Erradicação da miséria depende de articulação entre
governos
Para a erradicação da miséria na Região
Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), é fundamental a articulação
entre os diversos órgãos das três esferas de poder (municipal,
estadual e federal). A avaliação é dos especialistas que
participaram, na tarde desta sexta-feira (10/6/11), do último painel
do Ciclo de Debates Estratégias para a Superação da Pobreza,
promovido pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais.
Para articular as ações voltadas para o combate à
miséria, o Governo do Estado criou o Comitê Travessia, que está
realizando um diagnóstico do problema a partir de visitas feitas de
casa em casa na RMBH. Esse diagnóstico é que vai subsidiar as
intervenções públicas necessárias ao enfrentamento da pobreza
extrema, segundo a assessora de Articulação, Parceria e Participação
da Governadoria do Estado, Tatiana Lemos Sandim.
A coordenadora de Programas de Transferência de
Renda da Prefeitura de Nova Lima, Maria de Fátima Monteiro de
Aguiar, acrescentou que o Fórum de Desenvolvimento Metropolitano é
um importante espaço de articulação e troca de experiências sobre
programas como o Bolsa-Família, uma das principais ações previstas
no plano Brasil sem Miséria, do Governo Federal. Ela destacou que a
convergência de ações das várias esferas de governo é fundamental
para a identificação das pessoas que vivem na extrema pobreza.
Quem também defendeu a atuação integrada do governo
foi o integrante do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais
Recicláveis, Luiz Henrique da Silva. Ele citou a criação do comitê
interministerial, que se desdobrou em políticas públicas voltada
para os catadores, como exemplo a ser seguido em Minas, com a devida
integração das várias secretarias de Estado. "Queremos ser
reconhecidos pelo trabalho prestado e ter qualidade de vida",
afirmou.
Apesar dos avanços recentes, ainda há
desafios
Apesar dos avanços nos últimos anos, o número de
pessoas vivendo em situação de extrema pobreza em todo o Brasil
ainda é muito grande: são 16 milhões de pessoas, o equivalente a
8,6% da população do País, como lembrou a coordenadora de Programas
de Transferência de Renda da Prefeitura de Nova Lima, Maria de
Fátima Monteiro de Aguiar. A RMBH foi a região metropolitana que
apresentou a maior redução no número de pessoas em extrema pobreza
entre 2002 e 2009: a queda foi de 35,5%.
Apesar de ter apenas 3% de sua população vivendo
com renda per capita inferior a R$ 70 por mês, a RMBH permanece como
uma das regiões mais desiguais do País, de acordo com a assessora de
Articulação, Parceria e Participação Social da Governadoria do
Estado, Tatiana Lemos Sandim. Um dos principais problemas a serem
enfrentados é a baixa escolaridade da população, segundo Tatiana.
Ela mostrou dados de Mateus Leme, onde metade das pessoas vivendo na
extrema pobreza enfrentam alguma privação na área da educação, como
pouco tempo de estudo, por exemplo.
Entre os desafios já superados no enfrentamento da
miséria, estão o aumento do nível de emprego, a valorização do
salário mínimo e a ampliação dos programas de transferência de
renda. O grande desafio atual, na opinião da representante da
prefeitura de Nova Lima, são os chamados efeitos da pobreza, que
também podem ser considerados causas do problema, num ciclo vicioso.
Ela citou como exemplos a desnutrição, a discriminação social, a
baixa escolaridade, a falta de oportunidades de emprego e a falta de
acesso a saneamento por parte da população mais pobre.
O integrante do movimento Hip Hop Chama, Flávio da
Silva Pena, fez um relato contundente dos problemas enfrentados pela
população que mora nas favelas da RMBH. Flávio, que vive na
comunidade de Morada da Serra, em Ibirité, em uma frase resumiu o
drama dos jovens em situação de extrema pobreza: "A juventude vive
num estado de miséria, dentro de um barraco, muitas vezes convivendo
com um pai alcoólatra ou usuário de crack, e muitas vezes procura na
escola o espaço para construir sua identidade".
O problema, como lembrou o rapper, é o ambiente com
professores cansados e desmotivados, o que acaba afastando os jovens
da escola. "O professor finge que está ensinando, o aluno finge que
está aprendendo, e o Estado finge que está pagando (os educadores)",
afirmou Flávio. Fora da escola, a única opção de lazer que lhe
sobrou foi pichar muros.
Para reverter essa situação, Flávio trabalhou no
programa Fica Vivo, do Governo do Estado, onde conseguiu levar
adolescentes que trabalhavam nas chamadas "bocas de fumo" para suas
oficinas de rap. Dos 20 jovens com quem trabalhou, sete se tornaram
multiplicadores de sua mensagem, que valoriza a educação como forma
de reafirmar a auto-estima e combater a discriminação. O rapper
defendeu que a redução da pobreza deve começar pela mobilização das
pessoas para a importância da educação.
Reforma agrária é proposta para combater pobreza no
campo
A superação da pobreza no campo passa,
necessariamente, pela reforma agrária, pela valorização das culturas
tradicionais e pelo conhecimento das realidades locais. Estes são
alguns dos pontos listados pelos palestrantes do painel sobre
pobreza no campo, na tarde desta sexta-feira (10), no Ciclo de
Debates Estratégias para a Superação da Pobreza.
O subsecretário de Estado de Agricultura Familiar,
Edmar Gadelha, defendeu que a superação da pobreza no campo só será
possível com a identificação das realidades vividas. Para ele,
qualquer política para ter sucesso, neste setor, tem que começar
pela erradicação do analfabetismo, pelo acesso à terra, pela
valorização do conhecimento tradicional, pelo acesso à moradia e por
uma política de documentar os camponeses.
A coordenadora nacional das Comunidades Quilombolas
de Minas Gerais, Sandra Maria da Silva, afirmou que para erradicar a
pobreza entre os descendentes de escravos é necessário realizar a
titulação imediata das áreas ocupadas por eles. Para tal, ela pediu
aos deputados que seja desarquivado o Projeto de Lei 1.839/07, da
Comissão de Direitos Humanos, que assegura o direito à propriedade
dos territórios quilombolas.
Segundo Sandra, existem 460 comunidades em todo o
Estado, mas apenas uma, Porto Coris, obteve o título porque foi
deslocada de seu local original para dar lugar à Usina de Irapé, em
Leme do Prado (Vale do Jequitinhonha). Estão em tramitação no
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) 127
processos de titulação das terras quilombolas, dos quais dez já
foram identificados e delimitados. "Para nós, comunidades
tradicionais, a ideia de riqueza e pobreza é muito diferente da
visão capitalista. A principal riqueza está na terra", defendeu.
Na opinião do cacique Mezaque da Silva de Jesus,
coordenador do Conselho dos Povos Indígenas de Minas Gerais, além do
acesso à terra é preciso que as políticas de combate à pobreza
respeitem a cultura e a realidade de cada povo. Ele lamentou que a
miséria esteja instalada nas comunidades indígenas, cujas terras
estão sucateadas e improdutivas e onde faltam saúde, educação,
saneamento e acesso viário. "É preciso quebrar a invisibilidade dos
indígenas para avançarmos nas conquistas", sugeriu.
Movimentos sociais propõem mudança no modelo de
agricultura
Para Wellington Emiliano Morais, da Via Capesina, o
problema está no modelo de agricultura implantado no País e seguido
por Minas: o modelo capitalista, que privilegia o agronegócio.
Segundo ele, a superação da miséria no campo passa por uma mudança
de perspectiva. "Não adianta combater a pobreza, é preciso combater
suas causas".
Ele destacou ainda como um dos grandes entraves
para superação da miséria nos campos de Minas Gerais o incentivo à
silvicultura, com a expansão da cultura do eucalipto para a
siderurgia e a disponibilização de terras devolutas para tal
cultivo. "Segundo dados do Instituto de Terras de Minas Gerais
(Iter), há 11 milhões de hectares de terras devolutas nas mãos de
empresas. Pelo menos alguma parte deveria estar nas mãos dos
agricultores familiares", acrescentou.
Segundo ele, o Estado precisa encarar a questão da
concentração de terras e criar subsídios agrícolas e de
comercialização da produção desse segmento. Wellington Morais
reivindicou ainda que o Estado garanta cursos técnicos para os
agricultores familiares e educação no campo, além de incentivo à
formas cooperadas de produção e redes de distribuição da pequena
produção.
Os mesmos benefícios foram sugeridos pelo
representante da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar
(Fetaemg), Vilson Luiz da Silva, que enfatizou que todas as
conquistas dos trabalhadores foram resultado de muita luta, e não de
concessões. Ele também sugeriu acesso à água e energia, assistência
técnica e organização da produção, além da redução de juros e
recursos maiores para crédito do pequeno produtor.
Ação - O deputado André
Quintão (PT), que coordenou o ciclo de debates, ressaltou que os
caminhos para se combater a pobreza já são conhecidos. "O que falta
agora é ação", defendeu. Ele lembrou que a discussão sobre o combate
à miséria terá continuidade no segundo semestre, quando será
realizado o seminário legislativo sobre políticas públicas para a
erradicação da pobreza e a redução das desigualdades.
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