Desapropriação é solução para escola família agrícola de
Itaobim
A Comissão de Educação, Ciência, Tecnologia e
Informática solicitará à presidência do Tribunal de Justiça que
viabilize, em caráter emergencial, uma audiência de conciliação com
o objetivo de buscar uma solução para a Escola Família Agrícola
(EFA) Bontempo, de Itaobim. A audiência envolveria a Associação
Escola Família Agrícola do Médio e Baixo Jequitinhonha e a Fundação
Brasileira de Desenvolvimento de Itaobim (FBD), e contaria também
com o Ministério Público. A escola funciona em um terreno cedido em
regime de comodato pela FBD, que trava uma batalha judicial com a
associação para reaver a posse do local. Este é um dos resultados da
audiência realizada nesta quarta-feira (9/6/10) na Assembleia
Legislativa de Minas Gerais.
Outra medida, esta de caráter permanente, também
prevista em requerimento da comissão, é solicitar ao governador que
desaproprie, via decreto, o local onde está instalada a escola,
declarando a área de interesse público. As solicitações ao tribunal
e ao Executivo deverão ser entregues em visitas da comissão às
autoridades, com a participação de movimentos sociais e de
representantes da escola. Os dois requerimentos ainda serão
aprovados. Solicitada pelo deputado Carlin Moura (PCdoB), a
audiência de mais de três horas lotou o Teatro com representantes de
outras EFAs, que vieram de várias regiões apoiar os colegas de
Itaobim. Como parte da mobilização, chegaram a fechar a BR-116 na
última terça (8), provocando mais de 20 quilômetros de
congestionamento.
Saiba mais - A EFA de
Itaobim, mantida pela associação, atende mais de 20 municípios desde
2001, oferecendo formação técnica de nível médio em Agropecuária,
tendo graduado 212 jovens. Ela funciona em terreno de 27 hectares
cedido em regime de comodato por tempo indeterminado pela FBD. Em
2004, a fundação entrou com processo judicial reivindicando a posse
do terreno, que hoje está em grau de recurso especial no Tribunal de
Justiça. A escola, com isso, corre o risco de sofrer uma ordem de
despejo a qualquer momento, interrompendo o ano letivo de 127 alunos
e a formação diferenciada que oferece a esses jovens. Nas EFAs, os
estudantes vivenciam um projeto pedagógico único, a metodologia da
alternância, passando temporadas na escola e outras junto da
família, também no campo.
Representante da FBD não comparece; processo tem
episódios frustrados de negociação
A audiência de conciliação e a desapropriação foram
defendidas tanto por representantes das EFAs quanto pelos
parlamentares, que lamentaram a ausência do presidente da FBD, padre
Felice Bontempi, e as tentativas frustradas de negociação para pôr
fim ao problema. Segundo os depoimentos, o padre era parceiro da
comunidade no processo de construção da EFA, mas a relação se
deteriorou com o tempo. O advogado da associação, Élcio Pacheco,
disse não saber quais os motivos da mudança de postura do padre,
criticando-o duramente. A ausência de Bontempi foi justificada por
problemas de saúde, segundo o deputado Carlin Moura, que presidiu a
reunião.
O secretário de Movimentos Populares do PT e
ex-delegado regional do Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA),
Rogério Correia, informou que chegou a conversar com a prefeitura de
Itaobim e com o padre Felice Bontempi, que não teria se
sensibilizado. Tanto Correia quanto o atual delegado, Eduardo Soares
Leal, reafirmaram à comissão que o MDA é parceiro da Assembleia,
tendo disponibilidade inclusive de recursos orçamentários para atuar
em busca de uma solução para o problema. As dificuldades foram
reafirmadas pelo deputado Padre João (PT), que acompanha o caso
desde o início. Ele defendeu o entendimento entre as partes,
alertando que a decisão da Justiça é imponderável.
A Associação Escola Família Agrícola do Médio e
Baixo Jequitinhonha, mantenedora da escola, alega que o contrato de
comodato refere-se apenas a uma casa, um curral e um galpão que
existiam no local, e não ao prédio da escola. O advogado Élcio
Pacheco também questiona a decisão da Justiça da comarca de Medina,
que não teria buscado a audiência de conciliação entre as partes.
Emoção nos depoimentos de estudantes e familiares
Representantes de estudantes e familiares da EFA de
Itaobim e de movimentos sociais e sindicais deram depoimentos
emocionados, reivindicando o apoio da Assembleia para solucionar a
questão. Um deles foi o da diretora da escola, Evina Teixeira da
Cruz. "Dali nós não vamos sair", afirmou. O aluno Marcos Pereira da
Silva elogiou a participação de outras EFAs na audiência,
enfatizando que o Vale do Jequitinhonha não é "vale da miséria", mas
uma região de pessoas com talento, ainda que com menos
oportunidades. Já a ex-aluna Talita Vieira, que hoje estuda na
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, ressaltou
a importância estratégica da EFA, que mantém o jovem do campo
próximo da sua realidade, mas conectado com o mundo.
O apoio da Assembleia foi solicitado também pelo
presidente e pela vice-presidente da associação, Alcísio Alves da
Silva e Maria Aparecida Silva Rodrigues, que é agricultora familiar.
Cida leu um manifesto e, em seguida, foi mostrado um vídeo sobre a
EFA de Itaobim. Já o secretário executivo da Associação Mineira de
Escolas Famílias Agrícolas (Amefa), Idalino Firmino dos Santos,
criticou o Estado brasileiro por não apoiar a educação do campo. O
presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Minas
Gerais (Fetaemg), Vilson Luís da Silva, sugeriu que a Assembleia vá
ao governo estadual e invista na ideia da desapropriação.
Deputados ressaltam função social das EFAs
A função social da EFA, que investe na autoestima e
no protagonismo do estudante, foi ressaltada pelos parlamentares. O
deputado Padre João lembrou que a escola família agrícola "incute no
jovem o orgulho de ser da roça". O deputado Carlos Gomes (PT)
enfatizou que a EFA potencializa a agricultura familar, essencial
para a economia do País. Já o deputado André Quintão ponderou que o
desenvolvimento pressupõe a qualificação profissional adequada à
vocação da região, algo crucial para o Jequitinhonha. Quintão também
lembrou que o direito de propriedade não pode se sobrepor ao
interesse social.
Esse interesse social foi demonstrado em números
pelo assessor pedagógico dos Centros Familiares de Formação por
Alternância do Brasil, João Batista Begnani. Ele apresentou à
comissão dados de uma pesquisa que está sendo desenvolvida pela UFMG
sobre os egressos da EFA Bontempo entre os anos de 2003 e 2007. De
acordo com a pesquisa, 50% dos alunos continuam na zona rural; 38%
estão frequentando a faculdade; e 70% exerce função compatível ou
ligada à agricultura familiar. Segundo Begnani, os números são muito
positivos, se comparados aos do Brasil. Ele deu os exemplos dos
índices de jovens de 18 a 24 anos do meio rural e do meio urbano que
acessam a universidade: 2,8% e 14,9%, respectivamente.
PPAG - Tanto André Quintão
quanto Carlin Moura lembraram que a questão da EFA de Itaobim foi
informada aos deputados durante os debates sobre o Plano Decenal da
Educação, em Araçuaí; e, em Itaobim, sobre o Plano Plurianual de
Ação Governamental (PPAG), o planejamento de médio prazo do governo
estadual. Quintão ressaltou que, graças a emenda popular apresentada
pelo movimento, foram destinados recursos não somente para o custeio
dessas instituições, mas também para investimentos, o que fortalece
a iniciativa. O reconhecimento da importância das escolas família
agrícola foi compartilhado pelo presidente das Câmaras de Ensino
Médio e de Planos e Legislação do Conselho Estadual de Educação
(CEE), professor José Januzzi de Souza Reis, que defendeu ser a
causa "justa, meritória e legítima".
Presenças - Participaram da
reunião os deputados Carlin Moura (PCdoB), que a presidiu; André
Quintão (PT), Carlos Gomes (PT), Padre João (PT), além da deputada
Gláucia Brandão (PPS), que a presidiu inicialmente, e do deputado
Dalmo Ribeiro Silva (PSDB). O presidente da comissão, deputado Ruy
Muniz (DEM), justificou a ausência por estar em audiência no Norte
de Minas.
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