Aperfeiçoamento do Estatuto da Criança e Adolescente é
desafio
Está completando 20 anos o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), considerado por muitos uma legislação de Primeiro
Mundo e por outros um paraíso de impunidade para criminosos juvenis.
Para comemorar a data, o deputado Durval Ângelo (PT), presidente da
Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas
Gerais, realizou, na tarde desta segunda-feira (12/7/10) um debate
com juristas e autoridades, com o objetivo de assinalar avanços e
indicar pontos que necessitam ser aprimorados na lei.
"O ECA foi um parto difícil da história política do
Brasil, porque veio sepultar o Código do Menor de 1927, que criou
monstros como a Funabem e as Febens, os quais tinham bem apenas no
nome. Só se tornou possível após uma marcha das crianças a Brasília,
para sensibilizar o Congresso Nacional, e graças ao empenho de
líderes como Nelson Aguiar e Rita Camata", relatou o deputado.
Durval sustenta que a impunidade é mito, porque os índices de
violência e brutalidade foram menores proporcionalmente do que os
anteriores ao estatuto, e que os índices de criminalidade do menor
diminuíram 80% depois que foi implantada a escola de tempo integral
no violento bairro periférico de Nova Contagem.
Irmão Raimundo Mesquita, dos salesianos, disse que
a luta tinha três frentes: contra o trabalho infantil, contra o
abuso sexual de crianças e adolescentes e o julgamento dos atos
infracionais. "Meninos não devem ficar na rua nem no trabalho.
Precisam ficar na escola e no convívio familiar. O maior problema do
estatuto é a não implantação das medidas jurídicas, como as medidas
de liberdade assistida e socioeducativas por atos infracionais",
disse o religioso. Para ele, a imagem internacional do Brasil é de
um país que mata crianças.
Ivan Ferreira da Silva, coordenador especial da
Política Pró-Criança e Adolescente da Secretaria de Estado de
Desenvolvimento Social, defende ações intersetoriais de atendimento,
para que a assistência ao menor não fique caracterizada como
obrigação do Estado. "A responsabilidade precisa ser compartilhada
por todos, e o desafio atual é organizar e gerir um sistema de
conselhos tutelares, conselhos de direitos e atendimento
judiciário". Ananias Neves Ferreira, presidente do Conselho Estadual
dos Direitos da Criança e do Adolescente, pediu educação em tempo
integral para crianças a partir dos cinco anos.
Minas oferece 1.100 vagas para privação de
liberdade
Alguns avanços numéricos na questão infracional
foram apresentados pelo subsecretário de Estado de Atendimento às
Medidas Socioeducativas, Ronaldo Araújo Pedron. Segundo ele, o
estatuto prevê que grave ato de violência ou ameaça à vida é punível
com 6 meses a 3 anos num centro de reeducação. Em 2003 havia nove
centros com 320 vagas. Hoje são 29 centros, oferecendo 1.100 vagas.
Há cinco anos não havia uma única vaga feminina, e as adolescentes
com mais de um homicídio eram postas em liberdade. "O que gera
sensação de impunidade em torno do ECA é a falta de celeridade no
processo. O menor infrator deve ser levado imediatamente à presença
de um juiz e receber sua penalidade. Perde o sentido aguardarmos
seis meses. Isso é contribuir para a banalização do ato
infracional", argumenta.
A juíza Maria Luíza de Marilac Alvarenga Araújo
trouxe um dado inquietante: a maior parte da "clientela" das varas
criminais está na faixa etária dos 18 aos 25 anos, e 99% sofreram
abandono familiar e passaram por medidas socioeducativas
previamente. Ela acredita que apenas políticas públicas capazes de
tirar os meninos das ruas e lhes dar alternativa às drogas serão
capazes de resolver. Ela também disse que é preciso encontrar uma
saída para os conselhos tutelares, que deveriam ser órgãos autônomos
e independentes, mas dependem inteiramente das prefeituras para ter
telefone, carro ou sede. A juíza propõe uma escola de capacitação
para os conselheiros, mantida pelo Governo Federal.
Na Espanha, até imigrantes ilegais têm escola
integral garantida
O deputado Durval Ângelo fez uma intervenção
lembrando o caso do goleiro Bruno, acusado de um crime bárbaro, mas
com antecedentes familiares: abandonado pelo pai aos 6 anos, o qual
logo após foi assassinado por disputa no tráfico, e a mãe com
prontuário policial por prostituição. Lembrou que na Espanha, onde
todas as crianças, inclusive os filhos de imigrantes ilegais, têm
escola em tempo integral até os 14 anos, os índices de criminalidade
são baixíssimos em comparação com os brasileiros. Em Madri, cidade
de 7 milhões de habitantes, um índice de 12 assassinatos em um
semestre foi considerado intolerável e motivou a demissão do chefe
de polícia, enquanto apenas em Contagem matam-se de 15 a 17 pessoas
a cada final de semana.
O juiz de Pedro Leopoldo, Geraldo Claret de
Arantes, começou seu depoimento com uma frase do padre Antônio
Vieira: "Quando se peca por ação, peca-se contra uma pessoa ou um
grupo; quando se peca por omissão, peca-se contra a humanidade". Em
seguida, apresentou uma série de sugestões concretas para consolidar
o ECA. Primeiro, capacitar juízes, promotores e especialmente os
defensores públicos. Segundo, que o conselho tutelar integre o
orçamento dos municípios. Terceiro, oferecer creche em tempo
integral para crianças de zero a seis anos. Quarto, eliminar a
exigência, pelas escolas públicas, de uniforme escolar pago. Quinto,
permitir que os contribuintes do Imposto de Renda possam destinar
parte do imposto devido ao Fundo da Infância e Adolescência, como
podem fazer hoje para financiar o cinema nacional. O magistrado
alerta que, se não for tomado um conjunto de medidas para fortalecer
o ECA, assistiremos o triunfo daqueles que querem a redução da idade
penal.
A questão do Fundo da Infância e Adolescência foi
abordada mais concretamente pela desembargadora Márcia Milanez, que
chegou atrasada à reunião por estar participando de outro debate
sobre o ECA na sede da OAB, com 300 pessoas na plateia. Ela disse
que a Arcelor Mittal está implantando um sistema de doação de 6% do
Imposto de Renda de parte de seus 316 mil funcionários para atender
6 mil crianças. Ela lidera um processo semelhante no Tribunal de
Justiça. O deputado Durval Ângelo disse que o Ministério Público tem
algo análogo, e que a cooperativa adianta o dinheiro na forma de
empréstimo sem juros.
Presenças - Deputados
Durval Ângelo (PT), presidente; Vanderlei Miranda (PMDB) e João
Leite (PSDB).
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