Expositores defendem valorização dos Estados no pacto federativo

O conselheiro do Tribunal de Contas de Minas Gerais (TCMG) e ex-deputado estadual Sebastião Helvécio defendeu a impor...

20/05/2010 - 00:04
Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais
 

Expositores defendem valorização dos Estados no pacto federativo

O conselheiro do Tribunal de Contas de Minas Gerais (TCMG) e ex-deputado estadual Sebastião Helvécio defendeu a importância do resgate dos Estados na formação de políticas públicas, durante o segundo dia do Ciclo de Debates Pacto Federativo, Questão Tributária e Políticas Públicas no Brasil. O evento, organizado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais, recebeu ainda, na manhã desta quinta-feira (20/5/10), representantes do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), da Fundação João Pinheiro, do Ministério Público e da Associação Mineira de Municípios.

De acordo com Sebastião Helvécio, o Brasil é o único país em todo o mundo que possui um sistema com três entes federados. Para ele, entretanto, o federalismo brasileiro é assimétrico e favorece o governo central em detrimento dos Estados e municípios. O ex-parlamentar acredita que os Estados devem se auto-organizar para garantir sua autonomia. "Precisamos buscar uma rede cooperativa federativa eficaz, com um sistema de avaliação de resultados que melhore a gestão e modernize a máquina pública", sugeriu. O conselheiro do TCMG atribuiu, ainda, a eficiência administrativa e a regionalização das políticas públicas como caminhos para a valorização dos Estados.

O consultor do Ipea, Décio Garcia Munhoz, reforçou a ideia do ex-deputado Sebastião Helvécio de que o modelo de governo federativo no Brasil é desarmônico. Ele lembra que a reforma tributária, que vem sendo discutida há mais de 20 anos, não é de interesse da União, uma vez que diminui o poder do governo central. "Na década de 90, houve um aumento de impostos que achatou os salários do trabalhador e enfraqueceu as políticas públicas voltadas para a sociedade. Nessa história, só quem ganhou foi o Governo Federal", criticou.

Munhoz destacou ainda que a Lei de Responsabilidade Fiscal é um mecanismo de engessamento dos Estados. Para ele, o federalismo brasileiro tem um grave problema de distribuição de recursos e atribuições nas políticas públicas. "Há um desarranjo institucional em que os Estados e municípios ficam submissos à União. O regime hoje é quase monárquico, em que o governo central detém autonomia e poder sobre todas as decisões", alertou.

Professor critica sistema tributário brasileiro

O sistema tributário do País foi considerado de péssima qualidade pelo professor da Fundação João Pinheiro, Fabrício Augusto de Oliveira. Segundo ele, o federalismo brasileiro é desequilibrado e em poucos períodos da história teria vigorado de forma efetiva. Em sua fala, o acadêmico apontou que a carga tributária nacional impede o crescimento econômico, gera má distribuição de recursos e não traz retornos reais para sociedade em termos de políticas públicas. "Esse sistema tributário, que é o pior existente em todo o mundo, acarreta insuficiência de políticas públicas, escassez de investimentos em infraestrutura econômica e urbana e cria conflitos federativos institucionais", afirmou.

O professor reforçou as palavras dos expositores que o antecederam, ao reafirmar que os Estados e municípios estão enfraquecidos, tendo em vista que o governo central detém o controle sobre as principais decisões econômicas. "Há um engessamento dos orçamentos, com pouco espaço para políticas públicas em benefício da sociedade. Vivemos, certamente, um federalismo assimétrico", disse. Ao final, Oliveira alertou para o fato da discussão sobre a reforma tributária ser postergada pelos governantes, e afirmou que os caminhos para o fim dessa distorção federativa passam pela revisão do sistema de partilha de recursos e pela criação de mecanismos equalizadores dos gastos públicos.

Judicialização da saúde reflete desequilíbrio do pacto federativo, diz procurador

Falando sobre a tendência de judicialização das políticas públicas, sobretudo na área da saúde, e seus impactos sobre o pacto federativo, o procurador de Justiça Antônio Joaquim Fernandes Neto advertiu que o federalismo brasileiro impõe um desequilíbrio entre os entes federados que arrecadam e os que literalmente "pagam o pato". Segundo ele, os municípios vivem hoje situações paradoxais, fruto desse desequilíbrio: entre os entes federados, são eles os mais demandados em políticas públicas de saúde e os mais acionados na Justiça, ao mesmo tempo em que são os que mais gastam para promover a saúde do indivíduo e da coletividade.

Para dimensionar o problema, o procurador revelou que, se há 10 anos era inexpressivo o número de ações no Tribunal de Justiça de Minas Gerais envolvendo o atendimento à saúde, de lá para cá houve aumento expressivo. As ações saltaram de 500 em 2004 para o dobro em 2006, chegando a mais de 2.500 ações em 2009. Segundo ele, o gasto estadual somente com a judicialização da saúde saltou de R$ 160 mil em 2002 para R$ 42 milhões em 2008.

"Desse volume, o Ministério Público foi responsável por 10% das ações. Cada vez mais vemos advogados especializados em novas ações contra o SUS. Assim como a pata choca apenas os próprios ovos, os entes federados não gostam de pagar o pato alheio", voltou a comparar o procurador. Contudo, ele esclareceu que decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou jurisprudência de que sobre os serviços de saúde prevalece a responsabilidade solidária dos entes federados, ou seja, tanto a União como Estados e municípios podem ser acionados em caso de omissão ou falta de atendimento.

O procurador relatou que em Minas, embora prepondere essa tese da responsabilidade comum, ainda há desembargadores que se dividem, entendendo que as competências são divididas entre os entes federados. "Mas em breve haverá no Estado o impacto do que entendeu o STF recentemente", observou.

Por outro lado, o representante do Ministério Público considerou como positivo o crescimento do número de decisões do Tribunal de Justiça que incorporam uma discussão em torno das políticas públicas, o que segundo ele ocorria de forma inexpressiva até 2006. Também destacou que os tribunais têm zelado pelas finanças públicas municipais, condenando o Estado a ressarcir municípios em situações como a oferta de fármacos para tratamento de determinadas doenças.

AMM vê "bagunça federativa"

O superintendente da Associação Mineira de Municípios (AMM), Waldir Silva Salvador de Oliveira, encerrou o painel da parte da manhã com duras críticas ao que chamou de "pacto da ilusão" ou "bagunça federativa", expressões que repetiu para definir a relação que se estabeleceu entre os entes federados brasileiros a partir da Constituição Federal de 1988. "A ilusão federativa começou na própria Constituição, que definiu todos os entes como autônomos, mas que em seu artigo 157 definiu a repartição de certos tributos. Aí começou a maldade, porque se não há equilíbrio entre autonomia administrativa e autonomia econômica, é falsa a idéia de um pacto", avaliou o representante dos municípios.

Usando a simbologia do pato citada por seu antecessor no painel, Waldir Silva defendeu revisões obrigatórias e periódicas do pacto federativo definido na Constituição, segundo ele para corrigir distorções reveladas ao longo do tempo e evitar que o cidadão e os municípios continuem "pagando o pato". Ele definiu o pacto vigente como uma "praga" para a gestão municipal ao afirmar que dos 853 municípios mineiros, 491 vivem com o menor índice (0,6) de repasse do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), o que significa receber do fundo R$ 300 mil por mês. "Como se com isso um prefeito pudesse fazer sua parte no pacto, o que é outra mentira federativa", criticou.

Segundo expôs Waldir Silva, dados do Tesouro Nacional mostram que os municípios mineiros dispenderam, somente em 2009, a cifra de R$ 2,637 bilhões para arcar com ações e serviços que seriam de competência exclusiva da União e do Estado. Montante que, tomando todos os municípios da região Sudeste, chegou a R$ 5,139 bilhões.

Sobrecarga - O superintendente da AMM questionou também programas federais - como o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), que segundo ele "foi imposto de cima para baixo, gastando mais com publicidade do que os municípios têm para gastar" - e atitudes como a de recompor, tardiamente e sem reajuste, as perdas sofridas pelos municípios por ocasião da redução do IPI sobre automóveis e produtos da linha branca durante a recente crise econômica.

"O IPI é um dos principais impostos que compõem o Fundo de Participação dos municípios. Só o salário mínimo teve um reajuste de 25% em dois anos", confrontou Waldir Silva. Segundo ele, a "bagunça federativa" tem levado ainda "o Judiciário a querer legislar, o Legislativo a querer executar e o Executivo a fazer o que puder", e gerado nova sobrecarga para os municípios. Citou como exemplo a proposta de aumento do piso de agentes de saúde em todo o País, que seria definido em R$ 930,00, sem exigência de escolaridade.

"É uma função nobre a dos agentes. Mas os municípios não conseguem pagar isso nem a seus professores e nem a técnicos de enfermagem", afirmou, ao enumerar quanto um município recebe de repasse para arcar com vários serviços relevantes: R$ 250,00 por aluno, por ano, para o transporte escolar da zona rural à zona urbana; R$ 0,30 por criança ao dia, para a alimentação escolar; e R$ 0,60 por dia para alimentar uma criança mantida em creche

Pontuando que a posição da entidade não tem viés político-partidário, o superintendente da AMM elogiou o debate realizado no Plenário e advertiu que se não houver uma revisão do pacto federativo, "em 30 anos mudarão os debatedores mas os problemas aqui em debate serão os mesmos".

 

 

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