Para Criméia Schmidt,
Familiares de desaparecidos políticos criticam proposta de criação da Comissão Nacional da Verdade

Debatedores fazem críticas ao formato da Comissão da Verdade

A discussão sobre o tema aconteceu durante o Debate Público Sala Escura da Tortura, da Comissão de Direitos Humanos.

27/09/2011 - 18:00

Da forma como foi aprovada, no último dia 21, na Câmara dos Deputados, a chamada Comissão da Verdade, destinada a apurar violações dos direitos humanos entre 1946 e 1988, período que inclui a ditadura militar, não responde aos anseios de familiares de mortos e desaparecidos políticos nem da maioria das entidades de defesa dos direitos humanos. Foi este o pensamento que predominou entre os expositores que participaram, na tarde desta terça-feira (27/9/11), do painel "Comissão da Verdade e da Justiça", no Teatro da Assembleia Legislativa de Minas Gerais.

O painel encerrou o Debate Público Sala Escura da Tortura, promovido pela Comissão de Direitos Humanos da ALMG e realizado ao longo de dois dias, segunda-feira (26) e terça-feira (27). Os palestrantes lamentaram que o Congresso não tenha promovido, antes, um amplo debate com a sociedade e criticaram o texto aprovado, que, segundo eles, resultou não em uma Comissão da Verdade e da Justiça, mas em uma Comissão da Verdade limitada, que não responsabiliza nem exige a punição dos torturadores que atuaram durante a ditadura militar.

Contradição – A presidente da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, Criméia Alice Schmidt de Almeida, apontou "falhas graves" no texto da lei, como, por exemplo, a garantia de informações sigilosas, segundo ela "uma contradição", já que o objetivo da Comissão da Verdade é justamente o de restaurar a verdade histórica. Para ela, "o Congresso perdeu uma grande oportunidade de fazer justiça". Diante disso, acha que as entidades de defesa dos direitos humanos e todos os que discordam do texto aprovado devem lutar para que ele seja modificado quando da votação no Senado.

Laura Petit da Silva, também membro da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, fez um relato pessoal sobre a perda de três irmãos na guerrilha do Araguaia. Segundo ela, a família passou os últimos 40 anos lutando para resgatar os corpos dos parentes. "Minha mãe levou mais de 20 anos para poder sepultar o corpo de minha irmã caçula, e acabou morrendo sem recuperar os corpos de meus irmãos mais velhos. Isso é uma tortura cotidiana, que sofremos permanentemente", resumiu. "Por isso, exigimos a responsabilização dos culpados e a punição dos torturadores e esperamos que o Estado brasileiro cumpra a sentença da Corte Interamericana (da OEA), localize os mortos, abra os arquivos da ditadura e puna os culpados", disse.

Segundo ela, o país, ainda hoje, conta com "enclaves autoritários", no Congresso, na mídia e nas Forças Armadas, entre outros segmentos sociais que pressionam para que os fatos não sejam apurados em sua totalidade e para que os torturadores não sejam punidos. As mesmas considerações foram feitas, também, pelos demais expositores, como Criméia de Almeida, a vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, do Rio de Janeiro, Vitória Grabois, a coordenadora do Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania, Heloisa Greco, e a professora e coordenadora editorial Eliete Ferrer, organizadora do livro "68, a geração que queria mudar o mundo".

Deputado rende tributo aos que lutaram contra a ditadura

Coordenador da mesa do debate, o presidente da Comissão de Direitos Humanos, deputado Durval Ângelo (PT), destacou que "a democracia só foi possível graças à luta, à dor e ao sofrimento dos companheiros daquela geração" e considerou importante cobrar a punição dos culpados "em tributo àqueles companheiros e para que a história não se repita". O deputado Adelmo Carneiro Leão (PT) também reforçou a necessidade de punição dos culpados.

Vitória Grabois, fez um histórico sobre as lutas que marcaram a sua geração, contra a ditadura militar, e lamentou que esse seja um período da história muito pouco estudado. Ela também criticou o governo por não ter tido "a coragem de levar à frente uma Comissão da Verdade e da Justiça", preferindo atender a "acordos espúrios". Lembrando que o ditador Pinochet foi condenado no Chile e Jorge Rafael Videla, na Argentina, disse que "o Brasil é o país mais atrasado em termos de direitos humanos, porque aqui os ditadores e torturadores morrem de doença e não na cadeia". Segundo ela, a violência e a tortura, hoje, se dirigem aos pobres, negros, favelados e moradores das periferias.

Massacres – O mesmo foi dito pela professora Eliete Ferrer, para quem a tortura é prática comum ainda hoje nos cárceres e delegacias de todo o país. "A história do Brasil é a história do massacre dos pobres", disse. Como os demais, ela exigiu, também, a divulgação dos nomes dos torturadores e o fim da impunidade.

Heloisa Greco confirmou que "o Brasil é o país dos massacres" e lembrou que em fins de agosto se completaram 40 anos do massacre de Buritis, em que morreram, entre outros, Carlos Lamarca. Mencionou também o massacre do presídio de Carandiru, em São Paulo, há 19 anos, e os 15 anos do massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará. Elua criticou a Comissão da Verdade aprovada no Congresso e disse que para haver justiça de transição seria necessário o total desmantelamento do aparelho repressivo do Estado. "A Comissão da Verdade que foi aprovada é uma aberração histórica e jurídica", sentenciou.

Justiça de transição – Pela manhã, o tema debatido no Sala Escura da Tortura foi "Justiça de Transição", conceito que visa definir um tipo de justiça adequada à transição de regimes ditatoriais para regimes democráticos. A justiça de transição pressupõe, entre outros princípios e valores, a necessidade de recuperar a verdade dos fatos, a responsabilização criminal e punição dos culpados e a restauração da dignidade das vítimas.

Aplicado à Comissão da Verdade, o conceito gerou polêmica. Alguns presentes entenderam que, limitada como está, a Comissão da Verdade não pode ser classificada de Justiça de Transição. Outros, porém, acreditam que ela pode ser, sim, um primeiro passo nesse sentido.

Participaram dos debates, pela manhã, Tatiana Ribeiro de Souza, professora do Centro Universitário Newton Paiva; Lúcia Rodrigues Alencar Lima, coordenadora do Instituto Frei Tito de Alencar; José Luiz Quadros de Magalhães, professor do Centro Universitário Newton Paiva, e Rosane Cavalheiro Cruz, coordenadora de Projetos da Comissão de Anistia.

Audiência suspensa gerou críticas

À tarde, o debate contou com a participação de diversos segmentos sociais e categorias profissionais, como professores em greve, alunos do curso de direitos humanos da Prefeitura de Contagem, o grupo Mulheres Pela Paz, também de Contagem, além de ambientalistas e moradores do município de Lagoa Santa, que protestaram contra a poluição causada pelas empresas Cimento Lis e Mineradora Soeicon.

Alguns participantes reclamaram pelo fato de não ter sido realizada audiência pública conjunta das Comissões de Direitos Humanos, Saúde e Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, convocada para discutir os aspectos da fabricação do cimento no Estado. Na ocasião, eles pretendiam denunciar poluição provocada por algumas empresas na região de Lagoa Santa.

Em resposta, o deputado Adelmo Carneiro Leão (PT), declarou-se igualmente surpreendido pela suspensão da audiência e admitiu que a Assembleia Legislativa e as comissões devem explicações aos manifestantes. Frisou, entretanto, que a Assembleia é um espaço plural, que tem sempre os espaços abertos a todas as correntes de pensamento e a todos os que queiram se manifestar e assegurou que certamente a audiência suspensa será remarcada.

O Debate Público foi encerrado com uma performance teatral, à qual se seguiu o lançamento de três livros sobre temas relacionados à tortura, à ditadura militar e à geração de 68, e a inauguração da exposição "Sala Escura da Tortura".

Veja o resultado do Debate Público.