Assembleia pode criar comissão especial da Serra da
Mantiqueira
A Assembleia Legislativa de Minas Gerais poderá ter
uma comissão especial da Serra da Mantiqueira. A proposta foi
lançada pelo deputado Dalmo Ribeiro Silva (PSDB), durante audiência
da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável em Passa
Quatro (Sul de Minas), nesta quinta-feira (15/4/10). Os
participantes do encontro criticaram duramente a proposta de criação
do Parque Nacional Altos da Mantiqueira, considerada autoritária e
sem a devida escuta à sociedade. A maior preocupação é quanto aos
produtores rurais, que podem ter suas terras desapropriadas, ficando
à mercê dos processos de indenização.
Dalmo Ribeiro Silva (PSDB), que solicitou e
coordenou a reunião, enfatizou que o encontro marcou a entrada
oficial da Assembleia de Minas nas discussões sobre o parque.
Aproveitando a presenças de deputados e prefeitos de Minas e São
Paulo, o deputado Antônio Carlos Arantes propôs também a criação de
uma comissão, envolvendo ainda o Rio de Janeiro, para tratar do
assunto com a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, e com o
ministro da Secretaria de Assuntos Institucionais, Alexandre
Padilha. Todas as propostas serão encaminhadas por meio de
requerimentos na ALMG.
Parque - A criação do
Parque Nacional Altos da Mantiqueira é uma proposta do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), autarquia do
Ministério do Meio Ambiente. O projeto prevê a conservação de cerca
de 90 mil hectares em 16 cidades de Minas, São Paulo e Rio de
Janeiro, atingindo seis municípios mineiros. A Serra da Mantiqueira
é uma cadeia montanhosa que se estende pelos três estados e
compreende um maciço rochoso com grande área de terras altas, entre
mil e quase 3 mil metros de altitude. A maior parte da serra, cerca
de 60%, encontra-se em terras mineiras.
Prefeitos criticam processo e temem prejuízos
financeiros
Vários prefeitos participaram da audiência e
criticaram a forma como o projeto de criação do parque foi
conduzido. Eles querem a suspensão da proposta. O chefe do Executivo
de Guaratinguetá (SP), Junior Filippo, relatou que soube do processo
em sua última fase, de audiências públicas. "Se um circo chega na
cidade, tem que pedir autorização da prefeitura, mas um parque que
usará 15 mil hectares da cidade pode ser criado goela abaixo",
criticou. Filippo lembrou que a Área de Preservação Ambiental (APA)
Serra da Mantiqueira ainda não tem plano de manejo e que essa luta
será priorizada pelo município. A APA foi criada em 1985.
O vice-prefeito de Passa Quatro, Antônio Claret
Esteves, afirmou que o parque poderá acirrar o êxodo rural, com
impacto nos serviços públicos e na produção de alimentos. Segundo
ele, há 30 anos, 30% da população do município moravam na zona
rural. Hoje, esse contingente não chega a 10%. "Alguns pontos do
projeto também estão confusos, como o mapeamento das áreas atingidas
e da zona de amortecimento e o pagamento de indenizações", afirmou.
Segundo Claret, 30% da área de Passa Quatro estariam inseridas no
parque.
A questão das indenizações foi abordada também pelo
prefeito de Piquete (SP), Otacílio Rodrigues. Segundo ele, há
produtores que foram desapropriados para a criação das unidades de
conservação de Itatiaia e Bocaina e que, até hoje, não receberam por
suas terras. Já o prefeito de Delfim Moreira, Carlos Antônio
Ribeiro, enfatizou o prejuízo financeiro. Segundo ele, o município
tem 59% de suas terras preservadas, com espécies nativas. Por outro
lado, 70% de sua renda vêm da silvicultura e 70% da madeira está na
área destinada ao parque, onde vivem também 300 famílias.
Deputados condenam decisões impostas
Os deputados também se manifestaram contra a
imposição do parque pelo ICMBio. Dalmo Ribeiro Silva lembrou que a
edição de um decreto presidencial de criação da unidade deve ser
precedida de debate, até mesmo porque sua revogação não compete ao
presidente, mas ao Legislativo federal. "Vamos falar com o
governador Anastasia, para que haja também uma posição oficial do
Governo de Minas", anunciou. Já Doutor Ronaldo (PDT) comparou o
problema vivido pelos produtores rurais ao dos atingidos por
barragens, que também têm suas terras expropriadas. "É preciso
respeito ao cidadão", afirmou.
Antônio Carlos Arantes citou sua própria
experiência como produtor rural na região do Parque Nacional da
Serra da Canastra. Segundo ele, como as unidades de conservação não
têm estrutura de fiscalização e manutenção, as terras ao redor do
parque, de propriedade dos produtores, estão mais protegidas. "Se há
um incêndio no parque, não há quem apague", exemplificou. Ele
defendeu que a União reserve recursos para desapropriações antes de
iniciar qualquer processo de criação de parques, como as prefeituras
são obrigadas a fazer.
O deputado Carlinhos Almeida (PT-SP) afirmou que
recebeu a notícia da criação do parque pela imprensa. Segundo ele, o
ICMBio prometeu diálogo, mas isso não se efetivou. "Há 15 dias um
grupo técnico que discute o assunto pediu a íntegra do processo. O
instituto prometeu entregar em dez dias e ainda não o fez",
criticou. Segundo o parlamentar, as autoridades paulistas sugerem a
criação de áreas menores de proteção, tendo os produtores rurais
como parceiros. Também o deputado Padre Afonso Lobato (PV-SP)
afirmou que não questiona a preservação, mas o processo. Segundo
ele, a proposta de se fazer um projeto mais participativo não teve
sucesso.
ICMBio reconhece erros, mas aponta avanços
O diretor do APA Serra da Mantiqueira, Clarismundo
Benfica do Nascimento, que representou o ICMBio na audiência,
reconheceu os erros da instituição no passado, mas salientou avanços
como a criação do grupo técnico, que vem discutindo o assunto.
Segundo ele, a proposta de conservação integral do alto da Serra da
Mantiqueira se deve à necessidade de preservar importantes áreas de
recarga hídrica e também de vegetação contínua de mata atlântica,
que ocorre em 94% da área a ser preservada. "Isso requer um olhar
diferenciado", reforçou.
Os avanços alegados pelo ICMBio, no entanto, são
questionados pelo arquiteto Urbano Reis Patto Filho, coordenador de
gestão estratégica da prefeitura de Pindamonhangaba (SP). Ele
participa do grupo técnico e aponta que o material oferecido pelo
instituto é fraco e tem apenas dados genéricos e defasados, sem um
estudo dos impactos socioeconômicos. "O grupo quer discutir para ter
uma proposta ao final do processo. Mas o ICMBio não abre mão do
parque", criticou.
Além de Nascimento, do ICMBio, apenas Orlando
Mohallem, do clube de montanhismo de Itajubá, defendeu que as
montanhas da região tenham apenas produção de água e se destinem
exclusivamente ao turismo. "As braquiárias estão tomando conta dos
topos de morros", denunciou. Ainda assim, ele defende a preservação,
mas não necessariamente na forma de um parque.
Participantes veem relação entre produção e
preservação
Vários produtores e representantes de entidades
ligadas à agricultura rechaçaram a dicotomia entre produção e
preservação do meio ambiente. Eduardo Arantes do Nascimento, da
Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Minas Gerais
(Fetaemg), citou o exemplo do Rio das Velhas, que é poluído por
esgotos de Belo Horizonte, e não pelas plantações ao longo de seu
curso. "O campo não pode pagar, sozinho, a conta da preservação",
decretou. Segundo ele, unidades de conservação estão sendo criadas
para compensar grandes empreendimentos, prejudicando pequenos
produtores.
Ennia Guedes, da Federação da Agricultura e
Pecuária de Minas Gerais (Faemg), também criticou o projeto do
parque e salientou que ele nem sequer menciona as indenizações. Na
fase de debates, produtores também relataram suas ações de
preservação e a dificuldade para se conseguir crédito para tocar os
negócios, em função da falta de garantias, já que as terras podem
ser desapropriadas. Segundo eles, os documentos de posse das áreas
são frágeis e dificultarão o recebimento de indenizações.
Presenças - Deputados Dalmo
Ribeiro Silva (PSDB), Antônio Carlos Arantes (PSC) e Doutor Ronaldo
(PDT). Participaram ainda da audiência os prefeitos de Marmelópolis,
Valmir Alves, e de Virgínia, Edson Ramos; o vice-prefeito de
Itanhandu, João Esteves; vereadores da região, o representante do
Ministério Público, Flávio Mafra Brandão de Azevedo, sindicalistas e
representantes da Polícia Militar.
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