Qualificação é alternativa contra desemprego causado pela
mecanização
O fortalecimento da agricultura familiar e a
qualificação do trabalhador rural podem ser alternativas ao
desemprego gerado pela mecanização da colheita de cana. A opinião é
de participantes da audiência pública realizada, nesta segunda-feira
(30/5/11), em Araçuaí, pelas Comissões de Participação Popular e do
Trabalho, da Previdência e da Ação Social da Assembleia Legislativa
de Minas Gerais.
Estimativas da Pastoral do Migrante apontam que 50
mil trabalhadores deixam o Vale do Jequitinhonha anualmente para a
safra da cana em São Paulo. Muitos enfrentam condições subumanas de
trabalho, mas o fim da colheita manual, exigido por decreto federal,
traz, por outro lado, a ameaça do desemprego.
O coordenador do setor de migração temporária da
Pastoral do Migrante, José Carlos Alves Pereira, argumenta que a
mecanização do corte de cana já surte efeito sobre o trabalho na
região. Em 2005, segundo ele, eram 100 mil trabalhadores nessa
atividade. No entanto, o fim da atividade não será súbito. "Na
região de Ribeirão Preto, em São Paulo, o mecanização está prevista
para até 2014. Mas os trabalhadores estão indo para outros estados e
outras regiões.", afirma. Ele cita dados, atribuídos ao Ministério
do Trabalho, que apontam para a dispensa de 150 mil cortadores de
cana até 2014, 30 mil deles originados de zonas rurais dos
municípios do Médio Jequitinhonha.
Esse quadro leva entidades que apoiam esses
trabalhadores a reivindicar investimentos na agricultura familiar,
para que o cortador de cana tenha opções de geração e renda em sua
própria região. José Carlos lista necessidades como água potável e
para o plantio, recursos, capacitação, educação, saúde e lazer como
essenciais para o desenvolvimento dessa agricultura. Ele lembra
ainda que a média de escolaridade do cortador de cana no Brasil é de
3,2 anos, e que esse trabalhador não consegue se inserir em outra
atividade.
Água - Na fase de debates,
moradores também enfatizaram o problema da falta de água e
compararam o Vale do Jequitinhonha com algumas regiões do Nordeste,
que têm produtos agrícolas para a exportação, em função de terem
água para o plantio.
Pesquisadora defende diagnóstico para orientar
política pública
Claudilene da Costa Ramalho, professora do
Departamento de Serviço Social da Universidade Federal dos Vales do
Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), defende que seja feito um
diagnóstico profundo da situação para orientar as políticas
públicas. "Foi preciso chegar a mecanização para esse problema ser
discutido", criticou.
Segundo ela, os trabalhadores migrantes têm que
cortar, em média, dez toneladas de cana por dia. Caso contrário, são
devolvidos à região, onde geralmente chegam com problemas sérios de
saúde e encontram as mulheres deprimidas pela solidão e pela
sobrecarga de trabalho.
O assessor da Federação dos Trabalhadores na
Agricultura (Fetaemg), Rômulo Luiz Campos, afirmou que cada máquina
de colher cana desemprega 115 trabalhadores e que o processo de
mecanização ocorrerá também no café e no eucalipto. Ele disse
desconfiar da motivação ambiental e cobrou a proteção aos
trabalhadores prometida pelos governos, quando da edição da norma
pelo fim da queima de cana. Rômulo sugeriu a criação de um órgão que
centralize a contratação desse migrantes para garantir condições de
trabalho.
A diretora-suplente do Sindicato dos Trabalhadores
Rurais de Virgem da Lapa, Maria das Graças Teixeira Santos, também
relatou a situação dos cortadores e de suas famílias. "Só quem vive
sabe o que é", definiu
Prefeitos - Vários
prefeitos citaram experiências de cortadores de cana de seus
municípios e a dificuldade de inserção desses trabalhadores em outra
atividade. Eles solicitaram ações com resultados rápidos, sobretudo
para garantir água às famílias que vivem no campo e para desenvolver
a agricultura. Alguns também citaram o decreto do fim da mecanização
como uma oportunidade de desenvolvimento das regiões do Vale, já que
muitos municípios ainda tem na atividade do corte temporário de cana
a principal fonte de renda de seus habitantes.
A atração que São Paulo exerce sobre os
trabalhadores, a chance que esse emprego, quando formal, dá de
comprar uma moto e de ter o seguro desemprego também foram
mencionadas por prefeitos. São benefícios que as atividades
incentivadas no Vale, como o artesanato, não oferecem facilmente.
Daí a opção dos moradores pela migração.
Representantes do Governo dizem estar à
disposição
O superintendente de Formação Profissional da
Secretaria de Estado do Trabalho e Emprego, Agnos Rodrigues, colocou
a secretaria à disposição para pensar um plano estratégico de
qualificação dos trabalhadores do Jequitinhonha.
Ele lamentou que até mesmo o Sistema Nacional de
Emprego (Sine) faça encaminhamentos de trabalhadores para o corte de
cana, mas argumentou que esses cortadores, pelo menos, saem do Vale
com um contrato, com a carteira assinada e com a certeza de que não
serão escravizados. De janeiro até o início de maio deste ano,
quatro mil cortadores de cidades do Médio Jequitinhonha foram
encaminhados pelo Sine, sendo 90% deles para São Paulo.
Já o diretor-geral do Instituto de Desenvolvimento
do Norte e Nordeste de Minas (Idene), Rúbio de Andrade, citou ações
do governo, entre elas o Plano de Combate à Pobreza Rural, que
destinará, neste ano, R$ 20 milhões para projetos em áreas rurais.
Segundo ele, o governador Antonio Anastasia também determinou, há 15
dias, que cada órgão e entidade do governo apresente pelo menos
cinco projetos relevantes, nas diversas áreas, para os Vales do
Jequitinhonha e do Mucuri e o Norte de Minas.
Deputados cobram articulação dos poderes
O presidente da Comissão de Participação Popular e
autor do requerimento para a audiência, deputado André Quintão (PT),
salientou que a mecanização, que traz preocupação social, já que é a
fonte de renda de milhares de pessoas, pode ser também uma
oportunidade. "Será preciso desenvolver estratégias de
desenvolvimento econômico sustentável para criar oportunidade de
emprego e renda aqui na região. Desde agora estamos convocando
poderes públicos e segmentos econômicos para que não cheguemos em
2014 com uma explosão de desemprego", afirmou. Ao final da reunião,
ele ponderou que falta articulação entre os poderes e uma estratégia
articulada para a região.
A deputada Rosângela Reis (PV), presidente da
Comissão do Trabalho, prometeu empenho para fazer um diagnóstico do
problema e buscar soluções. "A comissão tem buscado alternativas
para as dificuldades dos trabalhadores, para qualificar, para dar
condição de inserção no mercado de trabalho. Essa é uma luta
suprapartidária", afirmou. Rosângela também destacou que nunca se
ouviu falar tanto em Jequitinhonha como nessa Legislatura da ALMG.
"Que possamos dar essa condição para que a população de Minas possa
viver de maneira tranquila e com qualidade de vida", completou.
O deputado Luiz Henrique (PSDB) citou ações
desenvolvidas na Assembleia e também a agenda política do governo
que, segundo ele, tem priorizado o Jequitinhonha/Mucuri e o Norte.
"De cada R$ 3 investidos pelo governo, R$ 2 são para essa região",
afirmou.
O deputado citou ainda a transformação da Sedvan,
de secretaria extraordinária voltada para a região para uma
secretaria definitiva, e a criação da Subsecretaria de Agricultura
Familiar. Ele anunciou ainda que apresentará um projeto de criação
de um fundo para o desenvolvimento regional. "Agora vamos ter
exploração de minério de ferro e precisamos exigir a construção de
um modal ferroviário", afirmou.
Presenças - Deputada
Rosângela Reis (PV), presidente da Comissão do Trabalho, da
Previdência e da Ação Social, e deputados André Quintão (PT),
presidente da Comissão de Participação Popular, e Luiz Henrique
(PSDB). Compuseram também a mesa prefeitos de Araçuaí, Aécio Silva;
de Berilo, Lázaro Neves; de Francisco Badaró, José João; de Santo
Antonio do Jacinto, Raniene José da Silva; de Rubim, Evandro Tiago;
e de Jequitinhonha, Roberto Botelho. Também participaram da
audiência vereadores de vários municípios, além de vice-prefeitos,
secretários municipais, e lideranças de trabalhadores.
|