Eventos culturais na Barragem Santa Lúcia continuam
ameaçados
Os eventos culturais que permitem a venda de
bebidas alcóolicas só voltarão a ser realizados na Barragem Santa
Lúcia, zona Sul de Belo Horizonte, a partir do ano que vem se
atenderem às exigências de segurança impostas pela Polícia Militar e
pelo Ministério Público. A advertência é do major Marco Antônio
Ferreira Espósito, comandante da 124ª Companhia Especial da PM,
responsável pela segurança naquela área. Ele foi um dos
participantes da audiência pública realizada nesta terça-feira
(9/8/11) pela Comissão de Cultura da Assembleia Legislativa de Minas
Gerais.
Tais eventos estão proibidos este ano, o que
motivou a reunião, cujo objetivo foi debater essas restrições
reclamadas pela comunidade. Em função da medida, deixaram de ocorrer
espetáculos já tradicionais como o Reveillon da Barragem, que durou
13 anos; o CarnaFavela, que ocorreu de 2007 a 2010; e o Morro Feliz,
que vinha sendo realizado desde 2003 ininterruptamente.
Em maio, o Conexão Vivo só foi autorizado após
cercar a área do show e suspender a venda de bebidas alcóolicas.
Outra exigência, segundo o major, é a colocação de detectores de
metal na entrada da área cercada. Ele informou, ainda, que outras
festas como o Carnaval do Santo Antônio (Santo Bando) e do São Bento
(Sou Bento, mas não sou Santo) também podem ser suspensos.
Segundo o oficial, a suspensão dos eventos em 2011
foi definida de comum acordo com representantes da própria
comunidade, como medida de prevenção de segurança. Ele informou que,
em 2010, foram registrados 20 homicídios, a maior parte na orla da
lagoa.
A justificativa do major foi contestada por todos
os outros participantes da audiência pública. O representante da
comunidade Morro do Papagaio, uma das vilas do aglomerado Santa
Lúcia, Marcos Guimarães Silva, afirmou que este ano já foram
registrados 15 homicídios na área. "Ainda estamos em agosto e nenhum
evento foi realizado este ano", contrastou.
Representantes de outras comunidades do aglomerado
e o presidente da Comissão de Cultura, deputado Elismar Prado (PT),
foram unânimes ao considerar que a realização de projetos culturais,
ao contrário, reduz a violência. Marcos Silva, responsável pelo
reveillon, disse que nos 13 anos da festa não foi registrado
qualquer incidente. "Antes de 1998, a média era de 10 a 12
homicídios entre 30 de dezembro e 1º de janeiro", comparou.
Para o deputado Elismar Prado, a violência e o uso
de bebidas alcóolicas não podem ser motivos de suspensão das festas,
porque são problemas sociais e generalizados que ocorrem em lugares
diversos, como em boates, no trânsito, nas escolas, em estádios e em
bares, e com pessoas de todas as classes sociais. Em sua opinião, o
Estado precisa assegurar o direito do acesso à cultura e à segurança
pública a todo cidadão. "A solução não pode ser trancafiar o cidadão
em casa. Esta medida está equivocada", defendeu.
O diretor da Assessoria de Assuntos Sociais de
Vilas e Favelas de Minas Gerais, Cristiano da Silva, conhecido como
Cris do Morro, lamentou que 22 eventos deixaram de ser realizados
este ano. Ele alertou para o risco de aumento da violência em função
da repressão. Fabiano Ricardo da Silva, presidente do Centro de
Defesa Coletiva da Vila Santa Rita de Cássia, lembrou que a
realização desses eventos transforma a vida de muitas crianças e
adolescentes já envolvidas com a marginalidade. "A arte é muito mais
forte que a violência. O jovem que carrega uma arma passa a carregar
um cavaquinho", afirmou, ao lembrar que foi o que aconteceu consigo
mesmo.
Moradores entendem restrições como
preconceito
A suspensão dos eventos culturais na Barragem Santa
Lúcia, um aglomerado que reúne vilas e favelas ao redor de vários
bairros nobres, foi considerada como preconceito pelos participantes
da reunião. Um dos motivos foi que foram mantidos as festas do fim
de ano da Pampulha e da Praça da Estação, locais considerados mais
nobres. "Entender o povo pobre como sinônimo de violência é errado",
atentou Elismar Prado.
"Mata-se na porta do Chevrolet Hall e ninguém fala
nada", reclamou Marcos Guimarães Silva, referindo-se à morte de um
torcedor do Cruzeiro em frente a uma casa de espetáculos particular
também na zona Sul. Cris do Morro afirmou que o cercamento das áreas
dos shows constrange os moradores. "O pessoal não aceita ser
enjaulado como bicho".
Além do preconceito, o produtor cultural Maurílio
Kuru Lima, da Cria Cultura Produção e Desenvolvimento Artístico,
responsabilizou a falta de informações sobre os critérios para a
realização de shows exigidos pelos poderes públicos. Segundo ele, as
exigências variam em cada batalhão ou área da cidade. Ele sugeriu
que se fizesse um manual para padronizar as regras e evitar os
problemas comuns.
O deputado Elismar Prado anunciou que enviará as
notas taquigráficas para a Prefeitura de Belo Horizonte e para o
Ministério Público Estadual para que seja encontrada uma solução
para o problema. Ele também vai sugerir uma visita da comissão à
área para conhecer de perto os problemas da vila.
Presenças - Deputados Elismar Prado (PT), presidente; e Carlos
Mosconi (PSDB) e deputada Luzia Ferreira (PPS),
vice-presidente.
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