Instituições buscam solução para tratamento psiquiátrico de
condenados
A situação de 642 condenados no Estado que são
portadores de sofrimento mental e não recebem tratamento adequado
foi tema de audiência pública conjunta das Comissões de Saúde e de
Segurança Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, nesta
quinta-feira (17/6/10). Representantes do Ministério Público, da
Defensoria Pública, da sociedade civil e das Secretarias de Estado
de Saúde e de Defesa Social, entre outros, concordaram sobre a
necessidade urgente de se resolver o problema dessas pessoas, mas
discordaram sobre a política adequada, em especial no que toca a
construção de novos hospitais psiquiátricos judiciais. No final dos
debates, as instituições concordaram em apresentar uma solução até o
final de junho.
O coordenador do Centro de Apoio Operacional das
Promotorias Criminais, de Execução, do Tribunal do Júri e da
Auditoria Militar (CAO-Crim), promotor Joaquim José Miranda Júnior,
fez um relato da situação dos criminosos que são portadores de
sofrimento mental em Minas Gerais. Ele explicou que, segundo a lei,
o portador de sofrimento mental que cometa um crime grave, como
homicídio ou estupro, deve ser internado em um local especial, em
que possa receber tratamento adequado. Ele disse que hoje, em Minas,
há apenas um manicômio judiciário, localizado em Barbacena, onde os
presos recebem um tratamento humanizado, na forma recomendada. "Não
há vagas para todos no Estado e o tratamento a essas pessoas está
sendo negado", afirmou.
Os dados apresentados pelo promotor mostram que
atualmente existem 642 doentes mentais sentenciados aguardando vaga
para tratamento, sendo que 245 estão em cadeias públicas e o
restante em liberdade, o que representa um risco para a sociedade.
Joaquim José Miranda Júnior descreveu a situação dos doentes
encarcerados. "Muitas vezes o preso doente mental grita durante toda
a noite, agride os companheiros de cela ou é agredido por eles.
Existem também casos de automutilação", relatou. Diante da situação,
ele defendeu a criação de novas vagas em Minas Gerais.
Plano - A Secretaria de
Estado de Saúde reconheceu a necessidade de criação de novos leitos.
Entretanto, o superintendente de Atenção à Saúde, Marco Antônio
Bragança de Matos, explicou que essa criação depende de um
levantamento sobre a realidade dos criminosos portadores de
sofrimento mental. "Em breve, teremos acesso a um censo que está
sendo elaborado pelo Tribunal de Justiça, que será o nosso ponto de
partida, pois teremos os dados quantitativos sobre esses pacientes",
explicou.
Com esses dados, a Secretaria pretende montar
equipes que irão avaliar a situação clínica de cada paciente,
verificando qual o tratamento recomendado e a necessidade ou não de
internação. "Conhecendo a distribuição geográfica desses pacientes e
a realidade clínica de cada um, poderemos estabelecer o número de
leitos que são necessários", afirmou. Marco Antônio Bragança de
Matos afirmou que o Estado pretende estender para todo o Estado o
Programa de Atenção Integral ao Paciente Judicial (PAIPJ),
implantado pelo Tribunal de Justiça em Belo Horizonte. Também se
pretende aumentar o número de residências terapêuticas.
A defensora pública Marina Lage Pessoa da Costa
explicou que a Defensoria Pública entrou com uma ação civil pública
contra o Estado, em razão desses doentes que se encontram em cadeias
públicas, sem tratamento. Ela afirmou que o plano apresentado pelo
Estado indica que a solução está sendo construída, mas defendeu que
os termos desse plano estejam previstos em um Termo de Ajustamento
de Conduta (TAC). Marina Lage enfatizou que o Estado não pode mais
adotar apenas soluções paliativas para o problema.
Defesa Social defende que pacientes sejam retirados
das cadeias
A retirada imediata dos presos portadores de
sofrimento mental das cadeias públicas e o seu encaminhamento para
um local onde possam ser corretamente atendidos foi defendido pelo
representante da Secretaria de Defesa Social. O superintendente de
Atendimento ao Preso, Guilherme Augusto Faria Soares, explicou que,
para a Secretaria Defesa Social, o plano apresentado pela Secretaria
de Saúde é uma solução a médio e longo prazo. "Entretanto,
precisamos resolver a situação do paciente hoje, dessas 600 pessoas
que estão sem vaga no manicômio judiciário", afirmou.
Ele defendeu que o plano da Saúde, de análise da
situação clínica desses presos, seja feito em um local apropriado e
não com os pacientes detidos nas cadeias públicas. Segundo Guilherme
Augusto Faria Soares, os presos portadores de sofrimento mental
representam um grande problema para a Defesa Social, pois tornam
indisponíveis muitas vagas nas cadeias públicas. "Um portador de
sofrimento social precisa ficar sozinho na cela, ou corre o risco de
ser assassinado por outros presos", considerou.
Município - O diretor da
Associação Mineira de Psiquiatria, Paulo Repsold, defendeu que o
tratamento dos portadores de sofrimento mental deve ser feito no
município de residência do paciente, onde seria mais fácil trabalhar
sua reinserção na família e na sociedade. "Os municípios
disponibilizariam psicólogos e assistentes sociais para tratar o
paciente, enquanto o Estado seria responsável por um monitoramento",
defendeu.
Construção de novos hospitais gera polêmica
Ao contrário da posição defendida pelo promotor
Joaquim José Miranda Júnior, a defensora pública Marina Lage Pessoa
da Costa disse que a Defensoria Pública não concorda com a criação
de novos leitos e a construção de novos hospitais para o tratamento
desses pacientes. "Nós divergimos do Ministério Público e
acreditamos que a internação deve ser a última medida a ser
adotada", afirmou. A representante do Fórum Mineiro de Saúde Mental,
Sílvia Maria Soares Ferreira, também se manifestou contrariamente à
internação dos pacientes. Para ela, a história já comprovou que o
manicômio, seja ele judicial ou não, não é um tratamento adequado.
A vice-presidente da Comissão de Segurança Pública,
deputada Maria Tereza Lara (PT), ponderou que a construção de um
novo hospital pode acabar incentivando as internações
desnecessárias. "Tenho medo de que voltemos a uma situação anterior
à luta anti-manicomial", considerou. Entretanto, ela defendeu que os
órgãos públicos entrem em um acordo para resolver imediatamente a
situação dos portadores de sofrimento mental que se encontram sem
tratamento.
Por outro lado, a psiquiatra forense da UFMG, Naray
Paulino, acompanhou a posição do Ministério Público e defendeu a
criação de novos leitos. Para ela, se hoje existem pacientes em que
o juiz determina a sua internação, é necessário que sejam criadas as
vagas necessárias. Ela defendeu que a discussão sobre se a
internação é o tratamento adequado deve ser feita em nível nacional,
sendo que o juiz hoje determina a internação porque na verdade não
existe outra alternativa.
Posição semelhante também foi apresentada pela
paciente do Instituto Raul Soares, Alessandra Rates. Ela afirmou que
entende a luta antimanicomial, mas considerou que o hospital
psiquiátrico é sim necessário para determinados pacientes.
"Precisamos sim lutar por novos leitos, para garantir que eu e
outros pacientes possamos ter o tratamento adequado", afirmou. Já a
psicóloga forense do Instituto Médico Legal, Luciana Ferreira
Torquato, afirmou que hospital não deve ser considerado sinônimo de
tratamento indigno e que a luta deve ser para que esses
estabelecimentos forneçam um tratamento adequado.
O deputado Lafayette de Andrada (PSDB) defendeu que
a luta antimanicomial deve ser separada da questão do condenado que
é portador de sofrimento mental. Para ele, o paciente condenado,
dependendo da gravidade do crime, deve ser preso, mas não em cadeias
públicas ou presídios. "Não podemos esquecer que estamos falando de
condenados, que não podem ficar presos no sistema penitenciário
comum. É preciso aumentar o número de vagas para os presos
portadores de sofrimento mental", afirmou.
Prazos - No final da
reunião foram aprovados requerimentos apresentados pelo autor do
requerimento da reunião e presidente da Comissão de Segurança
Pública, deputado João Leite (PSDB), e pelos outros parlamentares
presentes. São solicitações aos Secretários de Saúde e de Defesa
Social para que fixem um prazo para encontrar uma solução para o
problema. São requeridos ainda o cronograma da Secretaria de Saúde
para o desenvolvimento do plano apresentado, além do envio das notas
taquigráficas para todos os órgão envolvidos. João Leite também
defendeu uma solução imediata para a situação.
Presenças - Deputados João
Leite (PSDB), presidente da comissão; Lafayette de Andrada (PSDB) e
Doutor Rinaldo Valério (PSL); e a deputada Maria Tereza Lara (PT),
vice-presidente. Além dos convidados já citados, participaram da
reunião a assistente social judicial do Tribunal de Justiça de Minas
Gerais, Ursulla Almeida Rey Costa; o diretor do Conselho de
Criminologia, Celso de Magalhães Pinto; a coordenadora estadual de
Saúde Mental, Marta Elizabeth de Souza; a coordenadora estadual de
Pessoa Privada de Liberdade, Anaíla Ancleto; o delegado-geral de
Polícia, Paulo Roberto de Souza; a assessora de imprensa Diane
Duque; o presidente do Conselho Estadual Antidrogas, Aloísio
Andrade; e o pai de um preso portador de sofrimento mental, Benedito
Antônio Dutra.
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