzidas para internação não por profissionais da saúde, mas por autoridades políticas, policiais ou religiosas da época.

Ele ainda relatou que, no cemitério do hospital, construído junto com o manicômio, há 60 mil pessoas enterradas. Embora não haja registros orais ou escritos sobre isso, o psiquiatra acredita que elas não eram sepultadas nos cemitérios comuns por não serem consideradas cidadãs.
Sobre o Museu da Loucura e o Festival da Loucura, em Barbacena, o médico explicou que a intenção é mostrar a loucura não como doença, mas como diferença. 

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