Burocracia impede agricultores de Itamarandiba de cultivar suas
terras
Há quatro anos o agricultor José Raimundo da Silva
está impedido de plantar café e criar gado em sua pequena
propriedade rural. Ele vive no entorno do Parque Estadual da Serra
Negra, em Itamarandiba (Vale do Jequitinhonha), teve suas terras
desapropriadas, não recebeu indenização e não tem mais de onde tirar
o sustento da família. "Meu pasto acabou, minha lavoura acabou, não
tenho como pagar minhas dívidas", lamentou o agricultor, em reunião
da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas
Gerais realizada em Itamarandiba nesta quarta-feira (8/6/11).
A situação de José Raimundo da Silva se repete com
cerca de 150 famílias, segundo o deputado Délio Malheiros (PV). O
representante da Associação dos Defensores e Amigos da Serra Negra,
Luiz Fernando Alves, relatou que muitas dessas famílias, impedidas
de continuar praticando agricultura de subsistência em suas pequenas
propriedades rurais, chegam a passar fome e se veem obrigadas a
emigrar para a cidade. Guardas florestais estariam ameaçando multar
os que insistem em plantar, de acordo com o presidente da
associação, Délcio Aparecido. "O Estado nos colocou numa situação de
ilegalidade e não diz quando vai nos pagar", reclamou.
O Parque da Serra Negra foi criado em 1998, mas até
hoje apenas três agricultores que tiveram as terras desapropriadas
para compor a unidade de conservação foram indenizados pelo Estado,
de acordo com o deputado Délio Malheiros. Segundo o parlamentar,
nove proprietários, cujas indenizações somam R$ 1,498 milhão, já
estariam com os processos concluídos pelo Instituto Estadual de
Florestas (IEF). Mas esses processos tiveram que ser remetidos à
Advocacia-Geral do Estado (AGE), que assumiu a responsabilidade
pelas indenizações após o escândalo de corrupção envolvendo a
diretoria do IEF em agosto do ano passado, conforme Délio
Malheiros.
A situação encontrada em Itamarandiba se repete em
todo o Estado. Ao todo, 320 mil hectares de terras de parques
estaduais ainda não foram regularizadas, de acordo com o diretor de
áreas protegidas do IEF, Ronaldo José Ferreira Magalhães. Na
avaliação do ex-conselheiro estadual de Política Ambiental, Eduardo
Nascimento, o problema é que o Estado pode fazer as desapropriações
sem ter um levantamento do número de pessoas atingidas pela criação
dos parques. Ele estima em 15 mil o número de pessoas atingidas em
todo o Estado.
Biodiversidade - A Serra
Negra integra a Cordilheira do Espinhaço, formação rochosa única no
País. Com 1,1 mil quilômetros de extensão, o Espinhaço, onde se
encontram os biomas da mata atlântica, do cerrado e da caatinga,
abriga grandes reservas de água e mais de 4 mil espécies de plantas.
Segundo o professor do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG,
Geraldo Wilson Fernandes, o Parque da Serra Negra tem grande beleza
cênica, e foi criado para conter a deterioração ambiental da região,
agravada pela monocultura do eucalipto e pelo avanço da mineração.
"Muitas espécies já devem ter sido extintas e não sabemos, porque
até hoje não foi feito nenhum estudo", lamentou.
IEF revê limites do Parque da Serra Negra
A vice-diretora do IEF, Adriana Ferreira da Silva,
que assumiu o cargo há dez dias, disse não saber de onde partiu a
ordem impedindo os agricultores de continuarem cultivando suas
terras enquanto esperam pela indenização. Segundo ela, a AGE precisa
de 15 técnicos, como agrônomos e topógrafos, para vistoriar as
terras desapropriadas antes de proceder às indenizações. Ela
informou que estão sendo revistos os limites do Parque da Serra
Negra, que abarcou áreas sem valor ambiental, e pediu sensibilidade
do Ministério Público, para que os agricultores tenham o direito de
continuar plantando até serem indenizados.
O presidente da Comissão de Direitos Humanos,
deputado Durval Ângelo (PT), que solicitou a reunião, chamou de
"molecagem" a atuação do IEF, e cobrou que as indenizações sejam
pagas sem tanta burocracia. Ele disse que vai cobrar do órgão um
prazo para esses pagamentos, e assumiu o compromisso de apresentar
uma emenda ao Orçamento do Estado prevendo a destinação de recursos
para indenizações aos proprietários rurais da Serra Negra.
O deputado Délio Malheiros disse que as terras
foram subavaliadas e defendeu a revisão dos valores que serão pagos
aos agricultores. Ele também garantiu que vai cobrar da AGE
explicações para o atraso nos pagamentos.
Presenças - Deputados
Durval Ângelo (PT), presidente; e Délio Malheiros (PV). Também
participaram da reunião o representante da prefeitura de
Itamarandiba, sargento Sílvio Henrique Bravo; e o padre Ricardo
César da Costa.
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