Batalha judicial impede reforma agrária no Norte de Minas
Uma batalha judicial que se arrasta há dez anos
impede que o Estado utilize terras cedidas à empresa Itapeva
Florestal Ltda. em projetos de reforma agrária. Enquanto a
reflorestadora interpõe sucessivos recursos na Justiça para protelar
a decisão final em favor do Estado, movimentos sociais lideram
invasões para assegurar o direito à posse das terras nas mãos da
companhia. O assunto foi discutido pela Comissão de Assuntos
Municipais da Assembleia Legislativa de Minas Gerais em audiência
pública realizada nesta segunda-feira (6/12/10) em Francisco Sá
(Norte do Estado).
As terras em questão ficam na divisa entre
Francisco Sá e Grão Mogol. São 5,7 mil hectares arrendados à Itapeva
em meados dos anos 70 para o plantio de eucalipto. A concessão
venceu no ano 2000, mas a empresa se recusa a sair do local.
Segundo a assessora jurídica da Secretaria de
Estado Extraordinária para Assuntos de Reforma Agrária, Marcela
Rosa, existem quatro ações de despejo da companhia, que já perdeu em
duas instâncias, mas recorreu ao Superior Tribunal de Justiça
(STJ).
De acordo com a assessora, não há legalidade nos
argumentos utilizados pela empresa para a prorrogação do contrato de
arrendamento, e o interesse do Estado é desenvolver projetos de
agricultura familiar nas terras atualmente ocupadas por florestas de
eucalipto. "Mas enquanto houver esse litígio judicial, estamos de
mãos atadas para conceder o título de posse das terras às famílias
que querem cultivá-las", explicou. O chefe da Divisão de Ordenamento
Fundiário do Incra, Rosário César Mota, confirmou o compromisso de
verificar a viabilidade de apresentar um projeto de reforma agrária
nessas terras.
Enquanto os órgãos de reforma agrária estão de mãos
atadas, grupos de sem terra se mobilizam para garantir o direito à
posse das terras. Em 2008, um grupo invadiu a fazenda, mas foi
obrigado a se retirar por uma determinação judicial. O representante
da Associação Senhora de Santana, José Arnaldo dos Santos, informou
que um grupo de 60 pessoas tornou a ocupar as terras no último
domingo (5), para forçar a desapropriação. "Não vamos sair de lá",
avisou.
Para o representante do Conselho Nacional de Povos
e Comunidades Tradicionais, Eliseu José de Oliveira, a ocupação é um
instrumento de apoio ao Estado na luta pela retomada da posse das
terras. Ele citou o Decreto Federal 6.040, segundo o qual as
populações tradicionais têm direito a um território próprio. Segundo
Eliseu, as terras hoje ocupadas por plantações de eucalipto
historicamente eram usadas pelos chamados geraiseiros, que nelas
praticavam a criação de gado, o extrativismo vegetal, a caça e a
pesca.
Crimes - Enquanto recorre
das decisões judiciais para desocupação das terras, a Itapeva
estaria praticando vários crimes ambientais, segundo denúncias
apresentadas durante a audiência pública. José Arnaldo Santos
relatou a destruição de nascentes e a derrubada da mata nativa para
a produção de carvão sem licenciamento ambiental. O representante do
Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas, André Alves de
Souza, também denunciou a ocorrência de condições de trabalho
análogas às da escravidão dentro das terras ocupadas pela
empresa.
Apoio - Os deputados
Carlin Moura (PCdoB) e Paulo Guedes (PT) manifestaram apoio à causa
dos sem terra. "A situação das terras ocupadas pela Itapeva beira o
absurdo. A empresa insiste em passar por cima do Poder Judiciário e
do Governo do Estado. Isso não pode continuar", afirmou Carlin
Moura.
O deputado Paulo Guedes reclamou que existem pelo
menos 230 mil hectares ocupados irregularmente por empresas
reflorestadoras no Norte de Minas, enquanto milhares de
trabalhadores não têm terra para cultivar alimentos.
Requerimentos - A Comissão de Assuntos
Municipais deve votar, em sua próxima reunião, requerimentos de
providências para os problemas relatados na audiência pública. Os
deputados Paulo Guedes e Carlin Moura vão solicitar ao STJ que
inclua na sua pauta de julgamentos os recursos interpostos pela
Itapeva. Ao Tribunal de Justiça, os dois parlamentares vão pedir
para que se verifique a possibilidade de uma conciliação em
2a instância entre a
empresa e o Estado. Eles também vão cobrar do Ministério Público e
dos órgãos ambientais providências para os crimes ambientais e
trabalhistas denunciados na reunião.
Presenças - Deputados
Paulo Guedes (PT), vice-presidente, e Carlin Moura (PCdoB). Também
participaram da reunião o prefeito de Francisco Sá, José Mário Pena;
o presidente da Câmara Municipal, Ely Soares Pereira; e o
vice-prefeito de Grão Mogol, Hamilton Gonçalves do Nascimento.
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