Ampliação das funções da Polícia Militar divide
opiniões
Implantado em cinco estados brasileiros, o "Ciclo
Completo de Polícia" foi discutido nesta quinta-feira (5/8/10) pela
Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa de Minas
Gerais. O sistema acaba com a especialização das funções policiais,
permitindo à Polícia Militar assumir funções de polícia judiciária,
tornando-se responsável pela investigação e apuração das
ocorrências, especialmente aquelas referentes a crimes de menor
potencial ofensivo. Hoje, em Minas e na maior parte do País, essa
função é restrita à Polícia Civil. Com a mudança, o policial militar
pode, ao atender um chamado, redigir termos Circunstanciais de
Ocorrência (TCO), requisitar exames periciais e intimar envolvidos
para audiência judicial.
A proposta foi criticada por integrantes da Polícia
Civil que participaram da reunião, para quem o fim da especialização
funcional não resolve as carências estruturais que prejudicam o
trabalho policial e o processo judicial. O debate foi solicitado
pela deputada Maria Tereza Lara (PT) e pelos deputados Domingos
Sávio (PSDB), Doutor Rinaldo Valério (PSL) e João Leite (PSDB), que
presidiu a reunião.
Durante o encontro, João Leite lembrou que a
Assembleia Legislativa realizará, entre 11 e 13 de agosto, o Fórum
Técnico Segurança Pública: Drogas, Criminalidade e Violência.
O deputado lembrou que esta será uma oportunidade para discutir
questões de interesse do setor.
A experiência de Santa Catarina com o Ciclo
Completo de Polícia foi descrita pelo major PM Marcello Martinez
Hipólito, assessor da presidência da Associação dos Militares
Estaduais daquele Estado. Segundo ele, o sistema também é adotado no
Rio Grande do Sul, Paraná, Sergipe e Alagoas. Ele ressaltou ainda
que o modelo prevalece internacionalmente, em países que têm mais de
uma polícia, tais como Estados Unidos, Portugal, Espanha, França,
Itália, Chile e Argentina. "Só o Brasil tem esse sistema de meia
polícia. Portugal passou por essa discussão na década de 80, mas já
superou", afirmou Hipólito.
Experiência catarinense mostra redução da
criminalidade
O principal argumento do major Marcello Hipólito em
favor do ciclo completo é que o sistema resultou na redução do
número de crimes de menor potencial ofensivo, em Santa Catarina. No
município de Chapecó, por exemplo, a queda chegou 79% entre 2007 e
2008. Na avaliação do oficial, um dos motivos da redução é que o
modelo implantado torna possível uma resposta mais rápida e simples
aos crimes praticados. "O simples fato de o autor do fato ser
intimado na hora a comparecer em juízo tem um efeito devastador",
afirmou o major.
Hipólito destacou que os crimes de menor potencial
ofensivo são a grande maioria das ocorrências. No caso catarinense,
por exemplo, 55% dos delitos registrados são referentes à
perturbação do trabalho ou sossego, enquanto 17% são pequenas
agressões (vias de fato). Nesses casos, antes do novo modelo, o
policial militar muitas vezes se limitava a executar a prisão em
flagrante ou recomendar que a vítima procurasse a Polícia Civil.
Nesse caso, os envolvidos tinham que repetir as mesmas declarações
por três vezes: ao policial militar que atendeu a ocorrência, ao
policial civil que fazia o atendimento imediato na delegacia e para
aquele responsável pela lavratura do termo circunstancial. Além
disso, a vítima muitas vezes tinha que percorrer quilômetros até a
delegacia mais próxima. Desde maio de 2007, quando o sistema foi
implantado em toda Santa Catarina, as declarações só são tomadas uma
vez, durante o atendimento da ocorrência.
Outro argumento do major Hipólito em favor do ciclo
completo é que a permissão para a Polícia Militar assumir a apuração
dos crimes de menor potencial ofensivo libera o efetivo da Polícia
Civil para se concentrar nos crimes mais graves. Nesses casos,
segundo ele, a Polícia Militar também atua de forma mais ampla em
Santa Catarina, podendo realizar perícias ao atender a ocorrência.
No entanto, a condução do inquérito e de toda a investigação
continuam com a Polícia Civil.
O advogado e coronel PM Elias Miler da Silva
afirmou que o modelo do ciclo completo já foi considerado
constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). "O Supremo
decidiu que não há exclusividade de competência", declarou. O major
PM Márcio Ronaldo de Assis, presidente da Associação dos Oficiais da
Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar (AOPMBM), afirmou
que o ciclo completo deve ser visto como uma oportunidade de
modernização da polícia, desburocratizando sua atuação. "Temos que
superar questões de disputa de autoridade", afirmou.
Delegado diz que mudança não garante
eficiência
Representando o Sindicato dos Delegados de Polícia
do Estado de Minas Gerais (Sindepominas), o delegado Daniel Barcelos
Ferreira disse que o ciclo completo não pode ser visto como solução
para a falta de estrutura das polícias. Ele lembrou que a Polícia
Federal, hoje, já é responsável pelo ciclo completo. "No entanto, a
entrada de drogas e armas no País não vem sendo impedida. Não por
incompetência da Polícia Federal, mas por problemas estruturais",
afirmou o delegado.
Ele afirmou, ainda, que não é apenas a Polícia
Civil que está sobrecarregada, mas também o Judiciário. "O
Judiciário já está afogado pelo TCOs da Polícia Civil. Se você
aumentar mais ainda isso com os TCOs da Polícia Militar, isso vai
resolver ou aumentar o problema?", questionou. Ele também argumentou
que os TCOs são apenas cerca de 20% do trabalho da Polícia
Civil.
Com relação à adoção de padrões internacionais, ele
disse que seria perigoso adotá-los sem uma reflexão sobre a
realidade nacional. "Na Inglaterra, o policiamento ostensivo é
desarmado. Será que poderíamos adotar isso no Brasil?", ironizou.
Já o presidente licenciado do Sindicato dos
Servidores da Polícia Civil de Minas Gerais (Sindpol/MG), Denilson
Martins, disse que o problema da sobrecarga da Polícia Civil deve
ser resolvido com a realização de concursos e aumento do efetivo, e
não por uma mudança de atribuições.
Presenças - Deputado João
Leite (PSDB), presidente da comissão. Além dos convidados citados na
matéria, participaram da reunião o coronel PM da reserva e
especialista em Defesa Social, Amauri Meireles; e o vice-diretor
jurídico da Associação dos Praças da Polícia Militar e Bombeiro
Militar (Aspra), Matscelo Boaz Tarley.
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