Moradores de áreas de preservação ambiental criticam
governo
"O assentamento de famílias está sendo prejudicado
com a delimitação de áreas de conservação ambiental. Temos que
preservar o meio ambiente, mas rever algumas regras". Esse foi o
pedido do presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura
do Estado de Minas Gerais (Fetaemg), Vilson Luís da Silva, em
audiência pública realizada pela Comissão de Direitos Humanos da
Assembleia Legislativa de Minas Gerais, na manhã desta terça-feira
(14/12/10). O requerimento para a audiência foi do presidente da
comissão, deputado Durval Ângelo (PT).
O objetivo da reunião extraordinária foi discutir
possíveis violações de direitos fundamentais decorrentes da
decretação de unidades ambientais no Estado, especialmente em
relação aos conflitos agrários. De acordo com Vilson da Silva, o
custo estimado para legalizar os 325 mil hectares de terras em áreas
de conservação ambiental (parques, reservas ou estações ecológicas)
ocupadas por famílias é de R$ 300 milhões. Entretanto, o governo de
Minas teria destinado, para o orçamento de 2011, apenas R$ 1,2
milhão. "O governo tem que ter mais dinheiro para resolver esse
problema", destacou. Vilson criticou o modo como são tratados os
pequenos produtores rurais, que não recebem indenização para
desocupar as unidades de conservação, ao passo que os grandes
produtores são ressarcidos rapidamente.
O assessor da Pastoral da Terra, frei Gilvander
Luís Moreira, reforçou os problemas levantados pelo presidente da
Fetaemg e criticou o modo como o Executivo mineiro age em relação
aos conflitos agrários. "A política ambiental do governo está
totalmente a serviço de mineradoras e latifundiários", mencionou. O
frei Gilvander afirmou que existem cerca de 11 milhões de hectares
de terras devolutas em Minas e que, conforme a Constituição
estadual, deveriam ser destinadas à reforma agrária ou áreas de
preservação. "Só teremos paz para as comunidades tradicionais quando
o mega projeto econômico em curso for freado", salientou.
O procurador de Justiça e coordenador do Centro
Operacional de Conflitos Agrários, Afonso Henrique de Miranda
Teixeira, que sugeriu ao presidente da comissão que realizasse a
audiência, classificou a atitude do Estado como "uma provocação para
estimular as pessoas à desobediência civil". Para o procurador, uma
alternativa para evitar novos conflitos seria impedir a decretação
de unidades de conservação pelo governo estadual ou federal. "Isso
poderia abrandar a situação catastrófica dos que ainda não
conseguiram resolver sua situação", justificou.
Sozinho, o Incra não consegue resolver os conflitos
agrários, afirma superintendente
O diálogo entre instituições para buscar
estratégias e ações para as dificuldades enfrentadas pelas famílias
foi defendido pela superintendente regional do Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (Incra), Luci Rodrigues Espeschit.
Segundo Luci, o Incra é, muitas vezes, visto pelos ambientalistas
como "empreendedor, não como implementador de políticas de
democratização de acesso à terra".
A superintendente do Incra em Minas destacou que as
parcerias com órgãos ambientais devem ser feitas antes das
desapropriações. Ela afirmou que, no Estado, existem 75 unidades de
proteção integral, ou seja, onde não é permitida a presença humana.
Para Luci, o desafio é regularizar as terras ouvindo as demandas dos
moradores que residem nas áreas.
Luci Espeschit listou, ainda, duas fragilidades
enfrentadas pelo instituto para colaborar com o assentamento das
famílias. Uma delas é a falta de recursos para realizar os projetos.
Ela citou o custo de um cercamento feito em áreas de proteção e
reserva legal em Campo Florido (Triângulo mineiro): aproximadamente
R$ 500 mil. "É muito dinheiro. Isso não é possível para todos os
projetos de assentamento", alertou.
Outra dificuldade mencionada foi a elaboração de
leis e decretos ambientais criando áreas protegidas como a mata
seca, no Norte de Minas, onde já havia famílias assentadas. O
Decreto Federal 6.660, de 2008, incluía a mata seca no bioma da mata
atlântica, para efeitos de proteção e conservação ambiental. O
decreto regulamentou a Lei Federal 11.428, de 2006, que trata da
utilização e proteção da vegetação nativa da mata atlântica e
aumenta as restrições para uso de área com vegetação nativa.
Conforme Espeschit, a lei foi posterior à elaboração de projeto de
assentamento de famílias nessas áreas. "O que vamos fazer com as
famílias que já estão lá? Precisamos de um tratamento diferenciado
para esses casos", pediu a superintendente.
O deputado Almir Paraca (PT) ressaltou que o Incra
precisa de mais recursos e estrutura para realizar seus trabalhos e
afirmou que os problemas ambientais afetam, sobretudo, os que não
têm condições financeiras. O deputado Adelmo Carneiro Leão (PT)
concordou com Almir Paraca em relação ao aparelhamento do Incra e
comentou o projeto de redistribuição de terras em curso no país.
"Essa reforma agrária é uma mentira, não temos como consolidá-la",
afirmou.
Encaminhamentos - O
ouvidor agrário nacional e presidente da Comissão Nacional de
Combate à Violência no Campo, desembargador Gercino José da Silva
Filho, pontuou que os conflitos agrários e as dificuldades criadas
pela delimitação de áreas de conservação não são exclusividade de
Minas Gerais, mas se repetem por todo o país. O desembargador citou
os casos de violação de direitos de ribeirinhos no Amazonas e em
Roraima e de seringueiros e castanheiros no Pará. Ele se dispôs a
agendar uma reunião entre a ouvidoria, a Comissão de Direitos
Humanos da ALMG e o Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade (ICMBio), em Brasília, para que o assunto seja
discutido. "Se essa questão for encaminhada, poderemos ter a
diminuição no número de conflitos agrários", apostou.
O presidente da comissão, deputado Durval Ângelo
(PT), lamentou a ausência de representantes da Secretaria de Estado
de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e do
Instituto Estadual de Florestas (IEF) na audiência e cobrou maior
atenção aos moradores de unidades de conservação por parte dos
agentes públicos. "Temos que chegar a um modelo de legislação em que
a questão humana seja pertinente", disse.
A comissão pretende participar da audiência pública
sugerida pelo ouvidor agrário nacional, no princípio de 2011, em
Brasília, e pedir à Ouvidoria Ambiental de Minas Gerais que faça um
levantamento de justificativa de ausência de representantes da Semad
e do IEF à audiência pública. Os encaminhamentos, entre outros,
serão votados na próxima reunião da Comissão de Direitos Humanos, na
forma de requerimentos.
Presenças - Deputados
Durval Ângelo (PT), presidente; e Adelmo Carneiro Leão (PT) e Almir
Paraca (PT). Além dos convidados citados na notícia, compuseram a
mesa o presidente da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias
Extrativas do Estado de Minas Gerais (FTIEMG), José Maria Soares; o
superintendente regional do Incra no Distrito Federal, Marco Aurélio
Bezerra da Rocha; o representante da Comissão de Direitos Humanos da
Ordem dos Advogados do Brasil em Minas Gerais (OAB/MG), Vinícius
Marcus Nonato da Silva; a defensora pública do Núcleo de Direitos
Humanos da Defensoria Pública de Minas Gerais, Cleide Nepomuceno; o
promotor de Justiça e coordenador do Centro de Apoio Operacional às
Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente, Patrimônio
Cultural, Urbanismo e Habitação (Caoma), Luciano Luz Badini Martins;
e o ouvidor ambiental de Minas Gerais, Eduardo Tavares.
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