Minas vai assinar pacto nacional contra a tortura até o final do ano

O Governo do Estado deve assinar, até o final do ano, o Plano de Ações Integradas para a Prevenção e o Combate à Tort...

22/11/2010 - 00:03
Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais
 

Minas vai assinar pacto nacional contra a tortura até o final do ano

O Governo do Estado deve assinar, até o final do ano, o Plano de Ações Integradas para a Prevenção e o Combate à Tortura no Brasil (Paict), criado em 2006. O anúncio foi feito pelo secretário adjunto de Defesa Social, Robson Lucas da Silva, que participou, na tarde desta segunda-feira (22/11/10), do Debate Público Prevenção e Combate à Tortura em Minas Gerais, no Plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. O "pacto contra a tortura", como está sendo chamado, prevê a instalação de comitês estaduais de extinção da tortura, assim como a melhoria e o aperfeiçoamento do sistema de justiça criminal. De acordo com a Secretaria de Defesa dos Direitos Humanos da Presidência da República, 16 Estados já assinaram o termo de adesão ao Paict.

A adesão de Minas Gerais ao pacto foi cobrada pelos participantes do debate. O coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Defesa dos Direitos Humanos e de Apoio Comunitário, Rodrigo Filgueira de Oliveira, chegou a argumentar que os pontos questionados por Minas já haviam sido sanados na nova versão do plano, o que foi confirmado pelo próprio secretário adjunto. O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG), William Santos, chegou a sugerir que caso o Estado continuasse omisso, as instituições ligadas aos direitos humanos criassem, por si mesmas, os comitês previstos no Paict.

Robson Lucas informou que o Governo do Estado ouviu as polícias mineiras e outros órgãos de defesa para ajustar os termos do pacto à legislação e à realidade de Minas. Segundo ele, a última versão que contempla as mudanças foi enviada pela Secretaria Nacional em 1º de outubro. "Os pontos de divergências foram praticamente todos superados", afirmou. Ele completou que o Governo Federal continua disposto a ter uma conversa final para quaisquer outros ajustes necessários. O secretário ainda pontuou algumas medidas tomadas pelo governo para tentar reduzir a violência, como o fim da carceragem sob responsabilidade da Polícia Civil e a criação da própria Secretaria de Defesa Social, que está voltada à construção de políticas de maneira mais integrada.

Especialistas apontam fatores que estimulam a tortura

A falta de um monitoramento preventivo em locais de detenção como presídios e centros de internação de menores, e ainda o receio de vítimas, parentes ou mesmo agentes públicos de denunciar práticas de tortura são fatores que contribuem para a permanência dessa prática no Brasil. A análise é do promotor Rodrigo Filgueira de Oliveira. Ele enfatizou que a cultura brasileira ainda é a da reação, e não da prevenção.

Ele citou como outros fatores que contribuem para a prática da tortura a ausência de estatísticas e diagnósticos que direcionem a atuação do poder público, a ineficiência na investigação e na perícia forense, a falta de treinamento de agentes e, como consequência, o baixo índice de condenação e a sensação de impunidade. Há também, segundo Rodrigo Filgueira, uma certa tolerância da sociedade em relação à tortura praticada pelo Estado. O promotor cita pesquisa da Universidade de São Paulo, realizada em 1999, que constatou, por exemplo, que, em Manaus, essa tolerância chega a 23%. "Mesmo o índice pequeno de cidades como Belo Horizonte (1%) ou Rio de Janeiro (3%) não leva à redução de casos", completa.

Já o defensor Gustavo Corgozinho, coordenador de direitos humanos da Defensoria Pública de Minas Gerais, reclamou de torturas físicas e psicológicas cometidas contra pessoas presas ou sujeitas a medidas de segurança. Ele citou que durante um trabalho de monitoramento em unidades prisionais de Minas Gerais, foram ouvidas as mais variadas denúncias de maus tratos contra os presos, como falta de água, celas superlotadas, comidas servidas com bichos, total falta de higiene, presença de roedores e animais peçonhentos, ausência de assistência médica, entre outras tantas condições que propiciam o surgimento de doenças e provocam sofrimento físico e emocional aos apenados. "O tratamento desumano ou degradante já constitui tortura", advertiu.

Corgozinho reclamou, ainda, da dificuldade que a Defensoria enfrenta em ter acesso a documentações e mesmo às unidades prisionais, e também da morosidade do governo em responder a questionamentos. Segundo ele, muitos presos denunciaram que sofriam represálias e ameaças para esconder a realidade. "Vamos abrir as portas e permitir as críticas para aperfeiçoar o sistema", sugeriu ele ao representante do Governo do Estado.

Ouvidoria apura queda em denúncias de tortura

O número de denúncias de tortura apresentadas à Ouvidoria de Polícia de Minas Gerais caiu em 2010, na comparação com os anos anteriores. É o que aponta levantamento apresentado pelo ouvidor Paulo Vaz Alkmin. Mesmo com dados parciais, até 31 de outubro, o ano de 2010 traz oito denúncias de tortura, contra 28 em 2009, 39 em 2008, 22 em 2007, 25 em 2006 e 64 em 2005. O próprio ouvidor argumenta, porém, que os números podem ter migrado para o Sistema de Defesa Social, uma vez que a guarda de presos deixou de ser tarefa da Polícia Civil e passou para a responsabilidade de agentes penitenciários.

Entre as ações preventivas realizadas pelo Ouvidoria, Paulo Alkmin citou a parceria com a Comissão de Direitos Humanos da ALMG e com o Ministério Público para acompanhamento de casos, e o trabalho de ouvidoria itinerante desenvolvido em conjunto com a Defensoria Pública. Ele avaliou ainda que a Justiça Militar não dá conta dos casos de tortura e que, muitas vezes, esses crimes são reclassificados como lesão corporal, por exemplo. "A impunidade é um dos motivos de permanência da tortura", afirmou.

Já o corregedor-geral da Polícia Civil, Geraldo de Morais Júnior, salientou que preceitos constitucionais como a dignidade humana impõem limite à ação estatal. "Assim como cabe ao Estado cuidar da segurança pública, ele é responsável também por promover a vida com dignidade para todos", afirmou. Ele ressaltou o trabalho do colegiado de corregedores, apontou para a redução de denúncias também na Corregedoria, mas salientou que todos os casos são tratados com toda a seriedade.

Revista vexatória - No encerramento, a representante do Comitê de Familiares e Amigos das Pessoas em Privação de Liberdade, Maria Teresa dos Santos, denunciou, em um depoimento emocionado e contundente, não só a tortura contra os presos, mas também "a tortura contra os familiares de presos durante as revistas vexatórias e humilhantes". Indignada, ela se disse disposta, inclusive, a tirar a roupa e reproduzir, em um próximo evento, "todos os procedimentos vexatórios" a que as mulheres são submetidas nas unidades prisionais antes de entrarem para as visitas. "Como o secretário pode aqui falar em humanização, se nesses estabelecimentos, donas de casa, senhoras e mães de família são tratadas como vagabundas e prostitutas?", indagou.

Crimélia Alice Schmidt de Almeida, da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, lamentou que ainda hoje, passados tantos anos, os integrantes do grupo que representa não tenham direito aos corpos dos seus mortos nem a informações. Acrescentou que o caso foi levado à Organização dos Estados Americanos (OEA) e o Brasil deverá ser condenado a esclarecer os crimes do Araguaia.

Heloísa Greco, coordenadora do Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania, denunciou o sistema carcerário brasileiro como "um sistema de masmorra, medieval", acrescentando que "até incendiar presidiários é prática no Estado de Minas Gerais". Segundo ela, o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, só perdendo para a China e os Estados Unidos, e Minas Gerais tem, hoje, em torno de 100 mil encarcerados. "O perfil dessa população é de pobres, negros, moradores de periferia e de favelas", afirmou, acrescentando que a polícia do Brasil é a que mais mata no mundo. Contradizendo os que afirmaram, durante o debate, que a polícia de Minas Gerais é exemplo e referência, indagou: "Exemplo? Só se for de marketing. Referência? Só se for de repressão".

Em suas considerações finais, o secretário Robson Lucas da Silva, justificou "o rigor das revistas" em razão do trânsito de celulares e do tráfico de drogas no interior dos presídios. E concluiu que, "considerando a realidade do orçamento e do material humano, o Estado vem alcançando resultados satisfatórios".

 

 

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