Projeto Ficha Limpa deve ser sancionado nos próximos
dias
O Projeto de Lei Complementar Federal 58/10, de
iniciativa popular, conhecido como "Ficha Limpa", deve se tornar lei
nos próximos três dias, após a sanção do presidente da República,
Luiz Inácio Lula da Silva. A informação foi dada por Marcello
Lavenére, do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), que
participou, nesta terça-feira (1º/6/10), do segundo e último dia do
Ciclo de Debates Legislação Eleitoral e Eleições 2010. Na
opinião dele, o projeto, fruto da luta de milhões de brasileiros, já
deve ser aplicado nas eleições deste ano.
Lavenére explica que, originalmente, o projeto foi
apresentado à Câmara dos Deputados em sua versão mais "radical",
prevendo a inelegibilidade do candidato condenado na Justiça já em
1ª instância. Mas, com a argumentação apresentada por muitos
parlamentares, chegou-se ao formato atual, em que o candidato só
deixa de concorrer se for condenado duas vezes - primeiramente, por
um juiz (1ª instância) e depois, por órgão colegiado de juizes.
Quanto à aplicação da lei, Marcelo Lavenére
acredita que há condições de ela ser aplicada já nas eleições de
2010. Isso porque a Lei Complementar 64 (Lei das Inelegibilidades),
que está sendo alterada pelo projeto Ficha Limpa, foi aprovada em
1990 e já valeu para as eleições daquele ano. Ele defendeu que, se a
norma não prejudica o equilíbrio das eleições, ela pode, sim, ser
aplicada, como ocorreu em 1990. "Queremos ficha limpa já; queremos
dizer isso à Justiça Eleitoral. Se assim for, todos os candidatos
que pedirem sua inscrição e tiverem condenação como prevê o projeto
estarão automaticamente inelegíveis", reforçou.
Cassação - Outra inovação
importante do projeto, segundo Lavenére, é o artigo que prevê a
inelegibilidade também para o político que enfrenta processo de
cassação e que para se livrar dela, renuncia ao cargo. Irônico, o
integrante do MCCE agradeceu também aos políticos envolvidos no
mensalão de Brasília, por terem dado maior visibilidade à corrupção
e com isso, reforçado o movimento contra a corrupção no País.
Mas Lavenére ressaltou que a luta do MCCE não para
por aí. "Nossa próxima meta é uma reforma política decente, que dê
mais transparência à nossa democracia", disse. Ele lembrou que o
Ficha Limpa não é a primeira iniciativa do grupo: em 1999, foi
aprovada a Lei Federal 9.840, prevendo punições para os candidatos
envolvidos com corrupção eleitoral. De acordo com ele, mais de mil
pessoas foram condenadas em função dessa norma.
Advogados criticam projeto em nome da presunção de
inocência
Para Odilon Pereira de Souza, do Instituto dos
Advogados de Minas Gerais, o projeto Ficha Limpa é pretexto para
desviar a atenção dos assaltos que se praticam contra a Nação, como
o dinheiro destinados às ONGs e os desvios da merenda escolar.
Segundo ele, tal projeto atende ao interesse de um grupo, mas o povo
é quem deve decidir nas urnas quem merece ou não exercer o cargo
público. Para ele, o princípio de presunção da inocência foi
consagrado nas leis de vários países após períodos longos de
ditadura, como no Brasil.
Em sua conferência, a doutora em Direito Eleitoral
Edilene Lobo criticou a legislação brasileira, por não prever a
iniciativa de processo legal por parte do cidadão. "É unânime no
Brasil o entendimento de que o mero eleitor não tem legitimidade
para propor uma ação eleitoral. A jurisprudência se equivoca e
afasta as decisões do estado democrático de direito", declarou.
Para ela, isso se explica pela compreensão, a seu
ver equivocada, de que as eleições só interessariam aos candidatos,
partidos e coligações. "O processo eleitoral tem natureza de
processo coletivo, pois o resultado não interessa somente aos
candidatos e suas agremiações, mas a toda a sociedade",
concluiu.
No painel sobre "Ilícitos eleitorais", o presidente
da Comissão para Assuntos Legislativos da OAB-MG, Luís Carlos
Balbino Gambogi, falou das condutas vedadas na campanha eleitoral,
principalmente a agentes públicos. O objetivo de toda a legislação é
preservar a isonomia, a igualdade de oportunidades entre os
candidatos na campanha eleitoral, a legitimidade do processo
eleitoral e a probidade administrativa, evitando o abuso de
autoridade, do poder político e econômico. Ao final, Gambogi avaliou
que a legislação eleitoral em vigor tornou as campanhas mais
tristes, mas não mais honestas.
Já o presidente da Associação dos Magistrados
Mineiros (Amagis), juiz Bruno Terra Dias, fez um histórico da
formação política brasileira, destacando a criação da Justiça
Eleitoral em 1932. Em sua opinião, essa instância, desde sua
criação, apresentou avanços e retrocessos, mas nos últimos anos tem
se destacado na busca de maior equilíbrio das disputas eleitorais,
fazendo avançar a democracia nacional.
Compra de votos - No
painel "Captação ilícita de sufrágio", o promotor do Ministério
Público Eleitoral Edson Resende falou das diversas situações que
caracterizam a compra de votos nas eleições e das punições
previstas.
Já o diretor do Departamento de Direito Eleitoral
do Instituto dos Advogados de Minas Gerais (IAMG), Antônio Ribeiro
Romanelli, classificou como hipócrita a discussão sobre o
financiamento das campanhas. "Todas as campanhas no Brasil são
feitas com recursos públicos. O que a grande maioria faz não é
doação, é investimento numa futura licitação ou outra benesse que
poderá ter", disparou. Após sua fala, ele recebeu uma placa do IAMG
em sua homenagem, entregue pelo presidente da entidade, José
Anchieta da Silva, e pelo deputado Gustavo Correa (DEM).
No painel "O problema da autoria e a necessidade de
conduta para a imputação criminal", o desembargador José Nepomuceno
da Silva, do TJMG, destacou que no sistema eleitoral, a
jurisprudência é sazonal. "Com isso, uma jurisprudência válida para
as eleições de 2008 pode não valer para as de 2010", afirmou. Mas
ele analisou que "a jurisprudência tem que ser sempre pro
populi, ou seja, contra o corrupto, a favor da ética".
O professor de Direito Processual Penal da UFMG,
Felipe Martins Pinto, declarou que o crime eleitoral, antes de ser
típico das eleições, é um crime. E como tal, todas as regras para
sua análise têm que partir da esfera penal. E essa esfera tem
mostrado eficácia na sociedade ao longo dos anos, na sua
avaliação.
Plateia é amplamente favorável ao projeto Ficha
Limpa
Encerradas as palestras, o deputado Neider Moreira
(PPS), que coordenou os trabalhos, passou à fase de debates. Foram
ao microfone quatro pessoas da plateia, todas elas com opiniões
favoráveis ao projeto Ficha Limpa. Ana Gabriela Melo Rocha disse que
o objetivo é afastar o candidato que ofereça risco à moralidade
pública. Maria Amélia Mendes argumentou que nenhuma lei é perfeita,
e quem não concordasse com o projeto deveria ajudar a aperfeiçoá-lo.
José Celestino da Silva considera que "a maior
agressão à Constituição é permitir que aqueles que roubam o Erário
possam representar o povo nas casas legislativas". Edmo da Cunha
Pereira disse que o projeto é um sinal dos tempos e retrata a
realidade que vivemos. "Se ninguém pode ser promotor, agente de
segurança ou mesmo caseiro de um sítio se tiver ficha suja, porque
não estender essa exigência aos representantes políticos?",
indagou.
O desembargador Nepomuceno afirmou que "a moral é
própria de cada época", e defendeu que o que precisa ser mudado não
é a regra do jogo eleitoral, mas a lei orgânica dos partidos
políticos. O magistrado pronunciou-se também sobre a aplicação do
projeto Ficha Limpa, que não poderia se dar nas próximas eleições,
mas apenas em 2012, devido ao princípio da anualidade. "Caso
contrário, não sei mais nada e terei que rasgar todos os meus livros
de Direito", provocou. No entanto, sua convicção foi contestada por
Marcello Lavenére, que afirmou que a Lei Complementar 64 foi
aplicada no próprio ano da sanção, 1990.
Respondendo a questionamentos da plateia, o
promotor eleitoral Edson Resende procurou esclarecer que os artistas
que porventura sejam candidatos não podem fazer shows em seus
comícios, mas que tampouco têm que ficar à míngua de seu ganha-pão,
suspendendo os shows no período eleitoral. "Eles só não podem pedir
votos durante o show, nem fazer show durante os comícios",
distinguiu. Da mesma forma, a administração pública não pode parar,
nem o trabalho parlamentar, só porque o gestor ou o deputado são
candidatos. Eles só não podem pedir votos no exercício de sua
função. Resende também pediu que o conceito de inelegibilidade seja
apartado da ideia de culpa.
Felipe Martins Pinto defendeu o princípio de
presunção de inocência como cláusula pétrea da Constituição, e
previu que pessoas sem culpa provada possam ser impedidas de
participar da representação política, ter seus nomes citados pela
imprensa e serem segregadas da vida social.
Lavenére contrapôs que qualquer pessoa com duas
condenações já não pode ser presumida inocente, e afirmou que
inelegibilidade não é pena. "Os fichas-sujas terão presunção de
inocência por seus atos. Presunção não é certeza", afirmou. José
Anchieta da Silva, presidente do IAMG, sustentou que nenhuma lei
muda a realidade das coisas, o que muda são as pessoas. "O eleitor
tem que ser soberano para eliminar quem quiser. O julgamento do
candidato vem pelo seu voto", definiu.
|