Caldas reivindica estudo e plano emergencial sobre lixo
nuclear
A elaboração de um estudo epidemiológico e de um
plano emergencial foram algumas das reivindicações apresentadas pela
comunidade de Caldas (Sul de Minas), durante audiência pública da
Assembleia Legislativa, realizada nesta terça-feira (12/04/11), na
Câmara de Vereadores daquele município. Convocação conjunta das
Comissões de Minas e Energia e de Meio Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável, a audiência teve por objetivo debater a situação do
lixo nuclear estocado nas instalações das Indústrias Nucleares do
Brasil (INB), em Caldas, e as consequências para a comunidade e
região.
Antes da audiência, os parlamentares mineiros
visitaram a Unidade de Tratamento de Minérios da INB, para verificar
as condições de armazenamento de material radioativo no local.
Caldas foi o primeiro complexo de extração e concentração de urânio
do País para abastecimento das usinas de Angra dos Reis (RJ). Em
1995, a INB, empresa estatal originária da antiga Nuclebrás,
encerrou suas atividades de mineração de urânio na região, mas
mantém, em suas instalações locais, desde os anos 1980, material
radioativo proveniente da Usina de Santo Amaro (Usam), em São
Paulo.
São 12 mil 424 toneladas de torta II, material
composto por tório e urânio, estocadas em condições questionadas na
audiência por prefeitos e vereadores da região e pelo Ministério
Público. "Esse é um material indesejável que nos foi imposto", disse
a vereadora Regina Maria Batagini, vice-presidente da Câmara
Municipal de Poços de Caldas, reivindicando que ele volte ao seu
local de origem. "Todo esse produto pertence à Comissão Nacional de
Energia Nuclear (CNEN), uma situação esdrúxula do ponto de vista
jurídico-administrativo, pois o mesmo órgão que é o dono é também o
responsável pela fiscalização", criticou. A situação também foi
condenada pelo promotor de Justiça da Comarca de Caldas, José
Eduardo de Souza Lima. Ele cobrou que o Estado exija da União uma
solução definitiva para o problema.
MP aponta evidências de contaminação e quer plano
emergencial
"A INB não vem cumprindo ao longo dos anos as
diretrizes estabelecidas pela própria Comissão Nacional de Energia
Nuclear", denunciou o promotor de Caldas sobre o armazenamento do
material radioativo em galpões da indústria, que é subordinada à
CNEN e vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Segundo ele,
esse descumprimento é citado em ofícios da própria comissão, que,
embora seja o órgão regulador, não tem tomado as providências que
seriam necessárias. "A sociedade não pode ficar à mercê disso. O
Estado tem que tomar uma posição a respeito dessa situação
gravísssima", frisou.
José Eduardo contestou, ainda, a informação da INB
de que o material armazenado na indústria não apresenta riscos à
saúde. Ele afirmou que há evidências de que já houve o
transbordamento de material como urânio para a bacia de Águas
Claras, devendo prejudicar também o Ribeirão das Antas com impactos
sobre o meio ambiente da região. "Documentos da CNEN e do Ibama
evidenciam que o empreendimento não está sendo conduzido de forma
sustentável", pontuou.
Contingência - Segundo o
promotor, o Ibama, em visita à indústria em 2008, encontrou
serpentes mortas e ratos mumificados em galpões onde está a torta
II, oriunda do estado de São Paulo, armazenada em cerca de 19 mil
bombonas e tambores, alguns dos quais estariam deteriorados e
corroídos pelo tempo.
O MP move ação civil pública para que a INB prove
que a indústria não oferece riscos ao meio ambiente e à saúde da
população e, em caso contrário, aponte as medidas que deverá cumprir
para sanar os prejuízos. O promotor sugeriu a formação de uma
comissão para que, junto com deputados, mantenha um encontro sobre o
assunto com o governador e com o secretário de Estado do Meio
Ambiente, além da implementação de um plano de contingência, com
integração entre os órgãos de Defesa Civil municipais e do Estado
para atuação em casos de necessidade ou de emergência, e da
realização de um estudo sobre a incidência de radioatividade na
região de Caldas.
Deputado diz que não se pode esperar mais 11 anos
por solução
O deputado Dalmo Ribeiro (PSDB), autor do
requerimento da visita e da audiência pública conjunta das duas
comissões, lembrou que há 11 anos foi realizada na ALMG audiência
com o mesmo objetivo. "Voltamos para pôr fim às indagações e
questionamentos e verificar se avançamos. Esse é um assunto de saúde
pública e de segurança para a população e a sociedade quer uma
resposta", cobrou o parlamentar. Ele fez um "chamamento cívico" para
que todas as esferas de governo e entidades representadas na
audiência, que lotou a Câmara, busquem uma solução para que a
situação na região não se prorrogue por mais 11 anos.
Dalmo frisou a importância de que a população tenha
acesso a informações transparentes sobre as condições na indústria.
"A falta de informação gera incertezas", disse o deputado, que
apresentou vários requerimentos de providências a serem votados na
ALMG, entre eles um de agendamento de uma reunião na CNEN para
discutir o assunto e de realização de avaliação técnica do material
estocado para sua retirada imediata da cidade, caso se conclua que
apresenta riscos para a população e o meio ambiente.
O presidente da Comissão de Minas e Energia,
deputado Célio Moreira (PSDB), frisou que a ALMG dará publicidade a
todos os encaminhamentos adotados. "Este é um trabalho em defesa da
vida, da cidade e do Estado", ressaltou o parlamentar.
Desenvolvimento - Durante
as discussões, a paulistana Tomiko Born, da Ong Oportunidade,
revelou que mora em Caldas há oito anos. "Vim em busca de calma, mas
diante desses fatos não podia ficar imune a essa situação", relatou.
Políticos e representantes das comunidades de Caldas, Poços de
Caldas e Andradas também manifestaram preocupação com o fato de o
armazenamento de material radioativo em Caldas prejudicar ainda o
desenvolvimento do turismo na região. "Estamos sofrendo, sobretudo,
para alavancar o turismo regional e sendo prejudicados por falta de
informações claras", enfatizou o prefeito de Andradas, Ademir dos
Santos Perez. Para o prefeito de Caldas, Hugo Camacho, a situação
piorou na última década.
Estado disponibiliza técnico - O representante da Superintendência Regional de Meio Ambiente
e Desenvolvimento Sustentável do Sul de Minas (Supram), Luciano
Junqueira de Melo, esclareceu que não cabe ao Estado a fiscalização
da INB, e sim à CNEN, mas colocou à disposição técnicos para avaliar
a situação nas instalações da indústria e para verificar se há
contaminação em bacias e ribeirões da região, comprometendo-se a
divulgar os resultados. "Fiquei mais uma vez chocado com os impactos
da atividade da indústria e com a falta de monitoramento das
condições ambientais", registrou ele, que também acompanhou a
visita.
Empresa diz que não há evidência de
contaminação
O diretor de Recursos Minerais da INB, Otto
Bittencourt, afirmou não haver evidência de contaminação na região
de Caldas em função da presença da torta II. Segundo ele, a
radioatividade é um campo complexo. "Não há na INB riscos
mensuráveis à saúde" disse, ao mostrar gráficos e quadros sobre os
índices estimados para diversas fontes de exposição. Durante a
visita, o físico da INB, Delcy de Azevedo Py Júnior, disse que as
cerca de 12 mil toneladas de torta II têm que ser guardadas, já que
o tório, um dos combustíveis do futuro, é material estratégico. A
INB contratou uma empresa canadense que está elaborando um plano de
descomissionamento da indústria, processo pelo qual uma empresa se
retira da atividade devolvendo sua área em condições de uso para
outros fins acordados. Segundo o diretor de Recursos Minerais da
indústria, esse processo só terá sucesso no caso da INB se houver
uma conjugação de esforços entre todos os envolvidos, como CNEN,
Ibama, comunidades e sociedade em geral.
Os deputados visitaram também a cava da mina de
urânio da indústria, atividade encerrada, e onde o diretor da
empresa afirmou que há diversos pontos de monitoramento permanente
da qualidade da água. Segundo Otto Bittencourt, no material
proveniente do bota-fora da mineração de urânio, foi detectada
recentemente a presença de potássio, já havendo empresas
interessadas no seu aproveitamento. Outra possível destinação das
instalações está em potencializar os laboratórios já existentes na
área, por meio de possíveis parcerias com universidades.
Pesquisadora tranquiliza comunidade e defende maior
transparência
Possíveis riscos de contaminação existentes em
Caldas estariam longe de produzir tragédias como a de Chernobyl, na
Ucrânia, e, mais recentemente, de Fukushima, no Japão. "São
tragédias incomparáveis ao que estamos discutindo e este não é e nem
nunca será o cenário que temos em Caldas", esclareceu a engenheira
química Clédola Cássia Oliveira de Telloo, do Centro de
Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN), instituição vinculada
ao Ministério da Ciência e Tecnologia, com sede em Belo Horizonte.
Segundo ela, existem normas e regras claras que estariam sendo
seguidas na INB, embora devam, sim, ser aprimoradas para o
armazenamento do material radioativo. Como exemplo, aponta a
necessidade de substituição dos tambores onde fica estocado o
material, já que os antigos recipientes estão desgastados pela ação
do tempo.
"Na situação atual não há risco para a população
aqui. Mas é o conhecimento que tranquiliza, por isso a INB deve
oferecer esclarecimentos à população", alertou a pesquisadora. Ela
disse estranhar, contudo, que, diante do medo e das suspeitas, não
tenha sido feito ainda um estudo epidemiológico na região sobre
possíveis efeitos da radioatividade, que em parte é natural na
região, e sugeriu que o mesmo seja feito.
Documento - Na audiência
pública convocada pela ALMG, e realizada na Câmara Municipal de
Caldas, foi apresentado documento contendo as reivindicações
aprovadas em reuniões preparatórias. Diversas entidades da região
participaram da audiência. Entre as reivindicações listadas no
documento consta a localização do termo de ajuste de conduta (TAC)
de janeiro de 2003, que contém exigências para o armazenamento de
resíduos radioativos e o monitoramento constante, com a divulgação
dos resultados da qualidade da água na região.
Presenças - Deputados
Célio Moreira (PSDB), presidente da Comissão de Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável; e Dalmo Ribeiro (PSDB), membro suplente
da Comissão de Minas e Energia. Também participaram o vice-prefeito
de Caldas, Anderson Bauducc, e o presidente da Câmara Municipal de
Caldas, Francisco Chavier Faria Júnior.
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